Por
Soraya Souto
Depois
dos filhos criados e casados, e vendo a velhice chegar, Tio Zé e Tia
Fia passavam os dias entre os trabalhos na pequena fazenda, e as
poucas visitas aos vizinhos.
Há
tempos a filha mais velha tinha se mudado com o marido para o
nordeste, e o filho caçula, temporão que Deus mandou, trabalhava na
cidade grande, e vinha uma vez por mês. Nesses dias, trazia sempre
um agrado, alguma novidade da cidade para facilitar a vida da mãe,
ou algo que alegrasse a solitária vida dos pais.
Quando
soube que a energia elétrica rural enfim tinha chegado por lá,
gastou todo o seu salário no melhor de todos os presentes: uma
televisão novinha, que depositou orgulhosamente na mesa da pequena
sala da casa. O mais difícil foi instalar a antena no telhado, com
subidas e descidas sem fim, até acertar a imagem. Quando terminou,
abraçou os pais e partiu apressado, a tempo de pegar a condução de
volta para a cidade.
Nos
dias que se seguiram, os vizinhos pouco viram o velho casal. As
visitas noturnas já não aconteciam, e na quermesse da igreja
daquele mês ninguém provou os deliciosos biscoitos da Tia Fia, na
barraca das quitandas.
Essas
mudanças seriam de preocupar, mas o filho do Senhor Onofre,
Zequinha, garoto esperto e falante, tinha tranquilizado a todos, ao
contar que via os tios sempre, ao voltar da escola. “É verdade,
gente, eu vejo eles sentados lá na frente da casa, e não estão
doentes não”, explicou.
Mas
com o passar do tempo, um fato estranho lhe chamou a atenção: notou
que os dois velhos se sentavam de frente para a porta da casa, e
costas para a estrada, e por isso nem viam quando ele passava.
Preocupado, um dia tentou chamá-los do portão, mas não foi ouvido
pelo casal, distraído com algo que acontecia na sala.
Até
que em determinado dia resolveu abrir o portão da fazenda do Tio Zé
e, sem ser convidado, ir ter com eles, para um pouco de prosa.
Estavam
sentados a uma grande distância da porta da casa, no jardim, e
assistiam curiosos um programa qualquer que passava na televisão,
ligada no fundo da sala. Tia Fia se esforçava muito para enxergar a
imagem, “talvez por causa da distância”, pensou o garoto.
“Bênção
meus tios! Por que é que estão assistindo a televisão assim, de
tão longe?”
“Deus
o abençõe, meu filho!”
E
puxando o braço do sobrinho, Tio Zé apontou o aparelho na sala e
explicou: “nosso filho deu essa máquina, e falou onde apertava
para ligar e desligar...”
“Tá
certo, tio”
“E
foi um presente danado de bom esse!”
“Foi
mesmo, senhor”
Fez
uma pausa, para depois continuar em voz baixa:
“Mas
a máquina fala muito alto, meu sobrinho, então eu e a Fia temos que
sentar aqui fora, longe desses gritos...”
Zequinha
então compreendeu tudo. Os tios não tinham idéia de como controlar
o volume do aparelho, mas, encantados com a novidade, não queriam
deixar de assistir um dia que fosse. De imediato, entrou na sala e
mostrou o que fazer aos tios, contendo o riso para não
envergonhá-los. Aproveitou também para mostrar outras utilidades
dos controles, tendo paciência para repetir todas as vezes que o tio
pedia. Na cozinha, Tia Fia preparou um cafezinho novo, e o biscoito
frito que o sobrinho tanto gostava.
Depois
disso, já acostumados com o presente do filho, as noites na fazenda
se tornaram mais alegres. E a cada vez que o filho retornava, Tia Fia
tinha uma infinidade de assuntos para comentar: coisas que tinha
visto nas propagandas e programas, os filmes de amor que assistia
durante as tardes, e, principalmente, as imagens dos lugares que
nunca tinha visitado, mas que povoavam seus sonhos desde a juventude.
Tio Zé ouvia todos aqueles relatos em silêncio, muito quieto,
cauteloso como sempre tinha sido, diante daquelas novidades da
cidade.
E
quando chegava a noite, os vizinhos sempre apareciam, para assistir o
capítulo da novela das sete...
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