Por Helena Frenzel
Bons lugares para se encontrar
coisas interessantes são sempre os corredores das universidades ou de
instituições culturais. Assim encontrei, para distribuição gratuita, um
exemplar antigo do jornal Genossenschaftliche Allgemeine, Nr 8/14 (parte do
Frankfurter Allgemeine) trazendo na parte de Kultur (pt. cultura) o perfil de Nele Neuhaus (lê-se em pt. /Néle Nóirraus/), escritora bestseller conhecida como ‘a Rowling
alemã’. O título do artigo é “Die Deutsche Rowling – Nele Neuhaus – Porträt
einer Frau, die alle lesen, aber keiner kennt”, von Bettina Weiguny (pt. A Rowling alemã – Nele Neuhaus – Retrato de
uma mulher que todos leem mas que ninguém conhece). Ainda não pude ler
nenhum de seus livros, primeiro porque não sou leitora usual de romances
policiais e segundo porque só agora a descobri como autora, porém achei a
história dela muito inspiradora e por isso a ‘reconto’ aqui, para compartir com meus
colegas escritores.
Pois bem, Nele é comparada à Rowling
porque após ter lançado vários livros com sucesso na Alemanha escrevendo como
Nele Neuhaus, o mais recente ela lançou sob o pseudônimo de Nele Löwenberg,
algo parecido com o que fez a Rowling, supostamente para desvincular seus
livros policiais de sua mais famosa série: Harry
Porter. Na entrevista, Nele afirma que recorreu ao pseudônimo porque o novo
livro era um novo gênero e ela não queria misturar as coisas. Ela é uma autora tão
bem-sucedida que especialistas afirmam que um ano sem um novo livro dela é um
ano ruim para o mercado alemão de livros. Para que tenham uma ideia, passados
cinco anos da publicação independente de seu primeiro livro ela já vendeu mais
de cinco milhões de exemplares só na Alemanha, tem livros traduzidos para 23
línguas com mais de 700.000 exemplares vendidos no exterior, sem falar que
alguns de seus livros já viraram roteiros para séries de TV.
Mas agora vem o mais interessante:
como ela conseguiu chegar onde chegou? Aos 20 anos ela casou-se com um rapaz
também de 20 e ambos tiveram de dedicar-se integralmente a uma fábrica de
carnes (pelo que entendi não se trata de um açougue, estaria mais para o que no
Brasil se entende como frigorífico) e isso tomou todo o tempo e a energia do
jovem casal. Isso tudo para dizer que, por conta da fábrica e de outras
obrigações, ela não encontrava tempo para dedicar-se à escrita, sua paixão, e
nem tinha o apoio de ninguém (o próprio marido nunca se interessou em ler
sequer uma linha do que ela escrevia, o que doeu muito mais do que a recusa de
qualquer editora) e foi nesse momento que a escrita transformou-se em válvula
de escape para a dura rotina: todo e qualquer momento livre era usado para
escrever e ela conta terem sido esses os melhores momentos que experimentou na
época.
Como já era esperado nesta fábula, o
primeiro manuscrito foi sumamente rejeitado por todas as editoras para as quais
ela o mandara, mas ela não desistiu de acreditar na qualidade do que escrevia e
descobriu que com o “Book on Demand” ninguém mais precisava de uma editora para
publicar seu trabalho. O primeiro livro ela mesma produziu (capa, layout,
estratégia de marketing e distribuição) e mandou imprimir 500 cópias e começou
a pôr em prática uma estratégia de divulgação baseada em leituras abertas ao
público. Aqui é costume as livrarias e outras instituições darem espaço a
autores para lerem seus próprios livros. Assim ela foi de porta-em-porta e
conseguiu vender todos os 500 exemplares e logo pode financiar o segundo, no
mesmo sistema, para o qual mandou imprimir 1000 exemplares. Chegou uma época em
que os clientes iam à fábrica e ao invés de comprar carne compravam seus livros.
O terceiro título ela mandou imprimir com 5000 exemplares. Para cada livro ela
tirava uns 4 Euros e viu que assim poderia seguir publicando, não fosse uma
grande editora de Berlim ter entrado em contato. Em 2009 saiu o quarto livro,
agora sob o selo da tal editora, e logo virou bestseller.
Ela mesma diz que não sabe dizer o
que aconteceu para que da noite para o dia virasse bestseller e tem certeza de
que seu caso não foi o normal, porque no mercado de livros é preciso ter muita
sorte para se ganhar um público (maioria das vezes muito mais sorte do que
talento, e uma boa estratégia também). E mesmo não tendo ainda lido qualquer de
seus livros, e conhecendo um pouco do perfil dos leitores alemães, diria que os
livros dela devem ter qualidade sim, pelo menos um mínimo.
Porém, como tudo tem seu preço, o
sucesso meteórico lhe trouxe muitos problemas pessoais: problemas de saúde e no
casamento, separação, crise. E como na raiz de toda crise está uma
oportunidade, Nele voltou-se para o que já havia construído e retomou as rédeas
da situação.
Hoje em dia ela vive num outro
relacionamento e segue sendo senhora do seu negócio literário, não aceita
qualquer proposta e opina em questões de direitos sobre seus livros e de quem
pode fazer uso deles para transformá-los em filmes, por exemplo. Ao invés de 80
saraus de leitura por ano, como no início, ela agora mantém apenas 15, e o
público aumentou de cerca de 20 pessoas para mais de mil por encontro. Antigamente
ela escrevia para sobreviver à rotina, hoje em dia ela tem a escrita como
atividade principal, e aproveita as pausas para descansar de escrever e ter
novas ideias, e que escreve porque precisa e por conta disso seguirá
escrevendo, com sucesso de público ou não.
Pode ser que eu venha a ler seus livros e não goste, mas independente disto esta é uma história de vida que senti uma enorme
necessidade de passar adiante. E que ela sirva de inspiração para quem ainda se
escora em mil desculpas e se esquiva de correr atrás dos próprios sonhos.
Fonte:
Bettina Weiguny: Die Deutsche Rowling – Nele Neuhaus –
Porträt einer Frau, die alle lesen, aber keiner kennt, in Kultur,
Genossenschaftliche Allgemeine Nr 8/14, Frankfurter Allgemeine, Página 7.
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Bonita história, Helena. Estou precisando ler histórias assim, de perseverança, de não desistir - e acreditar que uma hora a coisa vai brilhar. Depois tu me diz se o livro dela é bom...:)
ResponderExcluirAbraços e manda um pouco de neve pra cá..:)