Por Michele Calliari Marchese
Esse causo aconteceu quando a Dona Maria
reencontrou uma pessoa há muito tempo esquecida. No início ficou contente que
essa pessoa a reconheceu depois de quase quarenta anos, mas depois foi
entristecendo de tal forma que a despedida foi um alívio.
A Dona Maria era uma mulher muito feliz e
extrovertida, e quando retornou para casa, depois daquele fatídico encontro
improvável, tudo mudou; inclusive a forma leve que ela via e vivia a vida
transformou-se de tal forma que seu sorriso raramente era visto.
Não podia simplesmente culpar o ocorrido pelo
que sentia dentro de sua alma, lá no fundo do peito ela achava que era uma
confusão passageira e que essa tristeza era a soma de todos os dias de sua
vida. Passaria, decerto.
Porém, não passou.
Daquela infelicidade que brotou durante os cinco
minutos de conversa — o que pareceu uma eternidade — veio a incapacidade de
levar a vida adiante. Nem o marido que tanto amava e os filhos queridos
conseguiam transpor a tristeza com a vivacidade familiar.
Dona Maria, taciturna e paradoxalmente leve,
pediu ao Padre Dimas que a ouvisse em confissão, para ver se alentava o coração
e voltava a ser como era antes, mas o Padre Dimas nada podia fazer diante do
desabafo e sugeriu que esquecesse de uma vez por todas do encontro e daquela
pessoa. E isso só poderia acontecer por vontade própria, por luta interior.
Aconteceu que a Dona Maria acabou gostando de
não ter que lutar contra nada e decidiu deixar que as águas rolassem, assim
como suas lágrimas, calmamente e sem desejos. Engolia com sofreguidão cada uma
que escorria pela face indo cair nos cantos de sua boca.
Pensava nesses momentos que aqueles cinco
minutos poderiam ter sido de beijos, aqueles beijos roubados e escondidos que
tinham o sabor da juventude e da maciez carnuda, deixados para trás sem eira
nem beira. Passava em seguida a mão pela boca, para afugentar tais pensamentos
e limpar possíveis resquícios do que sobrou daqueles beijos. Sentia ainda a
urgência dos cinco minutos. Foram mesmo cinco minutos?
Deitou em sua cama com o sol a pino, sob os
olhares atentos da família. Trancou a porta. Passou a mão direita pelo pescoço
e tirou uma corrente de ouro, colocando sobre a mesinha. Refez o ritual e tirou
os brincos, colocando-os ao lado do colar. Fechou os olhos.
O sutiã apertava e o ar estava lhe faltando.
Resolveu ficar nua.
Tirou o esmalte vermelho das unhas, tomou um
banho e tornou a deitar. Agora sim. Estava nua de fato, nua na carne e nua na
alma.
No quarto de um casamento de quase 45 anos, Dona
Maria dormiu.
Sonhou com o encontro que nunca deveria ter
acontecido, sonhou com as roupas espalhadas no chão, suas e dele. Olhou
atentamente e não reconheceu as vestes do marido. Eram do outro. Aquele do
encontro, aquele dos beijos. Aquele que veio com o verão e se foi como o
outono. Aquele que impossivelmente seria o pai do seu primeiro filho. E sonhou
também com um rompimento que fazia doer-lhe o coração. Rompeu com a vida.
Acordou com as batidas insistentes na porta e o
marido, visivelmente preocupado, estava chorando. Vestiu-se sem pressa,
destrancou a porta e deixou o amor entrar.
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Otima criação.
ResponderExcluirUma dura emoreitada esta luta com o interior e lavar a alma.
Parabens pela construção Michelle.