Por
Michele Calliari Marchese
Esse
causo aconteceu na Campina da Cascavel, deveras distante de tudo, poderia dizer
que é um Universo único, dada a quantidade de causos sem explicação e
misteriosos que acontecem por essas bandas.
Esse causo é muito verídico e ainda
assombra a cabeça dos envolvidos. Aconteceu num dia muito bonito em que o povo
da Campina festejava o Dia de Nossa Senhora.
As mesas arrumadas, as mulheres
conversando, os homens assando a carne e as crianças brincando.
O pessoal montou meio às pressas várias
patentes para o uso durante o dia. Eram feitas de madeira, tiradas dali mesmo
do meio do mato. Algumas estavam apenas amarradas e outras tinham pregos para
susterem-se no chão de terra batida. Fizeram três para cada, masculino e
feminino.
E tudo transcorria bem, até que o
sino da igreja badalou sete vezes anunciando as sete horas da noite. O Padre
Dimas ficou preocupado, pois que era só ele que tinha as chaves para chegar até
o sino. Resolveu correr até lá e ver quem tinha badalado e constatou muito a
contragosto que a porta de acesso estava trancada e com o cadeado exatamente
do jeito que ele tinha deixado há algum tempo atrás.
Foi quando escutou muitos gritos e
todos vinham correndo em sua direção. Diziam coisas sem nexo e uma das mulheres
enquanto corria erguia a camisa para mostrar alguns arranhões vermelhos em sua
barriga. Chorava muito essa mulher e estava visivelmente transtornada dizendo
que tinha alguém ou alguma coisa que a agrediu na patente.
O Padre tentava a todo custo acalmar
a mulher quando ouviram um barulho muito forte vindo de lá e muitos gritos.
“É o tinhoso, é o demo”, gritavam e mais apavorados ficavam
os que ouviam e não tinham coragem de acudir.
Muitos homens armaram-se de paus e
pedras para defender a pobre gente, mas não tinham brio de sair de perto do
padre. Quem teve presença de espírito para ver o que estava acontecendo foi o
barbeiro, que, com a sua contumaz frieza pegou um pedaço de pau, enrolou sua
camisa nele e tacou fogo.
Dirigia-se ao local enquanto
escutava atento o povo dizendo que tinha visto o belzebu. Com certeza absoluta!
Alguns tinham visto em detalhes e outros tinham sentido até o cheiro.
O Padre colocou todo mundo dentro da
igreja e puseram-se a rezar e a acender velas e lampiões. As crianças choravam
um choro estridente e gritado, deixando a coisa mais assustadora ainda.
O barbeiro que não acreditava que o “coisa
ruim” apareceria na Campina, foi pé ante pé, num silêncio muito seu e estacou
em frente às patentes. Rezou uma reza que sua ama de leite tinha-lhe ensinado
na infância e abriu uma a uma das portinhas. Fora a fetidez típica do local,
não viu nada além de alguns tamancos esquecidos na pressa da fuga.
Botou uma pedra de encalço em cada
portinha e ficou ali de tocaia, olhando o nada e sentindo o cheiro nauseabundo
da fossa.
Foi quando todos ouviram o sino badalar
mais uma vez as sete vezes; e quem estava dentro da igreja tratou de fugir
desesperadamente para as suas casas e o Padre para o meio do mato atrás do
barbeiro.
O barbeiro achando tratar-se do
padre a badalar, como um sinal que ele pensou ser um aviso, resolveu por conta
atear fogo nas patentes. E assim o fez.
O padre quando viu o fogo alto vindo
da direção do barbeiro e das patentes, deu meia volta e correu para a primeira
casa que apareceu na sua frente. Muito assustado e quase tendo uma síncope,
ajoelhou-se com a família da casa ali mesmo no chão da varanda e começou a
rezar uma reza em favor dos mortos, pois que não vinha nada na sua cabeça a não
ser isso.
Estavam muito compenetrados, quando
o barbeiro apontou à vista da casa sem a tocha e muito enegrecido de fuligem. E
todos desabalaram em correria, pois acharam tratar-se do próprio diabo
aparecendo em corpo, alma e calças compridas.
Teve que ter grito do barbeiro
dizendo quem era para que a turba aquietasse os ânimos, e quando todos chegaram
perto o barbeiro disse que ao sinal do padre — aquelas sete badaladas — tinha
tacado fogo nas patentes e que jurava por todos os santos que conhecia que não
tinha nada por lá. Que era invencionice do povo.
O povo se ofendeu e mais ainda a
mulher arranhada que não se conformou com o veredito do barbeiro. Este disse a
todos que havia alguns pregos mal pregados e possivelmente ela havia se
arranhado ali.
“E quem badalou o sino?”
Perguntaram. “Foi o padre.” Respondeu o barbeiro.
E o padre, olhando para a igreja e
em seguida para o barbeiro e depois para o povo disse:
“Eu não badalei o sino, vamos todos
lá ver.” E foram todos atrás do padre que tirava de dentro do bolso da batina
um molho de chaves que não serviu nenhuma no cadeado e que o vizinho arrebentou
a machadadas. Subiram às cegas e lá não encontraram nada além do sino inerte e
do vento que assobiava em algum lugar por ali.
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