Por Michele Calliari Marchese
Isabel estava noiva.
Devia estar feliz, mas
não estava. Andava de um lado a outro tentando entender se o casamento era o
fim a que se destinaria ou a que se desatinaria.
Naquele dia ela retornou
da lida na roça, esquentou água para por na tina onde tomaria o banho e
esperou. Começou a pensar em tudo o quanto tinha vivido em seus 25 anos e com
esse pensamento se benzeu e agradeceu o fato de estar noiva e não ficar para
titia como a Mariana que não tinha nem namorado.
Precisou da ajuda do pai
para por a água quente na tina e depois completou com a fria. Colocou a mão
para verificar a temperatura e um frêmito lhe perpassou pelo braço direito
fazendo os pelos eriçarem. A água não estava boa, mas não tinha paciência de
ficar misturando a quente e a fria até que sentisse o prazer da temperatura
natural de seu corpo.
Despiu-se e olhou com
pesar para suas pernas feias, tortas e muito brancas. Lembrou-se do filho do
vizinho que as ficava acarinhando até que ela segurava as mãos dele em seus
joelhos não deixando o rapaz prosseguir naquela subida sôfrega. Balançou a
cabeça para afugentar tais lembranças, ergueu as sobrancelhas e entrou na tina.
Tinha acabado de fechar
os olhos quando deu pelo esquecimento do sabão e teve que sair da água para
pegá-lo. Aquele instante de apoiar-se no chão e erguer-se a lembrou de um
momento íntimo, anos depois, em que ela e ele se descobriram no arroio que
cortava as terras do pai. Parou por um instante e não soube por que tinha
tantas lembranças naquele dia. Não podia ficar pensando nessas coisas uma
semana antes do casamento, era uma profanação.
Serenou o ânimo e voltou para a
tina.
Sua mãe sempre lhe dizia
que não era para ela andar para trás, pois isso era o que aconteceria sempre em
sua vida. Eles ficavam correndo de ré, os dois, quando crianças, para verem
quem caía primeiro e não se podia olhar para trás. Isabel assimilou isso como
uma verdade, e para o resto de sua vida. Não iria para trás nunca mais. Onde
ele estaria?
Mergulhou as orelhas
para ouvir a água e partiu de seu mundo real para aquele só seu, dentro da
banheira. Imóvel, escutou alguns pequenos pingos surdos que caíam e que nunca
soube de onde.
Ali ela estava
totalmente só. Mas feliz. Decerto que seu noivo pensava assim também, senão,
não tinha pedido ela em casamento. Seu vestido era lindo e estava pronto e
lembrou quando o filho do vizinho desabotoou um a um dos botões de seu vestido
de domingo e ela deixou que lhe caísse aos pés como um arrepio de amor.
Se fosse morrer, poderia
ser daquele jeito; praticamente indolor e sem ouvir nada para não sentir
saudades dele.
Quem tinha lhe
apresentado o noivo tinha sido ele. Ironia? Nunca soube. Mas soube que
arrebatou o coração de um e arrebentou o do outro que partiu de madrugada
deixando-lhe o corpo beijado e suado. Para nunca mais voltar.
Agora estava com 25
anos. Casaria ou não? Se não casasse, nem para freira serviria e como contar
sem chorar ao noivo seu passado contundente? Então lembrou que quando o outro a
abraçava proporcionava a sensação de que ela poderia enfrentar um mundo de
impossibilidades, as quais agora se apresentavam na forma de recordações.
Assustou-se com a
possibilidade daquele aprisionamento voluntário na banheira e se deixou ficar;
do mesmo jeito que ficava nos braços dele depois do amor no meio do mato.
Sentiu seu cheiro e abriu os olhos.
Uma onda de tristeza e
abandono tomou conta de todo o seu ser e desejou ardentemente nunca tê-lo feito
o amor maior de sua vida.
E decidiu que quando o
noivo chegasse para o jantar em família, lhe dedicaria a vida se preciso fosse
e que também faria tudo o que estivesse em seu alcance para a sua felicidade.
Beijou a aliança da mão direita, levantou e saiu da tina. Esta resolução lhe
deu a força que precisava para esquecer o outro.
Naquela noite que ficou
na varanda a esperar pelo noivo, sentiu que tudo voltava ao início e que nunca
em toda a sua vida haveria de livrar-se daquele amor periclitante, pois que
este também chegava para o jantar.
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Ai essa possibilidade de aprisionamento voluntário que todos temos nalgum instante... Belíssimo conto, Comadre, gostei!
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