Por Helena Frenzel
Cinco minutos para as seis e elas ainda não haviam encontrado o local. Iam seguindo o navegador meio que desconfiadas, pois lhes parecia pouco provável que houvesse ali um restaurante (no meio de todo aquele mato) naquele rincão de autoestrada. E antes que tivessem a certeza de que estavam por certo no caminho errado, pequenas luzes denunciaram que havia (sim) uma grande casa no final daquele percurso. Estava muito escuro já àquela hora naquele dezembro tão frio, e só contavam com as luzes dos faróis do carro. Acharam que finalmente haviam encontrado o lugar, pois havia muitos veículos estacionados por toda parte e elas demoraram um meio minuto para encontrarem uma vaga.
- Lugar mais estranho esse para se fazer uma confraternização, né? - disse Fernanda.
- Sim, é estranho, mas parece que o chefe já está aí. - disse Maria, apontando para o carro com o nome da firma estacionado do outro lado.
- Será que já chegaram todos? - disse Fernanda, ao mesmo tempo que prestava atenção a quem vinha descendo de um carro que acabava de parar a poucos metros do estacionamento.
- Parece que é a Mariane. Não sei dizer direito porque está muito escuro - disse Maria, fechando a porta do carro e ajustando o gorro à cabeça, para proteger as orelhas.
- É ela sim! - concluiu Fernanda quando as duas iam caminhando em direção à mulher que havia descido do carro e agora se despedia de quem estava ao volante.
- Tá bom, até mais tarde! - disse ela, e o carro se pôs em marcha e começou a voltar pela estradinha esburacada de terra por onde tinha vindo.
- Boa noite! - disse Fernanda, se aproximando.
- Ah, Fernanda! Oi, Maria, boa noite! Não estava ainda certa de que era esse o lugar. É aqui mesmo?! - disse Mariane, também estranhando a escolha do local.
- Pensamos a mesma coisa, - atalhou Fernanda - lugarzinho estranho pra se fazer uma confraternização natalina, não é não? E logo numa sexta-feira treze, repararam? Dei tantas voltas pra chegar aqui que comecei a duvidar da seriedade do GPS. Espero que pelo menos a comida seja boa, pra compensar a viagem!
- Deve ser sim! Parece que o chefe é amigo do dono. - disse Mariane ajustando o gorro e pondo-se a caminho ao lado das colegas.
Iam conversando enquanto buscavam a entrada do restaurante. Maria olhou ao redor e ficou tentando imaginar como se veria aquele lugar durante o dia, pois o estacionamento era enorme e havia muitas plantas espalhadas pelo terreno. Foram seguindo um muro vivo que estava iluminado com pequenas luzinhas de enfeites natalinos e logo viram que estavam certas em achar que aquele era o caminho para a entrada, porque na porta, numa área destinada a fumantes, avistaram três colegas que lá estavam, fumando, encolhidos de frio dentro de seus casacos com capuzes: Félix, Marcos e Rainer. Maria cumprimentou o grupo e foi logo se afastando. Não suportava cheiro de cigarro e deu a desculpa de que estava frio, o que não era faltar com a verdade já que o frio estava lascante, e passou direto para o terraço. Mariane tirou da bolsa um cigarro e Fernanda, que também não era fã de fumo, juntou-se a Maria dizendo que os esperaria lá dentro.
Maria afastou a pesada cortina vermelha de veludo que separava a entrada do resto do saguão, provavelmente uma forma de mitigar o efeito do ar frio que vinha de fora. Logo na entrada, avistou a mesa onde estava o chefe com a esposa e a filhinha, uma menina de uns oito ou nove anos. Ela e Fernanda se aproximaram, deram boa noite e trataram de se informar onde deveriam sentar-se. A esposa do chefe, que estava terminando de espalhar uns presentinhos pela mesa, recebeu-as alegremente e disse que as duas poderiam sentar-se logo ali, próximo à ponta. Maria escolheu o último assento, que lhe facilitaria a vida quando tivesse que levantar em algum momento. Não demorou muito e os fumantes se juntaram ao resto do grupo. Dois lugares na mesa ainda estavam vagos e Fernanda deu pela falta de Teresa, a secretária, que chegou com o marido logo depois que o garçom já tinha vindo perguntar o que os convidados desejavam para beber.
O grupo estava completo e agora esperavam apenas que o garçom trouxesse as bebidas e tomasse o pedido de Teresa e do marido para que pudessem fazer o brinde inicial. Teresa também chegou comentando que demoraram porque estavam procurando o local e todos concordaram que sim, que era uma localização fora do comum para um restaurante que, no entanto, estava lotado naquela noite.
Ao que parece, uma empresa grande realizava uma confraternização numa parte do restaurante onde estava organizado um buffet. Duas mesas, cheias de homens corpulentos, estavam próximas à porta que separava o grupo do buffet dos demais clientes do restaurante e aqueles homens pareciam pertencer à empresa grande. A mesa oposta à do grupo de Maria foi ocupada por umas dez mulheres que chegaram pouco depois, e a mesa que ficava na ponta, com apenas dois lugares, foi preenchida por dois homens que falavam bem baixinho. Havia outros clientes nas mesas que ficavam do outro lado do saguão do restaurante, Maria não sabe quantas.
O garçom voltou com as bebidas e, ao tomar o pedido de Teresa e do marido, disse que a comida poderia demorar um pouco, dado que a casa estava cheia naquela noite, como todos viam.
Teresa, o marido e Fernanda começaram a conversar entre si. Maria preferia ficar só ouvindo, dado que não era muito de conversa. Mariane, Marcos, a mulher do chefe e Julián formaram outro grupo, enquanto que o chefe e Rainer se puseram a jogar cartas com a menina, para distraí-la.
Não demorou muito e o grupo do buffet começou a fazer grande burburinho. Volta e meia vinham aplausos e gritos de “Aê!” e até então a coisa estava na raia do suportável, já que estavam ali comemorando algo, provavelmente uma confraternização de Natal, sendo que algumas mulheres escandalosas estavam com gorros de Papai Noel e falavam e riam muito alto, acabando com os estereótipos de que as pessoas naquele país carrancudo eram discretas e bem educadas. Maria estava certa de que o álcool já estava na cabeça daquela gente, e que por isso agiam como se ali estivessem sós, num galpão da própria empresa ou num estádio de futebol em plena Copa.
A algazarra aumentou quando alguém do grupo iniciou uma espécie de sorteio. Cada premiação era de arrombar os tímpanos e Maria notou que as mulheres da mesa oposta, o casal da mesinha da ponta, e seu próprio grupo, que na verdade todos estavam muito incomodados com o barulho do grupo maior, dado que nenhum tipo de conversação era possível. O garçom veio e tomou os pedidos dos pratos com muita dificuldade por conta do barulho, e Maria começou a ouvir (de todos os lados) reclamações pela falta de consideração do grupo maior para com os demais.
Os garçons, coitados, esses corriam de lá para cá. A algazarra no grupo vizinho aumentou tanto que todos os holofotes pareceram estar voltados para uma loura tipo Barbie que ria e falava altíssimo, com voz esganiçada, enquanto dançava por entre as mesas ao ritmo dos gritos e assovios dos homens, causando um certo tipo de vergonha alheia às outras mulheres que não estavam no grupo dela.
- Daqui a pouco ela sobe na mesa e começa a tirar a roupa. - disse Fernanda.
- Meu Deus, típica festa de empresa! Imagino as fotos e vídeos que postarão na net mais tarde…- comentou Teresa, balançando a cabeça em sinal de reprovação.
Em meio à algazarra os garçons trouxeram as saladas (de entrada) e todos se puseram a comer calados, já que conversar era impossível, a menos que as pessoas estivessem a fim de gritar para serem ouvidas. Todos comiam, menos Maria, que havia pedido uma salada como prato principal, única coisa no cardápio que não levava carne.
O casal da mesa na ponta deu uma escapadinha, provavelmente para fumar, e foi seguido por uma parte do grupo que zelava pela algazarra: uma fileira de homens com cara de mafiosos seguiram em ritmo de carnaval a loura Barbie e outras três louras afetadas, vestidas com seus casacos longos de veludo. Pelo visto, iam a caminho de uma pausa para o cigarro, e as três louras puxavam o bloco carnavalesco. Maria achou que só faltava confete e serpentina para que o quadro ficasse ainda mais picaresco.
Nesse meio tempo, quem tinha algo a dizer aproveitou a oportunidade, porque o barulho seguiu quando o grupo voltou a seus lugares. Não é possível que nenhum gerente tenha dito a esse grupo que tivesse respeito pelos demais clientes, reclamou Fernanda, mas pelo aperreio em que os garçons se achavam, dificilmente havia algum gerente por ali naquela noite, pensou Maria.
Servido e terminado o prato principal, veio a sobremesa. O grupo de mulheres da mesa oposta, em sinal de protesto contra a algazarra do grupo do buffet, começou também a dar vivas em tom de carnaval, e Maria teve certeza de que faltava pouco para que Baco em pessoa viesse participar daquela orgia natalina.
Para completar o prazer da noite, todos no grupo tiveram suas sobremesas servidas, menos Maria, que terminou por chamar o garçom e dizer que se a sobremesa não estivesse pronta que deixasse pra lá. Tudo o que ela queria era terminar aquele suplício e poder voltar pra casa o quanto antes, e não deixou de pensar que a falta da sobremesa era o Universo livrando-a das calorias desnecessárias.
A primeira a conseguir escapar foi Mariane, dizendo que tinha que ir embora mais cedo por conta sei lá do quê e que a estavam esperando lá fora. Saiu rapinho e levou um cigarro por acender entre os dedos. Quando Teresa e o marido disseram que também já iam, Maria cutucou Fernanda para que as duas aproveitassem a chance. As mulheres da mesa oposta tratavam de ignorar a algazarra do grupo do buffet e seguiam conversando aos gritos, o casal da mesa da ponta pediu a conta e saiu. Os únicos que não pareciam incomodados eram a filha do chefe, Rainer, que até aproveitou para cochilar entre um prato e outro (durma-se com um barulho desses!) e o chefe, que seguia jogando cartas com a filha como se ali nenhuma confusão houvesse.
Maria é que não queria ficar naquele banquete greco-germano para ver se a profecia que haviam feito para a loura Barbie se concretizaria ou não, dado que a mulher já estava pra lá de alterada e parecia que o espetáculo ainda estava longe do final. No céu, encoberta por poucas nuvens, a lua cheia dava o ar de sua cara. Aúúúúú!! Trataram de alcançar o carro e sair dali rapidinho. A única coisa que lhes faltava naquela noite hilária era encontrarem um lobisomem no caminho, ou coisa do tipo.
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