Por Michele Calliari Marchese
Esse causo aconteceu quando as primeiras
famílias apareceram para desbravar a Campina da Cascavel, vinham de lugares
distantes e também de outros países. Uma dessas famílias era oriunda da Itália
e veio o casal com três filhas pequenas.
A mama fazia comidas espetaculares e usava um
ingrediente que não existia na região e todos que provavam do petisco queriam
saber da receita e do dito “manjericão roxo” que ela usava para deixar tudo
mais apetitoso. O condimento acabou virando contrabando e renda principal para
a família da mama que enriqueceu de uma hora para outra.
Com o tempo as filhas casaram; a mais nova com o
João, a do meio com o José e a mais velha com o Ademir. Nessa ordem, porque a
mais nova casou muito cedo em função de uma gravidez de susto. O João que foi o
primeiro a entrar para a família ganhou o posto suado de “o preferido”.
Pois que a mama reunia a família todo o domingo
para um grande almoço e o preferido ganhava a honra de ter a comida predileta à
sua frente. O João comia o que mais gostava e lambia os beiços de satisfação
gerando uma espécie de ciumeira entre os concunhados.
O José pouco falava e a mama chamava o pobre de
“povereto” e o Ademir, bom, o Ademir questionava se já não era hora de uma
troca de genros no posto da predileção da matriarca, ao que ela respondia num
vozeirão de poucos amigos que “no! Aspettare il tuo turno” e bem baixinho para
o nono escutar: “bruta bestia”. E o Ademir que não entendia italiano, mas
entendia muito bem a língua escaldada da sogra, comia numa ponta da mesa a
remexer-se na cadeira de madeira.
E os domingos eram de festa e de muitos gritos,
a cada almoço o nono aparecia com uma cadeira nova para acrescentar à mesa que
já estava com uns bons remendos para ficar maior, pois os netos não paravam de
chegar — dezoito ao todo. A mama e o nono nunca sabiam que filho era de quem e
quando iam chamar algum diziam: “Quello altre ali”, ou então diziam todos os
nomes — quando lembravam — até acertar o nome da criança que queria chamar. E
era um tal de empurra filho daqui e dali que os dezoito apareciam na frente da
mama para atender-lhe o pedido.
“Polpetta” de novo nona? E a mama respondia que
“si, era il cibo preferito di João, mangia i cala a boca impertinente”.
Todos comiam, mas não calados e então aconteceu
que uma vizinha apareceu pedindo do dito manjericão roxo, só um tantinho para
que ela pudesse fazer a receita de pastel que a mama tinha lhe passado. E a
mama foi até a cozinha e trouxe um naquinho de nada do condimento e cobrou a
queima roupa na frente de todo mundo: “ Il costo è di trenta mil réis”. A outra
quase caiu de costas, mas diante daquele espetáculo minúsculo apertado entre os
dedos, resolveu ceder e pagou sem pestanejar com o brilho da cobiça em seus
olhos.
Os genros não respiraram quando esticaram o pescoço
para ver onde a mama guardava tão rico alimento pois que era escondido à sete
chaves e ninguém nem o nono, sabia onde era. Todos aqueles anos eles passaram
procurando o manjericão, sem sucesso.
Foi quando aconteceu que o nono apareceu com uma
cadeira a mais na mesa e a mama gritou num português gelado que era a hora de
parar com os netos, que estavam todos velhos e para que tanta criança se não
tinha mais panela para fazer tanta comida e notou que muitas cadeiras estavam vazias
e faltavam muitos netos à mesa e que a gritaria havia encerrado. Todos
explicaram que muitas delas estavam já em faculdades nas capitais e o José,
aquele “povereto” disse numa voz que ninguém até então conhecia que foram
estudar para serem gente de bem e graças à mama que tinha parido as filhas... e
a mama não deixou o “povereto” terminar gritando que “Da ora avanti, il mio
preferito è Bepin, mio povereto”.
O João se engasgou, mas ao mesmo tempo ficou
aliviado porque não teria mais as polpettas no domingo e o Ademir, bom, o
Ademir deu uma fungada entre uma garfada e outra e fez as contas que dali uns
20 anos ele poderia ser o preferido se tudo fosse bem. Ficou pensando e
lamentando o fato de nunca ter descoberto o esconderijo do manjericão, aquele condimento
que lhe abriria muitas portas e janelas e também a independência familiar e
lembrou que o José nunca falava e ninguém sabia que comida ele gostava e pediu
em voz alta mesmo — já que com toda aquela gritaria dificilmente alguém iria
escutá-lo — o que ele faria agora com o posto de preferido e o José respondeu
depois de limpar a boca no guardanapo bordado que a hierarquia lhe conferia que
era para o Ademir se acalmar que logo tudo se arranjaria pois que tinha visto
onde a mama escondia o manjericão roxo.
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