Por Michele Calliari Marchese
Esse causo aconteceu num agosto ventoso, em que
os homens tiveram que deixar seus chapéus em casa para não terem que sair
correndo atrás deles pelas estradas.
Na Campina havia muitos rumores a respeito de
que o padre Dimas teria que fazer uma longa viagem até a capital para receber
algum tipo de voto que ninguém sabia ao certo o que era, mas a viagem por si
só, fez com que o povo arrumasse o galpão lá da Igrejinha Amarela para
despedir-se temporariamente dele. As mulheres grávidas queriam que ele
batizasse os nascedouros antes de partir, com eles ainda no ventre e com nomes
que daria para trocar caso fossem de outro sexo ao nascer. Os noivos queriam
casar e os doentes queriam a extrema unção, mesmo que ficassem sãos, porque,
pensavam eles “a bênção do padre Dimas é que nem a mão de Deus”.
A despedida foi coroada com muito vinho,
bênçãos, casamentos, extremas unções, só não houve batismo no ventre porque o
padre achou um disparate. Montaram um confessionário na cancha de bocha para os
mais pecadores e o padre atendeu todo mundo. Já era noite escura quando pegou
seu cavalo, as provisões que as mulheres prepararam e foi embora.
Aconteceu que, chegando em Cruzeiro do Sul, o
padre Dimas foi abordado por um jagunço foragido do Paraná. O jagunço que era
conhecido por Nino deu um pranchaço de facão numa das pernas do padre que se
desequilibrou e acabou caindo desmaiado do cavalo. O Nino pegou tudo, até as
roupas paroquiais e seguiu fugido em sentido contrário, parando só quando o
cavalo não pôde mais andar e adentrou nos matos para descansar e comer o pouco
das provisões que tinha roubado do pároco.
O Nino ficou acampado por algum tempo e resolveu
continuar na fuga, pois queria voltar ao Paraná para ver a mulher e os filhos e
depois seguir para São Paulo. Avistou a Campina e resolveu vestir a roupa do
padre, pois seria muito mais fácil ele ficar alguns dias na cidade vestido como
tal do que vestido como jagunço. Guardou o facão e a garrucha escondidos na sela
do cavalo e arriscou um sorriso.
Aconteceu que, com todo aquele vento a estrada
estava coberta pela nuvem de poeira densa e alta, formando redemoinhos onde
havia o descampado da entrada da cidade, perto do Posto Militar, e o Nino
apareceu no meio daquela nuvem de poeira como se fosse numa entrada triunfal e
a batina subiu-lhe pelas costas cobrindo parte da cabeça deixando a visão
assustadora, ainda mais que quem viu, reconheceu na hora o cavalo do padre.
Muitos fugiram e algumas mulheres desmaiaram no
meio do caminho, mas ninguém foi capaz de parar o cavalo do padre e seu
cavaleiro irreconhecível. Tampouco os milicos que pálidos, correram para dentro
do posto e se puseram a rezar.
O Nino que não via nada por causa da poeira nos
olhos seguiu a esmo até que o cavalo — acostumado com o padre — parou em frente
à Igreja e diante dos olhos estupefatos da população. Foi o barbeiro que teve a
coragem de verificar se era alma penada com espora na bota ou o padre Dimas
retornando da viagem. E quando o rosto do jagunço ficou a descoberto, a
população tratou de prendê-lo imediatamente numa gaiola de pau de guamirim
pendurada numa árvore.
Só sairia dali se contasse onde estava o Padre
Dimas.
E todo dia, quando alguém levava comida e água
para o preso batia na gaiola e pedia: “Onde está o Padre Dimas?”. E o Nino
respondia, todo dia: “Eu não sei.”
E assim os meses foram passando, ninguém
aguentava mais os excrementos a céu aberto do preso e o povo, órfão de padre,
esperava o substituto para batizar os nascedouros, casar os noivos, benzer os
doentes e rezar as missas atrasadas. E o Nino — quase enlouquecendo — pendurado
na gaiola sempre com alguém a lhe perguntar: “O que você fez com o Padre
Dimas?”
Aconteceu que no Natal daquele ano, quando
estavam todos na igreja; quando a Campina não tinha mais esperanças de que
algum padre viesse rezar a Missa do Galo, o Nino começou a gritar
desesperadamente da sua gaiola: “Eu sei onde está o Padre Dimas, eu sei onde
ele está. Tirem-me daqui!”
Todo o povo correu para fora da igreja a ter com
o Nino que apontava histericamente para os fundos da igreja e quando todo mundo
se virou para olhar para lá; apareceu então o padre Dimas exatamente à meia
noite, encharcado pela chuva intermitente, uma barba de semanas e de cavalo
novo.
Adentrou o átrio dizendo: “Estou vivo, soltem o
bandido.”
E assim, sem mais nem menos começou a Missa do
Galo.
O Nino foi solto pelo acordo que tinham feito;
esperou que todos entrassem na igreja para a Missa, roubou o cavalo novo do
Padre Dimas e fugiu para o Paraná.
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E lá ficou o Padre Dimas sem seu cavalo novo!
ResponderExcluirFazer o que, né Lu? Problemas de comunicação e de acordos mal feitos... como sempre! hahahah beijos
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