Por Michele Calliari Marchese
Aconteceu num domingo, quando todos estavam sesteando depois do almoço.
O tempo nublou e se ouviam trovões ao longe, mas ainda estavam distantes e a
chuva que viria era convidativa para um sono mais prolongado, de modo que as
pessoas continuaram deitadas e tiveram que puxar cobertores porque esfriou de
repente.
A chuva começou fraca, sem vento, lambuzando as janelas e depois veio
forte, contínua. Uma benção que caía sobre a terra. Alguns dormiam, outros
namoravam, outros se preparavam para levantar e fazer o chimarrão. E todos se
assustaram quando um barulho forte e intermitente ameaçou com uma chuva de
pedras. Acabou com a plantação, diziam todos.
A chuva durou pouco, mas o suficiente para encher as ruas de sapos e
pererecas e ninguém conseguiu sair de dentro de suas casas sem pisar em algum
desses bichos. Caíam mortos pelos telhados, entupiram muitos canos e realmente
acabaram com a plantação.
Por onde se via, era um tapete de sapos de todos os tamanhos e cores e
não havia lugar onde não tinha um pulando ou coachando. Ninguém sabia o que
fazer, mas tinham que fazer alguma coisa rapidamente antes de sair o sol, que
acabou saindo logo em seguida para desespero da cidade.
Algumas mulheres começaram a varrer a entrada de suas casas e os homens
subiram nos telhados para limpá-los e consertar as telhas quebradas pelo
impacto da chuva que ninguém sabia ao certo se tinha sido realmente de pedras
ou de sapos. Logo, não havia mais lugar para amontoar tanto bicho e muitos deles
saltavam de volta ao lugar de onde tinham sido varridos e se escondiam debaixo
das casas e dentro de valetas e vasos já sem flores.
As vassouras logo ficaram empapadas de visco e tinham que ser trocadas
por pás ou ancinhos, que nesse caso prejudicavam ainda mais a situação que já
estava deveras horrorosa. A coisa já estava muito complicada quando nos lugares
escolhidos para o despejo não cabia mais nenhum sapo. Houve um rumor alto de
vizinho para vizinho e a notícia que se soube e que valeria a pena tentar era
um enterro em massa.
Foi o que fizeram.
Começaram por enterrar os mortos em grandes fileiras a céu aberto, e
conforme os bichos caíam lá dentro, uma grande turba ia fechando e batendo com
os pés para que a terra ficasse firme.
Todas as hortas e plantações receberam em seu seio aquela quantidade
imensa de sapos e pererecas e em muitos lugares a geografia foi alterada de
campo para pequenos morros, como se pode constatar hoje, depois de 90 anos
passados, onde fica uma prolífica plantação.
Para os sapos vivos adotaram a técnica do “passa fora” deixando o
serviço para as crianças que estavam se divertindo. Muitos batráquios pularam
no rio e nunca mais foram vistos, outros foram morrendo aos poucos aqui e ali,
mas a situação já estava controlada.
Por muito tempo a população festejou aquele dia como um feriado, pois
que era a luta de todo um povo contra uma intempérie um tanto quanto fora do
comum.
Depois de alguns anos, os festejos foram cancelados. E essa história foi
contada de pai para filho como numa procissão de vida.
Os campos sempre férteis da Campina da Cascavel são uma prova viva e
viscosa desse causo e é uma pena que ninguém se lembre do ocorrido.
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