Por Michele Calliari Marchese
Esse causo aconteceu muito misteriosamente acerca de um assassinato na
Campina da Cascavel. Encontraram o Tarcisio morto de emboscada no meio do mato.
A mulher, Dona Celina, chorava muito e dizia num desespero de dar dó que era a
terceira vez que ficava viúva e prometia em altos brados que não casaria jamais
pelo resto de sua vida. Era muita tristeza tudo aquilo.
O delegado chamou a Dona Celina para uma conversa em particular na casa
dela para tratar sobre possíveis suspeitos da morte do Tarcisio. E também
porque percebeu que ela, no momento em que viu o corpo, não parecia estar tão
surpresa. Abalada sim, mas surpresa, não. Decerto seria porque ela já tinha
ficado viúva outras duas vezes e estava acostumada com essas coisas.
A Dona Celina esperou o delegado com um bolo de canela que ele não comeu
e vestida num luto impecável. Pois o delegado deu os pêsames e apertou a mão
fria da viúva e começou por perguntar pelas coisas do falecido e dentre tantas
coisas que ouviu ficou admirado quando ela lhe disse bem baixinho e olhando
para os lados que o falecido era integrante de uma irmandade misteriosa e que
ela sabia muito bem que quem saísse daquela associação dos diabos era
considerado morto, e prosseguiu com uma série de alucinações pertinentes ao
estado emocional em que ela se encontrava.
E então, depois das exéquias houve uma reunião na irmandade cujo
presidente era o próprio delegado. Convidou a todos que sentassem e sem mais
delongas proferiu num frêmito de lhe fazerem as pernas bambas que o assassino
do Tarcisio estava ali entre eles, seus pares e associados.
Todos se levantaram gritando “injustiça, injustiça” que era mentira tal provocação
e que entre eles nunca haveria uma coisa desse tipo e o delegado grunhiu e
percebeu que estava na hora de encerrar a reunião instigando a delação interna.
Num átimo, a desconfiança pairou no local, era pesada e assustadora e todos se
olhavam procurando o jagunço vestido de homem de bem que estava entre eles.
E começou que alguns associados faltaram nas reuniões e por fim, ao cabo
de quinze dias não havia mais ninguém além do delegado a participar da
assembleia e ele, atordoado com tantas cartas que recebera indicando o nome do
homicida, ficava só, a ler e reler, a concluir e recomeçar. Estava perdido e
também apaixonado. Depois daquele aperto de mão com a viúva, nunca mais pôde
esquecer o cheiro de canela que exalava daquele corpo enlutado.
Resolveu que faria uma votação com os papéis que tinha em mãos e o nome
que mais saísse seria considerado o culpado e automaticamente excluído do grupo
e pensou de onde é que tinha saído a fofoca de que quem saísse estaria morto?
Nunca tinha ouvido falar em tamanho absurdo e então se lembrou de um caso de
muitos anos atrás numa cidade próxima que um participante da sociedade,
conhecido de todos do grupo, havia sido morto e deram o causo como suicídio.
Lembrava até o nome do homem: Carlos Luiz.
Ficou deveras preocupado e não aguentando de saudades da canela,
retornou à casa de Dona Celina para externar suas preocupações e que montaria
guarda lá à noite, se caso lhe aprouvesse. Disse também que estavam perto de
chegar ao suspeito e então a Dona Celina teve uma ânsia de desmaio e quase
caiu, não fossem os braços fortes do delegado a lhe segurar naquele momento.
Ele fechou os olhos no instante em que a trouxe para si e olhou aquela boca
vermelha de mulher a chamar por um beijo que quase aconteceu se não fosse uma
vizinha gritando e perguntando o que havia acontecido.
O delegado então lhe disse estar apaixonado e ela de cabeça baixa e
visivelmente transtornada respondeu ao despedir-se que era para ele esperar
pelo ano de luto, e assim que terminasse ela iria ter com ele; avisou-lhe que
havia aparecido outro pretendente, mas que era ao delegado que nutria algum
sentimento. Pois o homem quase riu diante da confirmação de seu amor e esperou.
Resolveu dar o caso por encerrado e por obra de algum jagunço que estava
de passagem pela cidade, reabriu as reuniões e esclareceu o fato dizendo sentir
muito por toda a desconfiança que se estabeleceu naquele período de
afastamentos.
O ano do luto passou e o delegado tomou a Dona Celina em quartas
núpcias. Eram felizes de fato e todos acharam que aquele ajuntamento tinha sido
obra do além, já que o delegado era solteiro e cinquentão e decerto que tendo a
profissão que tinha nunca mais a Dona Celina seria viúva.
Pois que num dia de fastio, estava o casal a conversar e o delegado
perguntou à esposa os nomes dos outros dois maridos que ela tivera e escutou
com uma sobrecarga de culpa e horror que se chamavam, nessa ordem: Amâncio e
Carlos Luiz, e que o Tarcisio ele conhecera.
Soube daquele momento em diante e tão certo como se faz o dia e a noite
que seria assassinado assim que esquecesse o revólver na delegacia.
Se não o fosse pela esposa, o seria por algum membro da sociedade.
Só lhe restava esperar.
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Pobre delegado! Michele, seus contos de Campina Grande estão ficando cada vez melhores. Parabéns.
ResponderExcluirObrigada Lu! O mérito é dele! O delegado é o cara! Beijão!
ExcluirMichele C.Marchese