Por Michele Calliari Marchese
Aconteceu
durante a Guerra dos Pelados, bem quando o Mello resolveu ajudar os parentes
revoltosos de Capinzal. Esses parentes diziam que a luta deles era divina e
comandada pelo Messias José Maria, e toda e qualquer ajuda seria benvinda, de
modo que o Mello achou por bem pegar o cavalo e pelear num local chamado
Banhado Grande, contra as tropas do governo. Isso foi em 1915.
O
Mello deixou a mulher e os filhos aqui na Campina da Cascavel, jurando de pé
junto manter-se vivo a qualquer custo, nem que para isso precisasse lutar
contra as suas próprias forças. Partiu naquela madrugada deixando a casa e o
coração vazios.
Alana
não quis contar-lhe naquela noite de decisões e despedidas que estava grávida,
para que ele não voltasse atrás em seu veredicto e resolvesse ficar por causa
do pequeno, mas teve uma ideia que faria com que ele retornasse tão logo
soubesse da notícia.
Esperou
por três longos dias e então escreveu uma linda carta de amor onde extravasava
a sua enorme saudade, o neném em sua barriga e tudo o que ia a seu íntimo. Ao
reler o papel, emocionou-se com o que escrevera e chorou, pingando
sorrateiramente duas lágrimas na última página da missiva. Bem próximo do “eu
te amo”, deixando a carta perfumada com o calor da sua alma.
Endereçou
a dita-cuja bem direitinho, numa letra caprichosa de paixão e deparou-se com a
dúvida: por quem mandaria? Como entregariam a carta?
Resolveu
confiar no Padre Dimas, que decerto conhecia o tal de José Maria, mas ele não
conhecia aquele tal, que usava o nome de Deus para promover guerras e
discórdias, porém, poderia enviá-la à igreja de Caraguatá e o padre daquela paróquia saberia entregar para algum
revoltoso do dito reduto.
Alana
confiou, pois o Padre Dimas sempre soube o que fazer em horas difíceis.
A
carta seguiu viagem em lombo de mula, através de um ambulante que estava de
passagem por ali e iria para aquelas regiões e faria, com muito gosto, a
vontade do Padre Dimas.
O
pároco da pequena igreja de Caraguatá recebeu a missiva justamente quando
estava trancando as portas para fugir daquele inferno sem precedentes, e diante
daquela situação inesperada, não soube como agir, apenas deixou sua pequena
mala de mão cair a seus pés. “Meu Deus”, ele disse, quantos Mellos haveriam de
ter naquele reduto? Foi quando virou o envelope e sentiu o inebriante perfume
do amor. “Alana!” E o padre suspirou. “Decerto que há um só Mello, dono do amor
de Alana”. Contra todas as suas angústias, resolveu ler para ter um pouco de
alento naquele momento de dor. Quando terminou a leitura, mais duas lágrimas
caíram naquelas páginas sensíveis e tomou uma resolução: Iria até o reduto dos
caboclos em missão de paz - já que era um padre - e entregaria a carta, pois
ela deveria chegar até o Mello sem mais demora.
Pegou
um pedaço de pau, amarrou um lenço branco na ponta e foi até o refúgio dos
revoltosos. Estava tremendo de medo, mas tinha em suas mãos a vida inteira para
sentir a esperança no meio do caos. Alguns soldados mandaram que parasse e se
identificasse e mostrasse o que trazia e que falasse sem mais demora, pois que
estavam partindo para a guerra.
O
coitado do Padre só pôde balbuciar algumas palavras ininteligíveis e entregou a
carta na mão daquele sentinela apavorado, saindo o mais rápido possível daquele
antro de dor. Mas tinha a alma livre, dos que cumprem o objetivo para um mundo
melhor. Tinha a esperança em seu semblante e isso o sentinela notou e
rapidamente olhou a carta e repetiu tudo o que o padre havia dito em frente à
capela – sem o saber – e também foi tomado pela urgência das palavras de Alana.
Como
não sabia ler, pediu ao companheiro que o fizesse, porém ali, naquela herdade,
não havia vivalma alfabetizada. E saíram os dois sentinelas correndo atrás do
Padre de Caraguatá e pediram a ele que lesse, mas o Padre disse que não se pode
ler as cartas dos outros, mas que leria, pois não sabia se eles estariam vivos
para presenciar tamanha adoração.
E
então, mais quatro lágrimas fizeram parte da carta de Alana naqueles tempos de
guerra. E um dos sentinelas, enxugando com o braço o rosto suado, pediu ao
Padre que rezasse por eles, pois um dia, gostaria de receber uma carta assim da
mulher que amava. Naquela noite, o asilo inteiro ficou sabendo do teor da
epístola, aumentada apaixonadamente pelos sentinelas e todos ficaram muito
emocionados. Juraram partir, com a carta em punho, e encontrar o Mello, mesmo
que estivesse morto.
Depois
de muitos dias de jornada, aquele pelotão de revoltosos chegou a Banhado Grande
numa grande expectativa de vitória e de encontrar o Mello. No meio de todo
aquele confronto sangrento, encontraram o marido da Alana e entregaram a carta
com apertos de mãos vigorosos e abraços afetuosos e tudo ficou repentinamente
silencioso quando pediram que lesse novamente a carta.
O
Mello não conseguia ler sem chorar e no meio daquela balbúrdia dos diabos,
escutou uma voz próxima que lhe disse: “Vá!”
Era
seu comandante que havia escutado tudo, e tinha o rosto banhado em lágrimas e
pelejava contra o soldado do governo com uma fúria de louco e gritou no mesmo
instante em que cravou a espada no peito do adversário: “VÁ!”
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