Por Helena Frenzel
—Se correr o
bicho pega, se ficar o bicho come! —gritava um animalzinho no laptop de um passageiro da outra fila, um homem com ar desanimado e que por
certo vinha de outras tantas conexões. E era muito bonito, mas tinha uma
aliança!
Lolita acomodou-se
disposta a trocar a tentação do marido de outro ou de outra pelos escândalos
pintados nas manchetes do jornal, um que recebera na entrada da aeronave.
Vésperas de eleição era sempre o mesmo: ataques e acusações de um lado a outro
e pouquíssima informação verdadeira e útil ao eleitor. Ainda faltava algum
tempo para a decolagem, mas Lolita já trazia preso o cinto. Sentada junto à
janela e com o jornal aberto não percebeu quando o assento ao lado foi ocupado
por um velho político, uma daquelas raposas que ninguém consegue derrubar e que
ela só notou por conta do “Vossa Excêlencia” dos bajuladores que logo se
multiplicaram ao seu redor, para o terror dos comissários que não tinham espaço
para se movimentar. Lolita quase não creu em seus olhos ao dar-se conta do
bajulado, que como todo velho político a cumprimentou como se de fato se
importasse com quem a seu lado se sentasse nas fileiras de um Fokker 100.
Lolita sentiu o coração pulsando mais forte, de nojo talvez, e fez força para
não levantar de um salto. Passara muito tempo com os nórdicos para ter-se
graduado na arte de manter a calma e nada demonstrar. Respondeu ao cumprimento
sem tirar os olhos do jornal e aprofundando mais o rosto entre as sujas páginas,
lama pré-eleitoral que de campanha menos aparentava do que de uma guerra real.
Muita coisa estava em jogo: meia década no poder e o povo que seguisse sustentado o sistema dos “mais iguais” e sentindo-se bem em seu posto de excluído num populismo mascarado de new socialismo, o mesmo povo que saía às ruas para protestar contra corruptos e capitalismo mas que não deixaria de votar jamais em quem lhes garantisse poder de compra e um tão invejado cargo em qualquer uma das inchadas instituições públicas, e era por isso que Lolita não cria naquele povo, povo que condena e faz igual, por vezes até pior. Nunca os políticos haviam representado tão autenticamente os seus eleitores, ali estava a razão do nível da atual campanha eleitoral. Decidir em quem ou como votar era para Lolita uma triste decisão, e era obrigatória.
Muita coisa estava em jogo: meia década no poder e o povo que seguisse sustentado o sistema dos “mais iguais” e sentindo-se bem em seu posto de excluído num populismo mascarado de new socialismo, o mesmo povo que saía às ruas para protestar contra corruptos e capitalismo mas que não deixaria de votar jamais em quem lhes garantisse poder de compra e um tão invejado cargo em qualquer uma das inchadas instituições públicas, e era por isso que Lolita não cria naquele povo, povo que condena e faz igual, por vezes até pior. Nunca os políticos haviam representado tão autenticamente os seus eleitores, ali estava a razão do nível da atual campanha eleitoral. Decidir em quem ou como votar era para Lolita uma triste decisão, e era obrigatória.
Os bajuladores
tiveram de voltar a seus assentos para o procedimento de decolagem, e nesse
momento o velho político aproveitou para puxar conversa com a única passageira que parecia ignorá-lo:
—Está indo para São
Luís?
Ela assentiu
indiferentemente com a cabeça e soltou um resmungo de confirmação:
—Hum.
—É de lá?
—Hum.
—Mora em
Brasília?
—Hum.
—Por quê veio
para cá?
—Por que na minha
cidade não há oportunidades para quem se qualifica, por isso somos obrigados a
buscar essas chances em outros lugares. —Lolita falou sem pausa e sem olhar
para a cara do parlamentar, o ódio borbulhando no estômago enquanto mordia a
língua: “Filho de uma rapariga, tu não sabes que por conta da roubalheira tua e
de teus pares é o Maranhão um dos estados mais atrasados de todo o país?”
—Trabalha onde?
—Numa empresa
privada.
—Posso saber para
quem vai seu voto?
—O voto é
secreto. Desculpe, mas estou querendo ler o jornal.
— Não, eu
perguntei porque...
A essas alturas o
avião já havia decolado, o aviso de apertar os cintos estava apagado e os
bajuladores voltaram a rodear o político super-star.
Lolita pensou nas moscas que sugam a cloaca e sorriu para si, enfiando mais
ainda a cara na lama do jornal.
Passado algum
tempo, o burburinho era tanto que Lolita chegou a sugerir trocar de lugar com
qualquer dos bajuladores, mas não foi necessário porque o avião entrou numa
zona de turbulência e todos os passageiros foram obrigados a voltar para seus
assentos, com a maior urgência.
Foi coisa de
segundos e máscaras de oxigênio despencaram. Eram gritos por todos os lados e objetos
de lá pra cá, aqueles cujos donos não tiveram tempo de guardá-los antes da
ordem do comissário. “Tem gente que pensa que só cai o avião alheio” e Lolita
não se surpreendeu com esse pensamento, pois ainda que ela não sobrevivesse,
sentia-se livre das obrigações daquele circo eleitoral. Lamentou a perda do
homem alheio e sorriu pensando no senador.
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Escrevi, escrevi escrevi e não postou nada!!! hahahahah. Bom, resumindo o comentário invisível: Gostei muito Helena, pena que são tão poucas Lolitas em nosso país. Esse pensamento não se refere somente ao MA, mas a todos os estados do Brasil. Beijos querida
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