Por Michele Calliari Marchese
Numa manhã de domingo, o povo da Campina da Cascavel ao sair da missa se
deparou com uma carroça parada em frente à igreja, toda enfeitada com
bandeirolas coloridas e um grande cartaz escrito à mão que dizia: “A cura dos
males está aqui”.
“De qualquer mal?” Pediu a Dona Salvina e o viajante, que logo se
adiantou, disse com uma certeza de doer no peito que sim, que bastava dizer de
que mal sofria que ele tinha o medicamento que curava. Era infalível.
Pois o viajante, que se chamava Humberto, se viu rodeado de tanta gente
que não hesitou em começar o seu discurso de vendedor. Eram tantas as
maravilhas que o remédio proporcionava que ele tinha tido um vislumbre
extraordinário de salvar os doentes e não doentes daquela cidade que ele nem
sabia o nome.
“Campina da Cascavel” gritou um. E o Humberto refez a retórica com o
nome de nossa cidade cantada aos quatro ventos. Pois tinha uma voz retumbante o
Humberto e também tinha os ouvidos apurados quando constatou que a dúvida
pairava ainda na cabeça das pessoas. Alguma coisa fazia com que ninguém sequer
quisesse experimentar a dita água milagrosa.
Pois era obra do tabelião que se postou em frente ao Humberto e disse
que na capital — pois tinha ido lá no ano passado — a polícia já tinha prendido
um meliante igual a ele por ter vendido “gato por lebre” e ateado fogo na
carroça em praça pública.
O Humberto não se deu por vencido e disse que era aquele tipo de homem —
o preso na capital — que fazia denegrir a imagem dele, comerciante honesto e
trabalhador e que conhecia o índio que fazia os remédios, e era pegar ou
largar, pois que o índio estava para morrer e ele teria que mudar de profissão
muito em breve. Chamou uma moça que estava bem no meio da turba, a Lizandra,
que ficou chocada com aquele dedo apontado para ela. Os pais da Lizandra não
permitiram que ela fosse até a carroça, pois que eles não queriam que ela se
expusesse diante da população com coisas que eles desconheciam.
E também porque o moço era bonito de fazer carreiro de pétalas de flores
onde passasse, e a mãe da Lizandra tinha medo que ela se deixasse levar pela
lábia e pela beleza do vendedor e acabasse comprando o dito do frasco de
remédio.
A Lizandra estava esperando completar seus 18 anos para ir ao convento,
onde se ordenaria freira. Todo mundo sabia da vocação da moça e todos disseram
que fosse até a frente da carroça, porque seu caráter inquestionável não
levaria em conta o embuste — se houvesse algum.
Pois o Humberto que aguardava em silêncio a chegada da Lizandra, foi
separando uma garrafinha marrom cujo conteúdo não dava para ver, pois o rótulo
pintado de cores vivas e chamativas escondia tudo.
Perguntou à Lizandra se
tinha alguma coisa que a incomodava e a moça disse-lhe muito baixinho que
estava com dor de cabeça por causa daquela balbúrdia e também por causa do sol
que estava queimando o coro cabeludo e ela havia esquecido o guarda chuva. E o
Humberto muito compenetrado levou uns bons minutos para se decidir sobre qual
frasco daria para ela beber. De graça. Precisava que alguém experimentasse para
mostrar àqueles incrédulos que a poção que vendia era de fato miraculosa.
A Lizandra que pediu permissão aos pais para beber e ouviu um não e um
sim ditos juntos, um da mãe e outro do pai, não soube o que fazer, mas a Dona
Salvina que estava na frente dela lhe fez uma careta do tipo que se bebesse —
mesmo que fosse uma tramoia — não iria lhe fazer mal e ela então destampou o
frasco diante da população mortalmente silenciosa e bebeu tudo de um gole só.
Limpou a boca com o punho e fechou os olhos. O povo continuava em
silêncio e a mãe da moça chorava baixinho compungida.
A Lizandra abriu os olhos e disse numa alegria diáfana que estava curada
e então a turba se aglomerou diante da carroça gritando seus males e querendo um
frasco para si. Ninguém duvidava da Lizandra e ela desapareceu no meio da
multidão.
Terminado o estoque de remédios, o Humberto atrelou o cavalo na carroça
e deu partida a galope saindo da cidade sem mais tardar.
Quem assistiu a cena foram os pais da Lizandra que estavam esperando a
moça para ir para casa. E comunicaram o seu desaparecimento no mesmo dia ao
delegado que deu ordem de busca pelos matos, pois que poderia ser que ela
tivesse se perdido no caminho para casa.
E a Lizandra contava o dinheiro dentro da carroça e gritava ao Humberto
que estavam ricos e riam os dois no frenesi dos amantes de longa data.
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Adorei! Seu conto me levou ao meu interior, aos tempos de menino, quando a feira local era a maior atração do lugar. Em tais feiras, além de atender as necessidades imediatas havia sempre alguma atração a mais. Não era raro aparecer o tal homem da cobra, que com o seu infalível microfone de lapela anunciava a cura para todos os males para quem ingerisse a banha da cobra, daí o ditado que até hoje existe por cá: ¨Fala mais do que o homem da cobra¨.
ResponderExcluirExcelente conto, Michele. Tipo conheido nos antigamentes este comerciante. eu só não esperava ue a tal mocinha prometida a freira estivesse mancomunada com ele! Adorei este final.
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