Por Helena Frenzel
E de volta ao show:
Começo pelo meio, exatamente como nos
relacionamentos da mulher do cabelo verde. Ela que quando conhecia um novo
pretendente — toda vez! — ia logo pensando que chegara ao final da busca: “É ELE!”.
Ô Coitada... A dona do cabelo verde passou por muitos momentos ‘blues’. E com ela aprendi a começar pelo
meio. Não está entendendo nada? Eita gente mais sem paciência... Paciência,
sim? Vou te contar, peralá...
E o filho da Puta, o que me dá de comer... Até
agora nada dele! Por que será está demorando tanto? Teria acontecido alguma
coisa, um castigo, uma blitz na escola? O que será que aconteceu hoje?
Não, ‘Puta’ não é palavrão. Como não sei o nome
dele — porque ninguém jamais pronunciou desde que estou aqui — uso o nome da
mãe. Sim, ela se chama Puta. Não, não é palavrão, eu já disse. Essa história já
estou ‘careca’ de ouvir, pois é a que ela conta toda vez que se apresenta a
alguém.
O pai da Puta era crédulo fervoroso, membro de
uma seita ortodoxa, igreja do “Resíduo Digital”... Nunca ouviu falar nesta
igreja? Pois é, dizem que existe. Eu só sei que existe, nada mais... Pois é, e
nessa igreja as cerimônias eram em Latim, e ‘putare’ — em Latim — significa também “acreditar”. Imagine a cara
de um visitante na hora do credo:
— Você crê?
— Ego puto! (Eu creio!) — He He He ...
E o nome da Puta vem daí, do ‘putare’ latino. E aí, “me putas?” (“Me
crês?”).
Se bem que a vizinhança comenta muito o
entra-e-sai de homens aqui na casa da dona Puta. Ela diz que dá aulas de
francês e sempre está às voltas com umas tabelas — quase sempre pelas tabelas! —
Bom, especulo então que ela ganhe a vida usando um sistema de tabelas
parecidíssimo com aquele que Victor Hugo costumava usar... Quanto será que
custa uma meia hora de ‘francês’ ou um “i-pisilone duplo”? He He He ... Tenho
que oB-servar, oB-servar!
Sim, o filho da Puta chegou! Já era tempo... Ah,
não! ‘A Caixa’ não! ‘A Caixa’ não! Scheiße, tarde demais... É hoje que eu passo
mal...
— Fome! Fome! — gritava eu de cá e ele nem
‘tschuns’... — Hungry! Hungry! — e ele nem se mexia — Hunger! Hunger! —
Aí sim, o filho da Puta moveu o traseiro gordo da frente da ‘caixa’. Alemão.
Pra desviar o filho da Puta da 'caixa' só mesmo usando a língua mãe... Abriu a
porta do armário e me veio com um punhado — um pu.NHA.do só — de ração! É hoje
que eu passo mal ...
Tomara que o dono do restaurante não demore a me
apanhar. Estou aqui já há quase duas semanas. O dono e a mulher estão de
férias. Parece que foram para uma ilha espanhola, Palma de Mallorca. Se eu
tirasse férias iria para um lugar onde houvesse muito poucos iguais a mim...
Ouvi o vizinho do 318 — o velho tarado — dizendo que em Mallorca tem muito mais
“alumão” do que espanhol. Eita que os “alumão” adoram essa ilha, viu?! Por isso
mesmo é que não iria para lá nas férias! He He He ...
(Trim-Blon)
Chegou o amigo do cabelo vermelho, o do 206. Do
cabelo, só metade era longa e vermelha. A outra metade era branca e cortado bem
curtinho, como o rabo da “Sururina de Brasí”. Se "danaram" a jogar na
frente da ‘caixa’...
Não entendo — Nitendo — esses dois. Eles não
querem continuar obesos, mas passam todo o tempo livre na frente da ‘caixa’.
Tudo é simulado: do jogo de Tênis ao Futebol... de Botão. Até a ‘Rayuela’! Vai
ver esses dois nem sabem o cheiro que tem um punhado de grama ou terra. Eu,
hein? Da ‘caixa’?! Tô fora! Tô fora!
(Trim-Blon)
Ah, tomara que seja o dono! O dono!
O filho da Puta foi atender.
Era a vizinha do 201, a cínica — digo, Síndica!
Síndica!
— Meu filho, está sua mãe? — perguntou a
síndica.
— Não.
— E a que horas vai chegar?
— Sei não ... Disse que vai fazer um serão, com
o patrão.
— Serão? Trabalho extraordinário... NOTURNO?
Como pode deixar o filho assim, sozinho em casa?!
— Sei não, dona, e a senhora diz isso só porque
não tem filhos ...
E eu, lá do meu poleiro, só de butuca na
conversa, repetia o coro do condomínio:
— Ela não PODE! Não PODE! Não tem porque não
PODE!
Só pra contrariar me prenderam neste corpo de
papagaio. Pois é, de uma forma ou de outra eu tinha que aprender a observar...
Ah se eu pudesse escrever!
“É a vida! E é bonita e é bonita.”
* * *
Segunda
narrativa da série Piroco Paio, também de 2009.
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Muito bom! É sempre um prazer visitar esse blog e ler esses contos tão bem escritos. Parabéns, Helena!
ResponderExcluirAmei esse papagaio, Helena!
ResponderExcluirAté que enfim abriu para eu ler... Amei de morte morrida esse papagaio! A leitura é suave e tive a impressão de estar lá com o papagaio! Muito bom! Beijos
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