Deu uns passos pela sala, mediu o pouco espaço de que dispunha, refez o
trajeto, tão minúsculo, tão reduzido quanto lhe facultava aquela sala, peça
maior de uma pequena casa, estancou. Sim, tinha parado junto da mesa, a velha
mesa ao redor da qual estavam dispostas seis cadeiras já gastas, as cadeiras
que haviam suportado, mais ou menos galhardamente, a sua infância e a de seus
irmãos.
O momento lhe pesava como chumbo sobre os ombros. Não havia sido ele,
propriamente, quem tinha decidido. Por ele haviam falado seus pais, aqueles
pais que mourejavam na roça, dia após dia, e agora, diante das dificuldades
crescentes, só viam uma solução para proporcionar-lhe um futuro: sair. Era o
mais velho, chegara o momento de continuar a caminhada que começara na
escolinha distante dois quilômetros, a escolinha que lhe havia ministrado as
primeiras letras e já não tinha condições de lhe oferecer muito mais.
A saudade lhe doía antecipada. Partir, embora significasse escapar da
dura lida do campo, também queria dizer deixar a família, os pais, os irmãos, o
lar. As galinhas, os cachorros, a vaquinha. Despedir-se daquele verde que o
rodeava, das corridas pelos campos, das brincadeiras com a gurizada, dos ruídos
familiares, de tudo o que fazia parte de sua vida. O que lhe traria – de bom,
de mau – esse mundo novo para o qual, de certa maneira, se sentia arremessado?
A mãe apareceu na soleira da porta, olhou-o rapidamente e falou num jato
só:
— O padre chegou.
Intuiria ela o turbilhão que se passava dentro dele? Ou estaria agindo
rápido, para evitar maiores sofrimentos? Ele procurou reter-lhe o olhar, mas
ela já rumava para o quartinho dos filhos, a fim de vistoriar a trouxa que ele
havia preparado.
— Vou dizer tchau para o pessoal.
Correu para fora, agoniado, sabendo que não podia fazer nada. Fosse o
que fosse, era o seu destino. Um tanto sem jeito, abraçou o pai, os irmãos,
voltou e caiu nos braços da mãe. Tudo em ritmo veloz, o padre estava ali,
pronto para conduzi-lo a sua nova vida.
Ele nunca mais se esqueceria das palavras da mãe:
— Nós te esperamos nas férias.
Virou as costas e saiu, pisando duro, não queria que percebessem as
lágrimas que lhe marejavam os olhos.
Texto publicado com a gentil permissão da autora.
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Minha cara escritora, li seu texto e voltei na minha vida uns 30 anos, quando em condições semelhantes deixei meu pequeno interior e em cima de um caminhão vim estudar na capital, era a primeira vez que saia de casa. O pior momento foi, depois de alguns metros, voltar-me e olhar minha mãe... alguém já fez isso? Então deve saber que dá vontade de chorar, pela tristeza estampado no rosto de uma mãe quando ver, pela primeira vez, um filho ir em busca do incerto.
ResponderExcluirNossa, que lindo Beatriz!! Fiquei emocionada. Parabéns e muito obrigada pelas suas participações em nosso blog. Beijos
ResponderExcluirQue belo texto, Helena... é tão triste despedir-se do lar da gente. Deixar para trás os pais, os irmãos e a vida a qual nos acostumamos. Senti isso quando me casei, apesar de meu pai já ser falecido naquela época. Mas deixei o lar com todas as memórias trancadas dentro dele.
ResponderExcluirBelo conto, Beatriz! Parabéns!
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