Por Michele Calliari Marchese
O Causo do
Alcides
Sempre se
fala de causo de cemitério e todas essas coisas relacionadas com os mortos.
Acontece que ninguém dá muito crédito para essas histórias, mas elas são verídicas
porque foram contadas para os filhos e aos filhos dos filhos.
Esses causos
aconteceram um de cada vez em intervalos de alguns anos, e é por isso que não
se deve ir ao cemitério sozinho de noite, ou com a cabeça já cheia de medo e
pensando bobagem quando se entra lá.
O primeiro
causo aconteceu com o Alcides.
O Alcides
tinha saído de manhãzinha numa sexta-feira para ajudar o vizinho arar as terras
para plantar milho e mandioca. Passaram o dia na lida e o vizinho convidou o
Alcides para jantar por lá mesmo, antes de ele ir para casa. Ele aceitou e
depois da janta foram para o porão jogar canastra e experimentar o vinho tinto
que o vizinho tinha feito.
Estavam lá, do lado dos mastel quando o Alcides se
deu conta da hora e foi embora cambaleando.
Acontece que
para chegar à casa do Alcides, é necessário passar pelo cemitério, e bem na
hora que ele estava passando, caiu uma tormenta do cão. Não pôde fazer nada a
não ser entrar no cemitério para se proteger da chuva. Andou no escuro até que
encontrou uma tumba aberta no lado, e se enfiou lá dentro.
Alcides
dormiu.
Na manhã
seguinte – sábado de finados – as beatas do apostolado da Campina, resolveram
ir mais cedo ao cemitério para acender as velas da Cruz Mestra e esperar o
padre. Enquanto acendiam as velas elas começaram a rezar a ladainha de Nossa
Senhora. E estavam muito compenetradas no serviço.
Alcides -
que estava dentro da tumba que era próxima à Cruz Mestra - acordou com o
zumzumzum da reza e do risc-risc dos fósforos. Viu que era de manhã e que tinha
parado de chover. Saiu do túmulo com os pés por primeiro e foi se arrastando
para fora. Quando estava quase todo o corpo para o lado de fora, as beatas o
viram e acharam que se tratava de algum morto porque então começaram a gritar e
a ter ânsias de desmaio.
Elas saíram
correndo muito rápido com as saias enroscando nos calcanhares, perderam os
tamancos de tão desesperadas que estavam, e quando Alcides gritou pela terceira
vez “espera”, a Dona Elsa teve um infarto fulminante.
O padre
Dilso que estava vindo, encontrou com as beatas vivas no caminho, imediatamente
mandou chamar o barbeiro para carregar a morta (ninguém ainda sabia da Dona
Lucia) e o delegado para prender o Alcides.
E no sermão
daquele dia, o padre disse mais uma vez que não é para ninguém ir sozinho no
cemitério, porque se não morria, podia matar alguém.
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