Por
Helena Frenzel
É bem capaz de você não
acreditar se eu disser logo quem sou, portanto nem vou me dar ao trabalho de me
apresentar. Começo logo contando a minha história, isso sim, que é bem mais
interessante.
Veja bem: este é meu
primeiro dia no restaurante. Estou curioso, curioso... Se tem uma coisa que
aprendi num dos tantos lugares por onde passei foi sempre antes de começar uma
história dizer: “Meninos, eu vi!”. E
vi mesmo! Sim, já vivi com gente culta (e louca) por aí... Aprendi muita coisa
interessante, interessante...
“Meninos, eu vi!”... “Meninos, eu vi!”
De meu canto cativo me
pus a observar as pessoas sentadas às mesas próximas a mim. Na primeira delas,
logo à minha esquerda, rente à parede, uma família com uma criança pequena,
ainda de colo, sentada numa dessas cadeirinhas de bebê. Pelas roupas, bem podia
ser um menino. Se bem que hoje em dia... Sei não, sei não... tudo é mais
difícil nos dias atuais. Procurei um brinquinho que fosse... Hum, mais
complicado ainda! Tinha um negócio brilhando num dos lados do nariz... O que
seria aquilo, meu Deus? Um pier... pier... piercing! Ah, sim! Parece que é
assim que chamam essas bolinhas. Aproximei um de meus ouvidos para captar um
pouco do que diziam:
A mulher resmungava:
—
... sozinhos não podem, mas se os menores estiverem acompanhados dos pais então
é permitido, oras!
E o homem, que devia ser
o marido, tentava interpelar:
— Mas querida, você não
acha que ELE — Ah, eu sabia! Era um menino! Era um menino!, pensava eu — ainda
é muito “verdinho” para essas coisas?
E a mulher devolveu:
— Que verde que nada!
Certas coisas quanto mais cedo se aprende na vida melhor! — e virando-se para a
criança, falou com voz esganiçada: — ô meu Bilu-Bilu... olha e aprende
direitinho, viu? Nada de ficar dando ouvidos ao seu pai — e olhando cinicamente
de volta para o marido, acrescentou: — ... que sobre esses assuntos ainda tem
mais é muito o que aprender, viu?!
— Ah-ah! Ta-ka, Ta-ka!
Dá-dá-dá... — contribuiu o pequeno.
Lá vinha o maître
acompanhando um casal de idosos para ocupar a mesa ao lado desta família, que
até agora estava vazia:
— Por aqui, por favor —
dizia o maître com um sorriso “de plástico” (moldado na cara dura caiada de pó
branco) ao mesmo tempo em que puxava a cadeira para a senhora fina e elegante
sentar-se.
— Oh, obrigada! Mas que
gentileza... Essas coisas não se vêem mais com freqüência nos dias de hoje, não
é mesmo, Harry? — falou para o acompanhante, fazendo biquinho e piscando os
olhinhos de boneca.
— Querida, não
exagere... — disse o homem com cara de “bundão”.
— O que vai ser para
beber? — perguntou solícito o maître caiado.
— Água mineral para a
senhora e para mim a carta de vinhos, por favor — solicitou o tal do Harry.
— Como assim “água para a senhora e vinho para mim”, Harry?
— foi logo atalhando a velhinha.
— Eh... Hum...senão
vejamos... um de nós dois tem que dirigir, minha querida... — falou o bundão,
entre dentes, sorrindo para o maître, que conservava ainda no rosto o
inabalável sorriso de plástico, ao mesmo tempo em que apertava a ponta do
sapato da mulher por baixo da mesa, ao que ela fez um: — “Oh!” — e continuou com cara de boneca de vidro:
— É isso mesmo... você
tem razão, querido. — e olhando para o maître caiado, completou: — A carta de
vinhos, por favor...
— Oui, Madame! —
respondeu o afetado maître, retirando-se discretamente. Outros clientes
aguardavam para serem atendidos, e com aquela mesma atenção.
Foi só o tempo do maître
se retirar e os finos velhinhos começaram a vociferar, baixinho, um pro outro,
palavras de baixo calão. Xingavam-se (discretamente) em Bananês, imaginando que
ninguém estaria por ventura entendendo o que diziam. He he he he... Eles
estavam bem equivocados se pensavam que eu não entendia os “velha filha da piii...” e “velho pinguço” dentre as mais leves das
expressões que ali pipocaram.
Então as luzes foram se
apagando devagar. Parece que haveria um show.
Oba! Ia ter show, ia
ter show!!
Daí iluminaram uma cama
quadrada, coberta de lençóis pastel, e colocada bem no centro do salão. Entrou um
casal. Deviam estar usando uma dessas roupas coladas, mas tão coladas, do tipo
que apelidam de “segunda-pele”. Devia ser isso, pois olhei para o “bush” da mulher e não vi nada,
nadinha... Aí olhei para o do homem: também não vi nada balançando... Acho que
tinha que ser mesmo essas roupas de bailarinos para encobrir “o bush” e "os balangandãs", e deixar o resto à mostra. Sim, os outros
músculos e detalhes dos dois corpos dava para ver muito bem. Quando eles
entraram ouvi uma "falsa"
salva de palmas e uma voz dessas do tipo que comanda programa de auditório
classe B, vinda não sei de onde, enchendo o lugar com a frase de apresentação:
“We love to entertain YOU!!”
Aí os dois atores
começaram a atuar.
Na mesa à minha direita
estava um casal jovem. Eles riam e aplaudiam. Pouco depois que o show começou,
a jovem disse:
— Ha-ha-ha! Mas o que é
isso mesmo que eles estão apresentando?
— Pssit! — atalhou o
jovem, simulando um pedido de silêncio — Não está vendo que estão fazendo “Arte”?
— Tem certeza? —
perguntou a jovem ingenuamente — Eu achava que isso aí tinha outro nome...
— Quieta, quieta! Vamos
assistir...
É, esse mundo nosso é
cheio dessas coisas assim, insólitas...
Nisto, chegaram novos
clientes. Desta vez, duas mulheres. Ocuparam a mesa no centro, bem à minha
frente. Eu e uma das mulheres então fizemos contato visual. Ela me olhou, ela
me olhou... e eu olhei para ela e eu olhei pra ela... Ela falou para a
companheira:
— Olha, Teresa, que
surpresa legal! Veja só o que temos por aqui. — E começou a conversar comigo
numa das línguas que eu compreendia muito bem. Estranhamente era a minha língua
nativa.
— Ah, você vem do
Brasil, não é mesmo? Eu também. Prazer em conhecê-lo, meu nome é Mariana. Eu
tenho medo de cobras. Quanto a outros bichos... tenho nada contra não! E você?
Ainda deu tempo de eu
virar meu ouvido para a mesa dos velhos e ouvi-los cochichar:
— Harry, porque será que
a mulher da mesa ao lado está fazendo “Loro,
currupaco, papaco, paco, paco, loro, loro...” ?
— Ah, vai ver ela está
imitando o papagaio...
— A troco de quê alguém
se propõe a imitar um pássaro, e num restaurante?
— Sei lá, querida...
Cada louco com a sua mania, não é mesmo? Vai ver eles se entendem... O papagaio
parece até que está respondendo...
— Se entendem?! O que é
isto, Harry, onde já se viu animal falar com gente? Eu, hein, que coisa mais
sem-pé-nem-cabeça... E o que dizer de toda essa história de Evolução, hein,
hein?
E o velho disse, em
Bananês:
— Cala a boca, Harriet,
presta atenção no SHOW...
E eu, de lá do meu
poleiro, cumprindo a minha função:
— Presta atenção no
show!! Presta atenção no show!! We love
to entertain YOU!!
* * *
Para el loro del doctor Urbino.
Esta narrativa é de dois mil e nove e faz parte de uma série que há tempos vinha tentando revisitar. Quatro anos se passaram e esses velhos textos resistiram à reedição, o que muito me incomodou aliás pois não costumo ter pudores com meus escritos no que tange a revisões. Talvez exista neles alguma coisa, por isso
deixo como estão. Não que sejam jóias literárias, nada disso, estão cheios de falhas até, mas para mim eles
são um registro de primeiras experimentações. Como Rosa Montero, também “pienso que uno no debe alterar las novelas que escribió en el pasado:
deben ser exactamente lo que fueron.” Por isso resisti à tentação de modificá-los. Com
vocês então a série do Piroco Paio,
de quando ainda estava perdendo a vergonha de contar.
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Não precisa editar nada, ficou muito bom... rsrsrsrs...
ResponderExcluirConcordo com a Ana Bailune, está bom demais. amei este papagaio!
ResponderExcluirResista sempre às reedições, comadre! Ficou ótimo! Deixe como está! Beijos
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