Por Michele Calliari
Marchese
Esse causo aconteceu há
muito tempo atrás e muitos filhos da Campina, ao lembrar, ainda sentem o medo
percorrer a espinha.
Asdvencia Emilia era uma
mulher de idade muito avançada e todo mundo tinha muita dificuldade em falar o
primeiro nome dela, portanto, chamavam-na de Asdê. Ela era uma das benzedeiras
da Campina e as pessoas sempre recorriam a ela quando estavam com alguma
dificuldade de ordem pessoal ou para tirar as bichas das crianças. Usava um
chapéu de palha com um forro de seda marrom, quase dourado, e lá tinha uma
estranha inscrição que ninguém sabia o que era e só era vista quando ela tirava
o chapéu para coçar a cabeça.
Numa benzedura de
criança com “macaquinho”, Asdê desabafou com a mãe do menino dizendo que já
estava cansada da lida, que tinha passado dos cento e poucos anos e que já
deveria ter morrido; não fosse o chapéu que lhe dava as forças para continuar.
E a mãe lhe perguntou por que não tirava o chapéu para dormir o sono eterno, e
a velha respondeu que não conseguia; que era como se fosse parte do seu corpo.
Em pouco tempo o povo da
Campina soube do ocorrido e as idas à benzedeira eram maiores que o normal. Foi
num piscar de olhos que a comunidade relacionou a vida longeva de Asdê com o
chapéu, fazendo do dito cujo um objeto de desejo. Agradava a todos a ideia de
uma vida eterna.
Começou um agitamento
entre os mais interessados, que ficavam de tocaia em algum mato para pegar o
chapéu da velha e sumir. Tudo sem sucesso.
Um dia, já cansada de
ter que ficar se defendendo das pessoas sem entender muito bem o que estava
acontecendo, Asdê perguntou para o primeiro benzido: “Meu fio, que acuntece ca
véia? Por causo di quê querem pegar a véia?” E o benzido respondeu que era por
causa do chapéu e contou tudo o que sabia, inclusive das tocaias.
Asdê pensou, pensou e
resolveu que no próximo sábado, na missa das oito do Padre Dimas ela ia pedir a
palavra e pediu de fato. Foi durante o sermão e ela fez uma proposta para
aplacar a ganância de alguns.
Ela contou que tinha
nascido em 1815 e precisava descansar e disse que para ter o chapéu era
necessário que aparecesse lá na casa dela duas mulheres e dez homens, um para
cada mês do ano com o mesmo intuito em seu íntimo, que ela não disse qual era e
que no fim dos doze meses entregaria o chapéu e disse também que um homem de
março lhe traria a morte e depois do seu passamento as pessoas dos meses do
inverno é que deveriam levar o seu caixão para o cemitério.
O Padre Dimas não parava
de se benzer enquanto Asdê proferia a própria sentença de morte. Algumas beatas
estavam ajoelhadas a rezar o terço e todas as crianças choravam.
E ela voltou como se
tivesse esquecido alguma coisa e disse: “Ieu ispero o primero homi.”
Dessa forma o povo sabia
que a pessoa do mês de janeiro era um homem, e assim sucedeu mês a mês e só em
julho e outubro apareceram na casa de Asdê as duas mulheres requeridas e
ansiosas pelo chapéu.
Essas doze pessoas não
eram todas da Campina, tinha um homem que veio fugido de Palmas para se
apresentar em novembro.
Nenhum deles sabia dos
outros e ninguém sabia quem se apresentaria para Asdê. Bastava que chegassem à
porta que ela dizia que o mês estava findo.
O final do ano chegou
junto com a expectativa da entrega do chapéu e Asdê não entregava o chapéu para
ninguém e ninguém pedia nada com medo de saber o que aconteceria depois.
Sucedeu que no final de fevereiro, a velha pediu a palavra ao Padre Dimas na missa
das oito só para dizer que aquele que receberia o chapéu teria uma dor que
começaria no pé e explodiria na cabeça numa força de luz, e que nenhum daqueles
que se apresentaram a ela era o escolhido e este, iria por conta própria
requisitar o que era seu por direito.
Dias depois, já no mês
de março, a mãe de um menino bichento encontrou o corpo de Asdê jogado no meio
do mato. Encontrou também um homem desconhecido — aquele de Palmas — com o
chapéu dela na cabeça e jazido também.
As pessoas, muito
comovidas com a morte de Asdê resolveram enterrar o chapéu junto dela, não sem
antes ler o que estava escrito no forro do chapéu e que se apagou logo em
seguida: “E a justiça olhou do alto do céu porque o homem não pode receber
coisa alguma, se não lhe for dada do céu.”
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Gostaria de ler um livro inteirinho desta escritora!!! Ela é fascinante!
ResponderExcluirCausos da Campina Volume I, pode baixar lá no quintextos ou buscar as postagens anteriores aqui no SVC. Valeu, Ana!
ExcluirOi Ana! Obrigada pelas palavras, e como escreveu Helena, pode baixar o e-book para ler! Beijos
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