Por Michele Calliari
Marchese
Numa das primeiras
semanas santa havida na Campina da Cascavel, o Padre Dimas resolveu instituir a
malhação de Judas para o Sábado de Aleluia como uma reflexão à comunidade, discursando belamente sobre as diversas controvérsias que havia a respeito da
traição e do suicídio do apóstolo em questão.
O povo que não sabia do
que se tratava a dita malhação pediu explicações ao Padre que respondeu ser uma
festa que acontecia em todos os lugares e que dava vazão aos sentimentos mais
ignóbeis do ser humano. Haveria lá na praça um cadafalso — construído com a
ajuda dos homens — e uma corda para enforcarem um boneco de palha, a
personificação de Judas Iscariotes.
Depois de tudo
entendido, o povo tratou de ajudar a montar os apetrechos para o festejo
fúnebre. Quem não gostou nada da história foi o delegado, mas como a turba
estava influenciada pelo acontecimento, optou por não chamar ninguém à razão,
tampouco o Padre.
Na sua concepção, aquela
novidade de malhação poderia trazer inúmeros transtornos a todos porque sempre
há aquele que se aproveita dos fatos para externar atitudes de cunho não
recomendado.
Ficou de sobreaviso, de
revólver na cinta e de tocaia na delegacia.
Chamou mais três
compadres para ajudá-lo na empreitada que aceitaram tão logo presumiram que o
delegado estava certo em suas conjecturas.
No dia do Sábado de
Aleluia a população já estava na praça com o boneco de palha vestido e de
sandálias esperando que o Padre iniciasse o dito ritual que ninguém conhecia e
que depois que aconteceu o pseudoenforcamento, ninguém gostou. O Padre ficou
sozinho junto ao cadafalso vendo que sua ideia tinha sido uma bobagem. Decerto
que ali, naquele lugarejo tão pequeno as pessoas não estavam acostumadas e nem
concordavam com esse tipo de coisa e o sol esquentou a sua batina e ele
recolheu-se ao frio da igreja, deixando o boneco lá enforcado.
Tiraria ele depois, mas
esqueceu-se com os preparativos da missa.
No dia seguinte, o Padre
encontrou o delegado e outros três homens na praça gritando ordens e pedindo
explicações para quem estava passando por ali. Viu com seus olhos incrédulos o
boneco jogado ao chão e um corpo pendurado na forca. Ninguém conhecia o
falecido, mas deduziram pela indumentária que se tratava de jagunço perdido.
“Bem que desconfiei”, disse o delegado para o Padre escutar. E ficou falando roucamente sobre aquela
barbárie ter acontecido por causa de ideias de jumento que só poderiam dar nisso.
O Padre se ofendeu em partes. Ficou se culpando e na missa de velório daquele
desconhecido pediu desculpas pela tragédia acontecida presumivelmente por sua
causa.
O jagunço foi enterrado
e o povo desculpou o Padre.
O tempo passou e todo
mundo acabou por esquecer o ocorrido até que aconteceu de encontrarem outro
enforcado no Sábado de Aleluia do ano seguinte e descobriram tratar-se de outro
jagunço foragido e tiveram muito medo que poderia ser que existisse um jagunço
fazendo esse tipo de coisa a mando de outrem ou por conta própria para assustar
o delegado e a população.
Os anos passaram e
sempre que era véspera de Sábado de Aleluia o povo já deixava na praça uma
carroça para carregarem um eventual morto que aparecesse naquele dia. Era certo
e ninguém descobria como é que apareciam na praça os enforcados já mortos a
tiro. Eram todos jagunços e alguns reconhecidos pelos folhetos de “procura-se”
que estavam pendurados na delegacia.
O delegado já havia
ficado de tocaia a noite toda na praça para pegar o meliante que colocava uma
corda em alguma árvore e pendurava o morto e nunca viu ninguém, nem nada nem
vulto.
Ele acreditava tratar-se
de desova daquele jagunço à mando que esperava um ano inteirinho para depositar
os cadáveres — alguns já em decomposição — na praça da Campina da Cascavel. Ou
então que esses corpos eram postos ali por várias pessoas já que o assunto dos
enforcamentos era comentário nos quatro cantos de Santa Catarina. E então
resolveu mandar um telegrama para a capital que colocasse em todos os jornais
do Estado informando que aquela pacata cidade não era local de desova e
tampouco gostava de enterrar os mortos dos outros.
E no ano seguinte não
apareceram mais enforcados na praça em Sábado de Aleluia.
Somente em meados de
1950 no governo de Aderbal Ramos da Silva é que houve a proibição da Malhação
de Judas em Santa Catarina em virtude de acontecimentos condenáveis.
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sinistro o conto, Michele. muito bom, o clima misterioso dele. adorei.
ResponderExcluirAbraço.
Rodrigo, obrigada por visitar nosso blog! Ainda bem que esse conto não foi postado num Sábado de Aleluia... mas, graças ao intrépido delegado da Campina da Cascavel, tudo se resolveu a contento! Abraços
Excluirhahaha. que bom.
Excluirbom, baixei o e-book com teus causos. pronto pra ler.
Abraços.