Por Helena Frenzel
Pois é, saí daquela passividade morosa dos dias em que fiquei na casa da
Puta (e do filho dela), onde só de vez em quando — e olhe lá! — recebia uns
dois punhados de ração. O dono e a mulher tiveram de voltar mais cedo de
Mallorca. Trouxeram na bagagem um negócio de porco qualquer... Ah, uma gripe! A
gripe de porco! Ainda bem que não foi um espírito de porco, desses que se tem de
trazer bem amarrado, dentro de um cofo(1) pro bicho não escapar. Esse aí,
dizem, demora muito mais tempo pra se deixar tratar, e quando curado, carrega
seqüelas gravíssimas, podendo até levar o paciente tratador desta para uma
outra — e espera-se: muito melhor que esta aqui — Quanto a isto há
controvérsias... Sobre o quê?! Se a outra é melhor ou pior do que esta, oras!
Eu, por exemplo,... Ah! outro dia conto como vim parar por aqui. Sim, tratado o
porco e curada a gripe, o dono voltou à ativa no restaurante — e
conseqüentemente: eu também — Ó vida marromenos... Todo dia show, toda noite
show da vida. E eu lá, pra anunciar os entertainments.
É cada uma que me acontece... Meu poleiro fica próximo a um aparelho de TV. É
canal pra dedel, vice bichim?! Foi
assim que aprendi a ler e entender várias línguas. Se bem que eu acho que só
reativei a memória. Tenho uma impressão de que já sabia todas essas línguas.
Estranho, muito estranho... Até parece que já fui humano. E essa sensação é
pujante quando vejo uma dona bonita. Ah, minino,
inda mais quando a dona se dana a
querer brincar comigo e vem com aquela de dizer: “Dá o pé, loro! Dá o pé,
loro!”. Êh-ê, se ela soubesse... Pois é, e o maître da cara caiada — só durante a noite, pois durante o dia
(cara!) ele lava a cara — veio me dar de comer e mudou para um canal de
notícias. Todo dia é uma briga no planeta dos macacos ignorantes... tsc...
tsc... tsc... Os humanos só sabem brigar. O povo agora anda discutindo o uso de
um tal de scanner nu... Diz que viajar de avião ficou muito mais perigoso. Se
for para os estates, então, aí mesmo
diz “Te arreda! Deus me livre! Nem P(h)odendo!”. Além do risco do bichão cair,
que segundo os apresentadores do telejornal é um risco muito pequeno, que só de
vez em quando acontece, há também o risco de morrer explodido por um
terrorista. Por isso, nos aeroportos agora querem que todo mundo mostre suas
‘vergonhas’ — se é que alguém ainda as tem — para o pessoal da segurança. Ah, minino! Eu acho é pouco! Já pensou o vexamento?! Se o terrorista for isperto mermo... Pensando bem, essas
medidas de segurança em aeroportos são todas fáceis de burlar. Já que o caboco decidiu morrer mermo, tanto faz
onde ele carrega os explosivos, dentro ou fora do corpo, tanto faz. O problema
é que com esse scan aí só dá pra ver o que vai por fora e... eu tinha de estar
aqui pra ver a visão de raio-X do superman
se tornando realidade... Ih, o maître
mudou de canal! Ô cara caiada lavada, não tem nada melhor pra fazer não? Fofoca
de celebridades... Vixo, tô fora! Tô fora!
Humm, as meninas do espetáculo chegaram pra ensaiar... Deixa elas virem me
pedir pra dar o pé, deixa... He he he he... “Currupaco! Papaco! Currupaco!
Papaco!” Eita que eu adoro essa minha vida de papagaio...
* * *
(1) Cofo – no Maranhão: cesto
de palha usado para armazenar arroz, farinha e outros grãos, também para
transportar frangos e outros animais pequenos em ônibus ou carroceria de
caminhão. No Houaiss: definido como samburá (cesto de taquara usado na pesca),
coisa que eu até agora desconhecia... Pois num é?! Vivendo, escrevendo e
aprendendo!
Terceira narrativa da série Piroco Paio, também de 2009.
Desta série leia também:
No Restaurante - O Show da Vida e Pelo Nexo e Meio Sem Fim
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Ótima narrativa! Peguei o hábito de visitar esse cantinho tão acolhedor.Vir aqui é certeza de achar coisa boa. É quem nem beber café quente com bolo de fubá na casa de uma cumadi. Abraço, Helena.
ResponderExcluirObrigada, Maria. Sua presença por aqui por certo enriquece. Volte sempre e traga uns biscoitos, que o café preparamos com gosto e prazer. Abraços!
ExcluirÓtima narrativa! Peguei o hábito de visitar esse cantinho tão acolhedor.Vir aqui é certeza de achar coisa boa. É quem nem beber café quente com bolo de fubá na casa de uma cumadi. Abraço, Helena.
ResponderExcluirGostei muitissimo. Nas primeiras linhas me assustei um pouco com aquele "casa da Puta", achando que fosse mais uma dessas apelacoes tao comuns aos palavroes ditos apenas para se parecer (o escritor) diferente, ousado, modernissimo, coisa e tal; mas com a leitura veio a minha admiracao pelo otimo trabalho.
ResponderExcluirObrigada, Heitor, pelo comentário tão produtivo. Se você leu os anteriores, deve ter entendido a expressão ;-) Grande abraço, até mais ver!
ExcluirEsse papagaio!!!!! Adorei... essa sua série está muito boa, parabéns! beijos
ResponderExcluirE olha que essa saga é antiga, por isso estou revisitando estes textos, tive grande prazer em escrevê-los. Obrigada, Comadre Mi!
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