Por Michele Calliari
Marchese
Esse causo aconteceu
quando o coveiro foi chamado às pressas para o enterro de um jagunço. Ele não
gostava muito de enterrar jagunços, mas era a sua profissão e não podia
escolher os mortos para as covas que fazia. Procurou uma vaga longe das outras
tumbas e começou a cavar.
Já estava encharcado de
suor quando a enxada bateu em algo duro. Foi cavoucando mais delicadamente e
encontrou uma caixa fechada a cadeado. Olhou para os lados e nem pestanejou quando
bateu com força e a tranca abriu-se num estalar sombrio. Removeu a tampa e
encontrou tantas moedas de ouro que não foi capaz de raciocinar.
Largou a enxada ao seu
lado e com as mãos trêmulas e calejadas pegou uma grande quantidade de moedas.
Ria como um louco e enxugava os olhos embaçados pelo suor e pelo mormaço que
fazia ali. Iria para casa pegar bolsas e chamar a mulher para carregar a
fortuna. Fechou a caixa e tratou de cobri-la com terra para que ninguém
aparecesse e levasse o ouro embora.
Correu como nunca tinha
feito em sua vida. Quando chegou a casa a mulher tinha saído, mas pegou algumas
bolsas e uma mala e voltou para o cemitério também em desabalada correria.
Queria chegar antes do féretro do jagunço.
Quando chegou ao buraco,
ajoelhou-se para recuperar o fôlego e sentiu uma sede do cão. “Devia ter
trazido água”, disse de si para si entre longas respirações. Escutava o coração
batendo muito forte e dominou-se para que pudesse carregar todo aquele tesouro
enterrado.
Foi quando tentou tirar
a terra de onde tinha posto sobre a caixa que não encontrou mais nada. Ficou
perplexo e passou as mãos freneticamente sobre o buraco para ver se achava o
ouro e não foi capaz de achá-lo. Pegou a enxada e começou a bater loucamente e
pensou que provavelmente alguém tinha visto tudo e roubado a caixa do lugar.
Quando o Padre Dimas
chegou com o caixão, o delegado se assustou com o tamanho do buraco para
enterrar o jagunço e o coveiro respondeu que com jagunço morto não se podia
brincar e que quanto mais fundo ele fosse enterrado mais perto do inferno
estava e o diabo não precisava caminhar tanto. O Padre se benzeu e tratou de
finalizar as exéquias. O coveiro voltou desolado para casa e ainda era capaz de
sentir o cheiro daquela caixa cheia de ouro.
O tempo passou e o
coveiro teve que fazer um novo buraco para enterrar o nono Bepin cujo corpo
ainda estava sendo velado na igreja.
Enquanto cavoucava lamentou o fato de
nunca poder ir aos velórios e a este pensamento a enxada bateu em alguma coisa
dura. “Ah, não!” Pensou. Resolveu tirar a terra com as mãos e com assombro
constatou que a mesma caixa com o mesmo cadeado — agora aberto — estava ali à
sua frente. Não podia acreditar naquilo e uma forte tontura lhe podou o
equilíbrio. Desmaiou sob o sol forte.
Quando acordou, deitado
na cova, teve dificuldade em abrir os olhos por causa do sol e das sombras das
pessoas sobre si. Um murmúrio lento das mulheres do velório o tirara daquele
estupor. Ergueu-se com dificuldade e escutava de algum lugar se ele precisava
de ajuda para sair de lá. E também se perguntavam por que o coveiro estava
fazendo covas tão profundas se não havia necessidade e o delegado resmungou,
naquela sagacidade tão conhecida de todos, que nem era jagunço que iria ser
enterrado naquele dia.
O pobre do coveiro não
conseguia sair do buraco sem ajuda e foi preciso uma corda para puxar o dito de
lá de baixo. Feitas as exéquias e dado água para a viúva e para o coveiro, o
Padre perguntou se já não estava na hora dele mudar de profissão, ou que seria
o caso de procurar o protético para ver se estava doente.
O coveiro nada disse,
mas já tinha tomado a sua resolução: no dia seguinte cavaria todo o terreno do
cemitério e acharia o tesouro de qualquer maneira, e levaria o que desse para
levar e não descansaria sem ter cumprido aquele propósito.
Só encontraram o corpo
do coveiro porque estranharam a movimentação no cemitério. Caixões revirados,
esqueletos por toda a parte, buracos imensos em todo o lugar. O delegado teve
que juntar uma comitiva para rastrear o acontecido e fizeram um levante para
separar os ossos num lugar, enquanto uma turma fechava um buraco, corpos em
decomposição mais à frente enquanto outra turma fechava outro buraco. E assim
foi até encontrarem o coveiro deitado de barriga para baixo em cima de uma grande
caixa de moedas de ouro. Foi uma comoção geral por parte da população da
Campina da Cascavel.
Deixaram o coveiro lá
naquele último e derradeiro buraco e tiveram que empreender dois dias para
conseguir tapar a cova dele. As moedas de ouro foram encaminhadas para as
autoridades do Estado e ninguém nunca mais soube delas e por fim, resolveram
transferir o cemitério de lugar por que com toda aquela escavação o terreno
tinha se aproximado assustadoramente do rio que cortava a cidade.
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Nossa, coitado do coveiro.
ResponderExcluirCampinas de Cascavel é agraciada com belíssimos causos, Michele.
muito bom.
Abraços.
Olá Rodrigo! Agraciada não é bem o termo... acontece tanta barbaridade por aqui que tremo em escrever essas linhas!!!! hahahahha Muitíssimo obrigada pela sua presença constante no Blog e pelo comentário! Abraços
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