quarta-feira, 3 de maio de 2017

Um jogo e nada mais

Por Michele Calliari Marchese

Saíra com as amigas para um lanche, porém uma delas propôs a ida ao ginásio de esportes onde aconteceria a final de futebol no campeonato municipal. Foi a contra gosto, pois jogos de futebol não eram o tipo de entretenimento de que gostava e pensando no assento frio de cimento a lhe congelar os ossos suspirou numa negativa veemente que não foi aceita em hipótese alguma pelas outras. “Vamos lá, então”, disse ela numa resignação de dependente sofrida.

Sentou no piso de cimento muito frio enquanto as outras riam os risos da felicidade e então entrou em campo o time para o qual iriam torcer e suas amigas levantaram num ímpeto a saudar os competidores e ela olhou – sentada – pasma que quem jogava era um namorico da amiga e entendera o óbvio. Olhara também a camisa dezessete e quem a vestia. Quem era aquele, pensou e pensou também que o mínimo que poderia fazer era bater palmas se eles marcassem algum gol, se marcassem.

O camisa dezessete se posicionou em campo e o namorado da amiga acenava para ela do banco de reservas, decerto nem jogaria e aquela apaixonada estava ali a torcer para um jogador sentado. Seriam os minutos mais longos de sua vida, passando frio e tiritando os joelhos numa posição incômoda e ainda com fome. Nem deveria ter saído de casa e numa roubada de bola o camisa dezessete a olhou. Assim, de relance, durante o lance, muito rápido e ela virou-se para trás para encontrar a destinatária daquele olhar duro, de homem que observa tudo, e não havia vivalma atrás de si, pois sentaram nos fundos, encostadas à parede. Ficou inerte com a surpresa.

Endireitou o corpo e prestou um pouco mais de atenção ao jogo e não aos vendedores de lanches que insistentemente passavam por ali e o camisa dezessete marcou um gol que a fez bater as palmas que tinha se proposto e quando ele abraçou os colegas olhou para ela novamente. Muito rápido, um olhar penetrante e se ela tivesse piscado jamais saberia que ele a tinha visto.

Ficou cuidando para que não fosse algum afeto das outras amigas e aquele número dezessete pipocava dançando o jogo à sua frente e a olhava muito rapidamente como se ela fosse parte daquele jogo de quadra, que estava ali participando com ele numa vida partilhada há tempos. Pigarreou e pediu os nomes dos jogadores para aquela namorada cujo jogador estava apoiado no cotovelo sentado no banco de reservas e ela foi numerando e nomeando cada um e não disse quem era o camisa dezessete. “Não sei, não conheço”.

Acabou o primeiro tempo e iria ao banheiro, pois com aquele piso frio não havia bexiga quente que aguentasse mais cinco minutos, e porque não saíra antes, pensou, que graça havia num jogo de futebol e ergueu as sobrancelhas imaginando que o ato de boicotar o banheiro se dava em relação ao camisa dezessete. Oras, pensou, que bobagem. Quanta bobagem! Se pudesse iria embora assim que lavasse as mãos na pia, mas encontrou-se arrumando os cabelos e ajeitando as blusas pelo corpo. Passou a mão na testa para afugentar todos os possíveis pensamentos de que alguma coisa estivesse acontecendo na cabeça daquele jogador que a olhava no meio de uma multidão de pessoas sentadas e outras tantas em pé. Olhou-se no espelho já carcomido e esfumaçado pela umidade. Olhou-se com atenção e foi atropelada pela entrada de um grupo de adolescentes que bloqueou provisoriamente os pensamentos que estavam começando a pipocar em sua cabeça de mulher só.

Saiu a passos lentos entre o ir embora e o ficar e foi quando ouviu o apito de algum torcedor incauto que achou que o segundo tempo começara e estaria perdendo o jogo do camisa dezessete e se deu um soco no lado da perna se perguntando como ficara desse jeito com meia dúzia de olhares daquele dezessete. Ele era bonito de fato. Mas só isso. Seu olhar penetrante, duro, viril, olhar de homem que cuida a companheira por amor. Mas o que era aquele pensamento? Sacudiu a cabeça e sentou ao lado da amiga cujo namorado permanecia sentado e rindo com os amigos no meio da quadra do ginásio.

Aquela camisa dezessete estava procurando alguém, ela percebeu, e quando os olhos dele pousaram nos olhos dela ele pôde conversar com o treinador e pareceu-lhe que estava aliviado com a presença dela.

Recomeçou o jogo. E ela já torcia contidamente para o time até que outro gol fora marcado e então sucedeu muitas trocas de jogadores até que o dezessete sentasse no banco, pois a partida ganha garantia aos reservas o direito da titularidade. Soou o apito final. Muitos gritos, exultações e uma estranha presença ao lado dela, o camisa dezessete foi junto com o namorado da amiga festejar o título de primeiro lugar.

Enrubesceu de tal forma que tirou o casaco pesado de lã e levantou-se num ímpeto a estender a mão para aquele homem e apresentar-se rapidamente e ouviu o nome dele como um conto de fadas e sabia que poderia ser uma loucura o que fazia ali, tendo a mão presa pelo camisa dezessete a lhe puxar para fora do ginásio sem dizer nada.

E ele lhe disse tudo e ela não lhe disse nada. Saíram pela rua de mãos dadas como se fossem antigos amantes a se conhecerem entre um gol e outro e sentiu a mão em suas costas que afagavam amorosamente os ombros da própria estupefação da vida.

Casaram-se um mês depois, tiveram três filhos e hoje têm netos a lhe rodearem a vida nos ginásios de esportes.




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