Queridos Leitores,
O próximo mês de junho, época de
festas juninas no Brasil, será dedicado aqui no blog a duas ações de incentivo
à leitura e à escrita; a primeira, voltada para crianças e a segunda, para um
público mais geral, adulto e/ou juvenil.
Todo projeto que incentiva a leitura e
a escrita tem o meu total apoio porque sou um fruto disso: da iniciativa de pessoas que
ao invés de ficarem de braços cruzados só reclamando de que não há leitores,
de que o ensino está ruim, de que Educação não é prioridade no Brasil (os fatos estão aí para provar, infelizmente), ignoram tudo isso e começam a trabalhar.
Também acredito que se algo está incomodando, só há um caminho: agir. Sem ação
não há mudança.
E para que vocês conheçam um
pouquinho da minha história e do quanto acredito no poder do esforço e iniciativa individuais, reproduzo aqui um texto-homenagem que escrevi em abril de 2009
para uma ex-professora que mudou minha relação com as Letras e talvez não faça
idéia do quanto me influenciou. Com vocês, então: a homenageada.
Jaciara
Por Helena Frenzel
Não cito aqui seu
sobrenome, pois dele não lembro mais. É que já faz muito, muito tempo. Além do
mais, brasileiro parece não ligar muito pra isso, pelo menos não no dia-a-dia.
Quem gosta de sobrenome é alemão. Frau Frenzel, Herr Silva. Para nós,
brasileiros, basta o primeiro nome e tudo bem! E é por isso mesmo que só
consigo lembrar de você assim, como Jaciara. Jaciara, professora de Língua
Portuguesa numa das menores capitais do Brasil, escola pública, segundo grau —
acho que essa designação nem se usa mais... Que seja: Ensino Médio!
Bom, lembro-me — muito
bem aliás — dos longos cabelos negros marcando o contorno de sua figura
baixinha. Pequenina, mas danada que só! Aliás, como toda boa nordestina. Nem
sei se você era nordestina. O importante é que estava lá, ensinando outros a
seguirem seu bom exemplo. Tanto faz onde (no Brasil) você nasceu.
Sempre que escrevo um
texto e o leio em voz alta depois, para mim mesma, lembro de você e seu jeito
peculiar de nos apresentar o Português, através de uma perspectiva, creio eu,
pouco adotada na época: leitura e produção textual. É que naquela época já
reinavam soberanos os currículos. O que importava não era a qualidade do
conhecimento transmitido, e sim a quantidade de conteúdo registrado na
caderneta.
Mesmo sob a ditadura das
cadernetas você conseguia ser diferente. Era mágico como nossos textos mal
escritos transformavam-se em boa literatura em sua boca, quando os lia para
nós, sentados em círculos ao seu redor, na sala de aula. Digo textos cer.ta.men.te
mal escritos pois éramos ainda muito verdes, carentes de conhecimento e do
domínio dos mecanismos da Língua. E do seu jeito singular, o quê de mais
importante ficou, pelo menos para mim, foi o amor e o respeito à Leitura e à
Escrita que nos transmitiu.
Lembro que via nos olhos
de alunos excluídos, colegas sem esperança, rotulados escória da sociedade, o
brilho da descoberta de que nosso futuro não TINHA mesmo que ser tão ruim
assim, como muitos previam. Conhecimento é poder. Palavra é poder. Você nos deu
chaves para entender isso naquela ocasião, nos ensinou a brincar com, seduzir e
(Por que não dizer?) — DOMINAR as palavras... E isso a todos nós, até mesmo
àqueles que não quiseram crer na sua mensagem e foram ficando (creio) à beira
do caminho. Jaciara, você nos ensinou a sonhar e correr atrás da realização.
Jamais pude lhe agradecer
pelo imenso bem que me fez. Por isso agora este texto, que como uma mensagem em
uma garrafa, jogada num mar de bytes, um dia talvez chegue ao destinatário
certo. Eu sei das privações que você, como professora, passava. Ganhando muito
pouco, tendo que trabalhar em vários lugares, todos os dias, em todos os
turnos, vivendo com sua família num apertado quarto-e-cozinha, num tipo de
pombal, sem lugar adequado para preparar suas aulas e com um mínimo de
recursos. Muitos diriam que você tinha até sorte, pois infelizmente, no Brasil
e em muitos lugares do mundo, DIGNIDADE virou termo sem significado prático
real. Você nem tinha os recursos necessários para trabalhar conosco, para conseguir
os livros que precisávamos. Vai ver por isso suas aulas eram tão criativas,
transformando o material que nós mesmos produzíamos em obra literária, ponto de
partida para fomentar um pensamento crítico, libertador e, ao mesmo tempo,
desvendar os segredos da Língua, ferramenta prática da vida diária.
Para você, Jaciara, tiro
o meu chapéu. Por causa de gente assim, como você, ainda conservo a estranha
mania de ter fé na vida, num mundo mais justo e melhor. Minha melhor homenagem
é tentar seguir e propagar seu exemplo.
Com todo o meu carinho,
Muito obrigada.
* * *
O meu mais sincero reconhecimento também a todos
aqueles que se identificarem com esta minha antiga professora, pessoa
fora-de-série, muito especial.
* * *
Publicado originalmente no Recanto das Letras sob o
titulo A Uma Mulher Especial, em 29/04/2009. Código: T1566488
Pois é, este texto é antigo, achei por bem deixá-lo como nasceu: simples e verdadeiro, de letras 'verdes' que talvez agora tenham um outro tom.
Acompanhem as postagens de junho,
comentem e participem. O que muda o mundo são os indivíduos e as pequenas ações.
Helena Frenzel.
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Bom dia, Helena. Texto emocionante! Com essa sua homenagem, certamente sua professora se sentirá realizada por ter influenciado de forma positiva nem que seja uma de suas alunas.Parabéns, às duas.
ResponderExcluirQue lindo, Helena! Algumas pessoas vem para as nossas vidas e ficam para sempre, mesmo depois que vão embora. Com certeza, a Jaciara parece-se muito com a minha querida Tia Franci, mulher que me garantiu ( e a várias outras crianças) uma educação de qualidade durante cinco anos em colégio particular sem cobrar de meus pais um tostão.
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