Por Michele Calliari Marchese
Ninguém sabia a idade do Licurgo e desconfiavam que nem ele sabia ao
certo, mas todos tinham certeza absoluta que ele já tinha passado dos cem há
muitos anos atrás. Lembravam porque uma filha perdida e já morta levou-lhe um
bolo para comemorar o centenário e convidou alguns vizinhos para participarem
da festa porque o velho morava só.
Pois aconteceu que o Licurgo ficou doente das pernas, sentia câimbras
resolutas a lhe podarem os movimentos e necessitou — muito a contragosto — que
alguém viesse lhe cuidar. Pediu ao Padre Dimas se ele conhecia alguém de
preferência mulher e que pudesse ficar lá até que melhorasse, e o Padre lhe
respondeu que teria que conversar com as mulheres do apostolado e que depois
lhe daria resposta.
Numa manhã a Dona Gerusa bateu na porta da casa do Licurgo e ouviu um
grito de “entre” que a fez dar um pulo para trás. Quando se apresentou
pediu-lhe desculpas porque tinha esquecido que ele não poderia atender e se
atrapalhou toda diante do olhar lascivo do velho.
Quase se arrependeu de ter ido lá ajudar, mas com uma suspirada de ar
mortífero, pensou que diante das outras ela havia se comprometido com aquela
missão.
Ao Licurgo lhe agradaram as formas fartas da Dona Gerusa para pegar aqui
e acolá e pediu de supetão que lhe arriasse as calças para urinar num balde.
Dona Gerusa com o coração aos saltos lhe disse que buscaria o balde, mas para
arriar as calças ele ainda estava bom dos braços e das mãos. O velho grunhiu e
grunhiu também a Dona Gerusa que diante do espetáculo da calça arriada e da
virilidade do homem restou-lhe virar o rosto corado.
Depois do serviço feito, Licurgo pediu sobre a vida e tudo o mais.
Queria saber sobre aquela generosidade à sua frente. E a Dona Gerusa tratou de
falar tudo, sem vírgulas e sem respirações. Contou coisas que não tinha coragem
de contar em confissão, que dirá ao marido que era um bruto. Enquanto contava,
Dona Gerusa pensava que o velho logo morreria e que não havia mal algum em
expor-lhe os seus pesadelos mais íntimos.
Com um “chegue aqui perto de mim”, Dona Gerusa estremeceu e veio em sua
mente a visão do serviço no balde que tinha acontecido alguns minutos antes, ou
horas, pois que havia perdido completamente a noção do tempo.
Ela foi e se achegou no velho, sentiu o cheiro da decrepitude na pele
flácida e esbranquiçada e quando ele passou o braço por cima do seu ombro,
sentiu-se uma adolescente diante do primeiro namorado. Encostou a cabeça na
cabeça do Licurgo e sentiu uma coceira na têmpora pelo roçar dos pelos duros da
orelha dele. Pediu se podia tirá-los com delicadeza e o Licurgo disse que sim,
e os peitos dela a balançar no queixo dele trouxeram a vivacidade naqueles
corpos senis.
Na semana seguinte um Licurgo já sem câimbras e andando naturalmente
aparecia a todos muito mais remoçado, pois que agora usava brilhantina nos
cabelos e estava de colete. Tinha um brilho indecifrável nos olhos e ria com
frequência.
A Dona Gerusa naquela semana pediu a dispensa do serviço ao Licurgo,
pois que não lhe era mais necessária e tinha saído também do apostolado e
estava incrivelmente mais bonita e feliz. Dizia que o bem que se faz a outrem é
digno da felicidade e piscava o olho agora pintado de lápis. No apostolado ela
disse que precisava se dedicar mais ao marido, pois afinal, naquele ano fariam
bodas de ouro com direito a festa na igreja e benção do Padre Dimas.
Os anos foram passando e o Licurgo resolveu comemorar mais um
aniversário. Queria que tivesse algumas velas em seu bolo e comunicou com uma
voz sobrenatural que faria 115 anos.
No dia da comemoração muitas mulheres estavam lá, tantas que não
couberam dentro da casa e tiveram que ficar no pátio aguardando a vez de
parabenizar o Licurgo.
E todas por sua vez comentaram que em algum momento de suas vidas
tiveram que ajudar o velho na cura de suas câimbras decrépitas.
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Bem, ele teve uma vida produtiva, digamos assim... muito bom!
ResponderExcluirObrigada Ana! É sempre muito bom receber sua visita e seus comentários. Quanto ao Licurgo... bem, o Licurgo é o cara!! hahahahha
ExcluirBom dia, Michele. Gostei demais do seu conto! Lembrei-me do vovô Joãozinho. Ele ficou viúvo aos 72 anos e era uma pessoa falante, bem humorada e contador de causos. Acredita que eu passava perto da casa de umas senhoras víúvas e elas me pediam que entregasse cartinhas para ele? As que não sabiam escrever mandavam recados. Era muito engraçado.Um abraço.
ResponderExcluirObrigada Maria, acredito que muitos Licurgos andam por aí arrebatando os corações mais sensíveis... Quem fica viúvo é quem parte! beijos e obrigada pelo comentário!
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