Por Celêdian Assis de Sousa
Estava concluindo um relatório que eu iniciara outro
dia e que havia deixado inacabado, quando percebi que não tinha mais cigarros.
Fico agoniado quando não os tenho por perto, mesmo que seja um cigarro
queimando no cinzeiro, esquecido entre um trago e outro. Isso me acontece
frequentemente, quando estou trabalhando e fico completamente absorto. Meu
escritório funciona na minha própria casa, pois detesto muita gente por perto.
— Liaaaaaaaaaaaaaaa... Berrei a plenos pulmões. Lia
não demorou a aparecer e com um ar de menina assustada, como sempre se mostrava
quando eu a chamava.
— O que foi desta vez, meu marido?
— Vá lá na padaria comprar meus cigarros!
Minha esposa já estava acostumada com meu jeito, sabia
que em momentos que estou ocupado, me transformo e pareço nervoso, mas acho que
ela nem se incomodava mais, afinal estávamos casados por doze anos ou mais, não
me lembro bem. Assim, mais uma vez obedeceu sem questionar, apanhou o dinheiro
na minha carteira e saiu, voltando em seguida com a encomenda. Estranhei a
atitude dela, pela primeira vez teve um gesto brusco, como se tivesse ganhado
coragem para mostrar alguma indignação — sabe-se lá por que. Jogou a carteira
de cigarros sobre a minha mesa e saiu dali batendo a porta atrás de si,
fortemente. Não entendi bem aquela reação e a chamei novamente.
— Liaaaaaaaaaaaaaaaaa... Dessa vez ela não veio e
apenas gritou que eu a deixasse em paz. Fiquei irritadíssimo! Levantei-me de
súbito e fui ao seu encontro.
— Quem te deu o direito de gritar assim comigo,
mulher? Quem você pensa que é? Está nervosinha, por quê?
Fiquei ainda mais irritado com o silêncio de Lia. Ela
simplesmente me ignorou. Não me contive, a segurei pelos braços, a sacudi e
exigi uma explicação. Nada — nem uma palavra. Furioso, saí de perto dela e
mandei que me trouxesse um café. Passamos alguns dias sem nos falarmos, exceto
quando eu precisava de alguma coisa. Lia não passava mais as tardes em casa — cismou de fazer um curso de corte e costura, o que eu achava uma besteira, mas
acabei concordando. Felizmente, ela resolveu voltar a tratar-me bem como antes,
parecia mais alegre. Eu nem precisava mais mandar ou pedir para fazer alguma
coisa.
— Querido, você tem cigarros suficientes para hoje?
Posso comprá-los se você quiser.
Respondi que sim, deveria comprar os cigarros e que
não demorasse. Lia retirou o dinheiro da minha carteira e saiu. Eu estava tão
envolvido com o que estava escrevendo, que nem percebi que estava com fome e
nem tampouco que já era noite.
— Liaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa... Onde você está? Por que
não me chamou ainda para o jantar?
Silêncio absoluto. Vasculhei toda a casa e Lia não
estava. Fui até o portão de entrada, esperei por alguns minutos e ela não
apareceu. Passei a noite em claro e não sabia o que fazer. Amanheceu, resolvi
ir à padaria, onde ela costumava comprar os meus cigarros e ainda meio sem
jeito, perguntei para a moça do caixa, nossa velha conhecida, se havia visto
Lia na tarde anterior.
— Sim senhor, eu a vi. Ela até pediu-me para
entregar-lhe este bilhete aqui.
Recebi o bilhete e já muito aflito, corri para minha
casa e o li:
“Querido” marido!
Sempre ouvi histórias de
homens que saíram de casa para comprar cigarros e jamais voltaram. Não entendia
bem o porquê de sempre usarem essa mesma desculpa. Achava pouco criativo.
Entretanto, só agora entendi que as pessoas não precisam de uma boa desculpa
para tomar uma decisão. O que elas precisam mesmo é de coragem para sair em
busca de um belo motivo para ser feliz. Foi o que fiz! Não adianta gritar,
berrar pelo meu nome (mudei de nome), pois fui buscar seus cigarros nas
estrelas e elas estão distantes a anos luz, de você. Não escolhi as estrelas
por acaso, mas é que alguém me ensinou a percebê-las, enquanto você não
percebia que apenas “é preciso amar para entendê-las*”. Ah! Um conselho: pare de fumar. Adeus!
Acho que desmaiei, não sei por quanto tempo. Quando
recobrei os sentidos, só uma coisa me vinha à mente: nunca vou entender porque
a minha Lia me deixou, mas de uma coisa agora tenho certeza
— fumar faz mesmo
muito mal.
* Verso do poema Via Láctea – Olavo Bilac
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Como disse a Vany em outro texto da rodada: sair para comprar cigarros pode ser um álibi e tanto! A Lia até demorou… doze anos nessa vida…, ah, Lias... é preciso muito amor para entender a falta de reação, não? Muito bom, Celêdian, e muito obrigada pela ótima contribuição nesta rodada. Grande abraço, Feliz Ano Novo!
ResponderExcluirOi Helena, que bom que gostou e sou eu quem deve agradecer, pelo espaço e pela divulgação, muito obrigada. Pois é, casada com um estúpido prepotente por muitos anos e demorou a tomar uma decisão e ele tão insensível que não entendeu porque ela o deixou. É triste, mas ainda há mesmo muito disso por ai.
ExcluirFeliz ano novo para você também e sua família.
Beijo
Celêdian, você não sabe a torcida que eu fiz aqui - enquanto lia - que ela fosse "buscar cigarros". Gostei muito do conto! Meus parabéns e Feliz ano novo para você e sua família! Beijos
ResponderExcluirOi Michele, agradeço também a você pelo espaço e a confiança pelo que escrevo, obrigada. É ótimo quando alguém acompanha a narrativa, se envolve e fica torcendo por um desenlace que satisfaça. Lia demorou demais, mas tudo bem, acordou a tempo... rsrs.
ExcluirFeliz ano novo para você e sua família.
Beijo
Ah... essa Lia está muito bem com certeza. é como se livrar de um peso de anos.
ResponderExcluirótimo conto Celêdian.
Abraços.
Obrigada, Rodrigo.
ExcluirCertamente ela está muito bem, livrou-se de boa, mesmo tendo uma paciência de Jo.
Um abraço