Por Rodrigo Arcadia
Estava de odalisca e eu de pirata, carnaval de
1976, São José dos Campos, antigo salão de bailes na Rua Quinze de Novembro.
Todo mundo pulando, alegria, fantasias, confetes, purpurinas, animação e lança
perfume.
Tinha um jeitinho encantador de dançar, mexia os
braços, pulava, requebrava como ninguém. Eu era e sou uma lástima, nem sabia o
porquê de estar lá. Culpa dos amigos, que te convencem com possibilidades disso
ou daquilo, principalmente se a possibilidade se refere a mulheres. Tá bom,
aceitei. Até porque tinha levado um fora meses atrás.
E lá estava eu, ela também, no meio do salão,
aglomerados de gente cantando, dançando e gritando. Foi ela que me viu feito
peixe fora d’água, perdido na multidão. Parou na minha frente começou a
brilhar, parecia vaga-lume piscando sem parar uma luz rosa. Sem jeito eu sorri,
retribuiu. Tomou minha mão e saiu a me puxar pelo salão. Não tive como escapar,
me encontrava bobo dançando com a menina.
Que canseira! Eu bufava mais do que ela.
Convidei pra bebermos alguma coisa. Concordou. Meus amigos felizes pulando na
fantasia dos irmãos Metralha. Uma cuba libre? Bom, muito bom, me respondeu.
Única bebida que bebia quando saia nos fins de semana, hoje em dia ninguém
gosta de cuba libre. Bons anos setenta.
Emitia o brilho rosa, aos poucos trocou por
violeta mais forte, fraco e médio. Ficava mudando de cor a cada palavra que
falava.
—
Estranho...
—
O quê?
—
Você, parece um vaga-lume cheio de luzes.
—
Tem medo de mim?
—
Eu? Imagina. Nunca encontrei alguém que emitisse luzes.
—
Tudo tem sua primeira vez.
É, tinha razão, eu era tão
anormal quanto ela.
— Vem!
Puxou de volta pra dançar. Dançamos. Ficamos
coladinhos, quando a beijei brilhou luz amarela e depois verde claro,
esquecemos tudo ao redor, não ouvimos mais nada, acho que senti meus pés
suspensos no ar, de olhos fechados não queria abrir pra confirmar.
Chamei pra sair, pra casa. Tinha discos da Nara
Leão, Tom Jobim, Chico Buarque. Topou. Nem despedi dos amigos. Saímos correndo.
Nem arrancamos as roupas direito. Cama, caímos
na cama. No começo estranhei aquele corpinho magro brilhando em luz rosa.
Deitei sobre ela, beijo e assim começou pra durar minutos.
Minutos depois estávamos na cama escutando Nara
Leão. Cigarros nas mãos, olhando para o teto. Cansados? Sim. Olhava-a,
pensativa, o corpo não exibia luzes. Que coisa, na hora da transa foi
arco-íris, terminado, deixou de exibir. Até o semblante mudou, o rosto, o
corpo... Não, o corpo era o mesmo, magrinho, porém não a mesma menina que
conheci no salão.
Era tão sem graça. Preferia de antes, com luzes.
Pois diante de mim, uma moça normal, de pele branca, cabelo escuro, estatura
alta me encarou.
—
Acabou carnaval.
— Sim. Acabou a alegria. —
Respondi.
Mas queria dizer que as cores também se foram,
que a menina que conheci não estava mais do meu lado e que minutos antes me
amou. Tragou o cigarro, levantou, vestiu-se logo. Não enxergava mais um corpo
bonito, igual às outras, que se vê por aí andando pra cima e pra baixo.
Cinderela de carnaval?
— Adeus.
Disse baixinho, mal deu pra ouvir, também dei
meu adeus sem energia. Virei-me de lado, triste, sentindo vazio,
arrependimento. No outro dia seria quarta-feira, quarta-feira de cinzas. Nara
Leão cantava, talvez quisesse me acompanhar na tristeza. Maneira estúpida de
encerrar o próprio carnaval.
Amanhã, quarta-feira de cinzas, só haveria o
cortejo e nada mais.
* * *
Se existe Céu e existem Anjos, pelo menos um deles entoa um cântico sempre que alguém na Terra se aventura a passar adiante o que viu, viveu ou imaginou.
E é por isso que, neste canto, damos espaço a todos, iniciados e iniciantes, interessados na fascinante arte da 'contação'.
Rodrigo Arcadia, muito obrigada por participar em nosso blog, volte sempre!
Helena e Michele.
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Eu que agradeço Helena e Michele pelo convite.
ResponderExcluirAbraços, meninas.