Quem não arrisca, não petisca!
HELENA FRENZEL: Olá, Suzo. Você sabe que há algum tempo, muito
antes do Quintextos vir ao ar, eu havia encontrado na rede uma cópia em PDF de Jailton, O Coveiro Covarde, disponível
gratuitamente para baixar. Por ser curiosa a respeito de ebooks gratuitos,
baixei e li. Embora o texto tivesse as costumeiras marcas dos iniciantes, e
vários erros gramaticais, a história revelou-se muito interessante e li com
gosto até o final. Então pensei: "Taí, uma boa história que, com alguns
retoques..." E a nossa história teria aí
um ponto final não fosse a minha iniciativa de ter entrado em contato com você e
dito o que havia pensado do seu ebook. Então, de lá para cá, descobri que você,
além de escrever, também é ilustrador, que já havia escrito e publicado outras
narrativas e até convidei-o a enviar uma delas para o Sem Vergonha de Contar, e
você me enviou A Cotia Que Se Perdeu. Sim, mas o tempo foi passando e eu continuo sem saber quase nada a seu
respeito. Quer me ajudar nesta questão? Pois bem: Quem é Suzo Bianco, o que
ele faz? Quando começou a escrever e por quê? Que motivos levaram-no a publicar
na rede?
SUZO BIANCO: Olá, Helena. Eu sou
ilustrador e artista plástico por vocação, tive educação paterna nessa área
desde que me entendo por gente, por isso acabou sendo natural eu me apegar a
essa profissão. E também por esse motivo, tudo que envolve imagens e ambientes
fantásticos acaba me chamando a atenção até hoje. No caso, livros de RPG no
início dos anos 90 (Um jogo de interpretação, onde o mestre narra um conto
flexível às ações tomadas pelos jogadores, e esses recebem seus personagens e os
interpretam de acordo com as condições impostas; ou pelas regras do jogo ou
pela narrativa apresentada.) Nessa época eu me apeguei bastante à prática de
‘mestrar’ histórias para os amigos. Esse hábito acabou me levando a ler muito,
para dar conta das regras dos jogos. Com o tempo fui arriscando a criar meus
próprios enredos, e isso fez com que eu criasse formas de narrativas longas e
consistentes, sem furos e que prendesse a atenção de quem as estava ouvindo
e/ou participando. Percebi que eu tinha uma facilidade de criar
histórias que despertavam interesse, e que fugia do óbvio e dos clichês. E como
se tratava de jogos para adolescentes, como eu na época, os mundos que eu
criava e as histórias eram repletas de acontecimentos fantásticos. Porém, eu me
preocupava em fazê-las coerentes, de forma que trouxesse o máximo possível da
atenção dos jogadores para dentro do que estava sendo contado. Acho
que foi nessa época que criei gosto pelo lado criativo da literatura. Passei a
ler e a escrever com frequência, e não demorou eu perceber minha deficiência no
que dizia respeito à gramática normativa e a tudo que isso implicava. Minha
dislexia fora descoberta. Contudo a vontade era, e é, maior que a vergonha
(risos). Não sei explicar muito bem isso. Uma vontade incontrolável de pôr as
histórias da minha cabeça “no papel” me fizeram escrever meus primeiros contos
com propósito de serem lidos somente, não jogados. Infelizmente
não sou financeiramente abastado e, para quem quer escrever, isso também é um
problemão. Consegui uma bolsa 100% num curso de Letras e o aproveitei da melhor
maneira possível, isso me ajudou na escrita, mas na falta de condições para
pagar um revisor, ou alguma leitura crítica, decidi que eu teria que encontrar
uma forma de ser lido mesmo assim, ainda que meus textos tivessem erros
imperceptíveis à minha atenção e prática, eu sabia que eles estavam lá. Tive
que tomar uma decisão... Foi quando disponibilizei dois contos
gratuitamente na internet e rezei para que, quem os lesse, não me tivesse mágoa
e aproveitasse a história mesmo com as certas imprudências de um iniciante
nessa mídia. Escrevendo essa resposta para você hoje, acho que foi
a coisa mais ‘”idiotamente” certa que fiz quanto ao meu objetivo de ser lido
(risos). Ainda pretendo escrever muito, sinto que ainda tenho muita coisa pra
contar, e espero evoluir na escrita em todos os sentidos enquanto isso for
acontecendo. Bem, o tempo dirá o que vai acontecer...
HELENA FRENZEL: “Deus não olha o seu estilo,
olha o seu coração”. Li
esta frase em algum lugar na Internet, desconheço o autor. Acho que algo semelhante se
dá com um leitor sensível. Adorei a sua resposta. Acho
importante explicar essas coisas porque ajuda a derrubar ou
abalar muitos preconceitos. Eu, diferente da maior parte das pessoas que conheço
em certos meios, dou muito mais valor às idéias do que à implementação,
que podem ser muitas até. Ainda mais se o candidato a escritor não tem nenhum apoio editorial nem muita oferta cultural, já que no Brasil, por exemplo, museus e bibliotecas são considerados desnecessários até mesmo por quem define os rumos da Educação no país, o que é um absurdo, não? Sim, mas voltando ao nosso tema: há um preconceito muito grande relacionado ao uso da norma
culta do Português do Brasil e eu, como alguém que estudou um pouco na área de
Lingüística, vejo com bons olhos que pessoas têm se levantado para questionar
muitas coisas que antes ninguém ousava tocar, como a existência das variantes
lingüísticas e os regionalismos neste Brasil quase continental, e esse é um dos primeiros passos rumo
à construção ou descoberta da própria identidade cultural, até mesmo da aceitação da norma culta, do entendimento do porquê ela é imprescindível em vários contextos, mas em Literatura, por ser um território de expressão humana e artística, temos de ter mais liberdade de experimento e criação, já que quase tudo, senão tudo, começa pela Língua. O verbo cria, não? Você fala em dislexia. Engraçado que, ao ler O Coveiro, a relativamente boa
construção da história foi o que mais me chamou a atenção e os erros percebidos
eu não diria que foram assim tão graves, muito mais denotavam o esforço em
transcrever o jeito que as pessoas falam na vida real. Porém, num texto literário o desafio é justamente pôr no papel histórias do dia-a-dia com um toque que as distanciem da linguagem comum. Essa transformação artística é função do
escritor, e é o que diferencia cada um, eu diria. Tal transformação é importante, a meu ver, pois é o
que torna o texto universal e atemporal. Alguns chamam esse toque de
'estilo', que pode envolver o chamado lirismo natural, já outros o vêem como
puro domínio da técnica. Não sei, cada escritor encontra o seu caminho de
contar suas histórias, mas ninguém se torna escritor só porque sabe escrever
dominando uma ou várias técnicas ou normas, a gente se torna escritor quando
tem algo para contar e uma grande necessidade de dar vida a tais histórias, uma
necessidade maior do que nós mesmos, que não se deixa ignorar. E essa característica, ou seja: querer contar suas histórias custe o que custar, eu acho que você tem, como
outros escritores iniciantes que conheci na rede, os quais procuro apoiar
porque é uma pena desperdiçar qualquer talento ou vontade de fazer
alguma coisa. E a qualquer iniciante eu só posso aconselhar que siga escrevendo
e seguindo sua intuição, lendo bastante, claro, porque leitura, a meu ver, é
primordial, e que siga se abrindo a críticas e se aperfeiçoando nas técnicas narrativas.
Veja que há lugares em que os escritores geralmente frequentaram cursos especializados
na formação de escritores, como nos Estados Unidos, por exemplo. Acho a idéia
muito válida, claro, até mesmo pelo tempo que um candidato a escritor possa
ganhar ao adquirir num lugar só boa parte do conhecimento que precisa para
escrever em um ou vários gêneros. Por outro lado, o molde das escolas pode acabar
afastando o espírito inovador, tão desejado na arte. Há lugares em que a crença
maior continua sendo a de que escritor é alguém que nasce com talento para essa
arte, e que isso nenhuma escola pode ensinar. Acho que pode ganhar mais quem
combina os dois modelos, alguém que tenha já uma pré-disposição, o tal talento
para a escrita, e não ignore as técnicas mais usuais. Independente de qual
modelo alguém escolha seguir, penso que só o escritor verdadeiro persiste no
caminho que lhe dita a sua escrita, independente de reconhecimento externo e de
quantos 'nãos', na vida, vier a ouvir. É isso: persista! Suzo, obrigada pela breve
entrevista (já que acabei falando mais do que você) e sucesso em seus projetos, rapaz!
As ilustrações a seguir são todas de Suzo. Ele me pediu para escolher uma só, mas eu gostei de todas, então...
As ilustrações a seguir são todas de Suzo. Ele me pediu para escolher uma só, mas eu gostei de todas, então...
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Suzo Bianco, ainda não li seus textos, mas com certeza será um prazer. No finalzinho da entrevista, Helena Frenzel disse: "Independente de qual modelo alguém escolha seguir, penso que só o escritor verdadeiro persiste no caminho que lhe dita a sua escrita, independente de reconhecimento externo e de quantos 'nãos', na vida, vier a ouvir". Concordo com esse pensamento. As ilustrações são muito bonitas. E mais, acredito que a dislexia até acrescenta mais ao autor.
ResponderExcluirObrigado, Antonio. Espero que curta então. ;-)
ResponderExcluirabraços
Sempre bom conhecer o universo do autor dos livros que tu leu.
ResponderExcluirAdorei a entrevista e conhecer mais Suzo Bianco! Suas ilustrações são o máximo!!!! Abraços
ResponderExcluirParabéns pela entrevista (Suzo e Helena), gostei muito. Também fiquei curioso e devo ler A COTIA QUE SE PERDEU. Por fim, fiquei emocionado com as amostras de Suzo Bianco como ilustrador e artista plástico.
ResponderExcluir:-) Agradeço o carinho. Abraços.
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