Por Michele Calliari Marchese
E o Natal chegou...
... ao fim!
“Ufa!”, pensou a Dona Marta. Finalmente chegara ao fim
aquela festança familiar que por um lado é bom, mas por outro lado ela não
entendia muito bem o significado daquela data que com o passar dos anos acabou
tornando-se um fastio. Quanta louça; olhou para a pia entupida e suspirou com
as mãos no rosto. Ouvia ao longe aquela conversa ininteligível e fora
interrompida de seus pensamentos quando um dos netos postou-se ao seu lado
“para ajudar a lavar a louça vó”, e ela respondeu-lhe que sim bastava pegar o
banquinho no banheiro que iriam começar.
Vestiu aquele ajudante com um avental que teve que ser
dobrado três vezes na cintura para que o pequeno não tropicasse nele. Os pais
daquela criança sentados lá fora conversando uma conversa universal enquanto a
mais velha e o mais jovem trabalhando para que o dia seguinte fosse mais limpo,
mais claro e mais harmônico. “Você gostou dos presentes?”, entabulou uma
conversa com o neto e ele respondeu-lhe que sim apenas com um aceno de cabeça,
estava muito compenetrado fazendo espuma com o detergente e apertando repetidas
vezes a esponjinha sem lavar nada. E a Marta lembrou-se de seus anos primórdios
e de como eram diferentes os natais de sua infância quando via a mãe trazer de
dentro do quarto uma caixa com as bolas que enfeitariam uma árvore de verdade,
plantada numa lata de banha e essas bolas quebravam com o mínimo esforço e
novamente ouvira a voz da mãe ali enxugando as colheres da sobremesa: “cuidado
com as bolas de natal, elas são frágeis e caras”, e tinham que cuidar porque
quando quebravam cortavam os dedos.
Ouviu um barulho de alguma coisa caindo e correu para
a sala —de onde viera o barulho —para ver o que tinha caído e sem pensamento de
nada viu que o gato finalmente havia saído de seu esconderijo derrubando aquela
árvore artificial sem quebrar as bolinhas inquebráveis —quanta diferença —e
estava se lambendo sentado um pouco a frente da bagunça que fizera. “Alguém
decerto que arrumará”, ela pensou e voltou para os afazeres com o neto que ria
e perguntava por que o gato havia derrubado a árvore e ainda bem que não o
fizera enquanto o papai Noel estava lá.
“A vovó acredita em Papai Noel?”, perguntou aquele
inclemente perguntador de coisas e diante do recuo da avó em responder, disse
na sabedoria infantil que ele também não acreditava, mas tinha que acreditar
porque o irmão era um bebê. E também porque o Papai Noel trazia presentes. A
avó suspirou; também acreditara em algum momento de sua vida naquele velhinho
vestido com roupas de inverno e que trazia presentes, porém num Natal que não
fez muita questão de lembrar, mas lembrou, quando apareceu muito tarde da noite
um homem vestido de vermelho, muito suado e com uma máscara; a máscara era tão
assustadora que daquele Natal em diante os natais nunca mais foram os mesmos.
Se for para divertir as crianças bastava que dessem uma bola e não um homem com
uma máscara. Nunca descobrira quem era aquele falso bom velhinho.
Tropicou num embrulho que apareceu quando o cachorro o
trouxe para perto deles e ela deixou cair os braços para afagar o pobrezinho
que tinha medo de foguetes e então o neto cheio de espuma também resolveu
acarinhar o bicho. A Dona Marta nada disse, pois já pedido inúmeras vezes que
fossem prender o cachorro na coleira para que não saísse em disparada quando
das espoucadas dos fogos de artifício. “Se quiser uma coisa bem feita, faça-a
você mesma”, pensou naquele momento e viu o neto pegar uma faca para lavar e
tirou-a imediatamente das mãos do menino e deu os pratinhos de sobremesa para
que ele lavasse e lembrou quando queria lavar a louça e sua mãe não deixava
porque muitas tias e primas faziam o serviço; pensou em quanta diferença de
hoje em dia, tinha errado na educação? Foi prender o cachorro e voltou para
terminar a louça quando viu o pequeno lavando as paredes com a esponjinha.
Ela e o neto, sozinhos os dois no meio de tanta gente
que conversava conversas que se deturpavam conforme as horas avançavam
inexoráveis em direção ao outro dia, o dia seguinte, o dia da clareza, do
silêncio e da falta das risadas e das máscaras de papais-noéis.
Ajuntou todos os embrulhos do chão enquanto o neto
segurava o saco de lixo, rindo em sua inocência e fazendo perguntas
intermináveis, cujas respostas eram imediatamente feitas por ele. Pensou que
aquele Natal tinha sido o Natal mais prazeroso de sua vida, aquele cujas festas
foram resumidas à companhia de um neto de 5 anos e pensou no bebê que começou a
chorar no quarto, assustado pelos fogos de artifício; pegou-o no colo e afagou
aquela cabeça cheirosa e os três ficaram a conversar no quarto enquanto ouviam
ao longe, como se fosse num outro mundo os desejos de felicitações de outras
pessoas —que eram a sua família —bem ao longe, num lugar inacessível, no agora
do outro dia.
Ela abraçou aqueles dois netos e desejou que continuassem
pequenos e que não crescessem nunca para que no Natal do ano seguinte eles
pudessem ter outro igual àquele que tiveram de conversas amenas, risadas e
comunhão amorosa, sem presentes e sem máscaras, com o sentido concreto em seus
corações de que o Natal não precisa ser uma festa descomunal, apenas uma
esponjinha cheia de espuma para lavar as paredes vazias de uma casa cheia.
Nota: este texto faz parte do ebook natalino
E Que Viva o Natal (baixar aqui).
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