Por Michele Calliari Marchese
Estive às voltas com o livro “1434” de Gavin Menzies. Além de recomendar
a leitura, recomendo que abram a mente antes de ler, pois a infinidade de
explicações complexas sobre como os chineses descobriram as latitudes e
longitudes para nortearem-se ao mar é de tirar o fôlego.
Uma das coisas mais impressionantes é a riqueza dos detalhes
cartográficos chineses e de como, naqueles tempos, os únicos que sabiam que a
terra era redonda eram eles, elaborando um minucioso mapa múndi, redondo, é
lógico, para presentear os soberanos europeus em troca de alguns míseros
trocadinhos anuais. Coisa impensável nos dias de hoje.
Lá, naqueles lindíssimos mapas, aparece nosso país, cujo nome
europeizado era “Brazilis”. Então
Ilha de Vera Cruz, Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz do Brasil e etc., que, segundo
o livro, é tudo invencionice de Portugal para dizer que conseguiram descobrir
alguma coisa. Estão tentando modificar a história mundial dentro em breve e
torço para que consigam logo, para que as próximas gerações saibam a verdade
sobre os descobrimentos.
Dentro da fertilidade da minha massa cinzenta ousaria dizer e afirmar
que a Campina da Cascavel também foi descoberta pelos chineses lá pelos idos de
1313 quando a frota do impiedoso Zeng He já circunavegava os mares. Creio que
uma de suas embarcações sofreu com algum cataclismo exacerbado e impossível,
fazendo com que ondas de mais de mil metros de altura e velocidades enfartantes
erguessem a nau chinesa, fazendo com que o junco chegasse são e salvo aqui, na
Campina da Cascavel. Esse imenso navio que abrigava mais de três mil homens e
outro tanto de concubinas aportou ali, próximo à Femi.
Ficaram deveras extasiados com a natureza nauseante de nossos lindos
bosques e terras produtivas. Desmancharam a nau para construírem casas, pois
sabiam de antemão que se encontravam a quilômetros e quilômetros de distância
do mar e naquela época não existia celular para pedirem socorro. Em seguida
executaram os funerais tradicionais daqueles mortos em combate com o mar ou que
não resistiram à dura empreitada de serem arremessados cruelmente por sobre
imensidões de terra. Foram dias tristes.
Porém, como todo mundo sabe, as cascavéis da Campina da Cascavel
mostraram suas pegajosas e venenosas entranhas naquele universo chinês abortado
sem dó nem piedade para levar outros tantos homens e mulheres para morrerem à
míngua. E elas sumiram depois de picarem essa gente estranha e alheia; eu,
particularmente, nunca vi uma por aqui ou soube do aparecimento de alguma. Creio
que elas duraram até o aparecimento dos índios que aqui se instalaram.
Os chineses remanescentes tomaram
por esposas as concubinas destinadas aos soberanos europeus para constituírem
famílias, porém acredito que muitos entre si eram parentes e assim sendo as
relações eram estéreis.
Com os mortos no imbróglio e outros por veneno, outros ainda por
disputas internas de poder e mulheres, foram-se matando um a um, chegando
talvez a uma população de no máximo trezentas pessoas. Os juncos apodreceram no
primeiro dilúvio que registraram em seus diários de papiro, porque infelizmente
eles não conheciam as intempéries de nossa cidade e não basta ser chinês, tem
que ter brio para viver aqui. Os poucos filhos nascidos dessas relações morriam
em seguida por não terem condições de alimentação; seus víveres de outrora
foram arremessados pelo vento inclemente de um dos primeiros vendavais que eles
presenciaram agarrados e amarrados em tocos de árvores para não saírem voando e
tenho certeza que muitos deles se aventuraram nesse pormenor, achando que a
velocidade daquele vento os levaria de volta à pátria amada. Nunca se soube
deles, se chegaram ou não ou se caíram por terra em Abelardo Luz ou Bom Jesus.
Muitos anos depois a população estaria reduzida a míseros vinte capacitados
para viver nesse solo primaveril utilizando-se de tudo o que encontravam para
poder sobreviver e tinham – tenho a certeza – dentro de si a calma e tranquila
esperança de serem encontrados algum dia por algum forasteiro conquistador e
explorador, podendo ser de qualquer nacionalidade, já que naquela altura do
campeonato os borrachudos deixavam chagas purulentas que não tinha espaço para
predileções de salvamento.
Nesse ínterim aparecem os caingangues, bravos guerreiros indígenas que
chegaram chegando, empunhando machadinhas e pedras pontudas gritando num
dialeto inverossímil que se rendessem em paz, matando primeiramente as
cascavéis depois esfumaçaram com um pestilento remédio os borrachudos e
fincaram o primeiro pau da oca bem onde o junco antes altivo e predador havia
atracado por algum motivo que nenhum dos sobreviventes lembrava mais e nem
tinham como dizer isso para aqueles selvagens que pinicavam suas costas para
fazê-los reféns e por fim, incorporaram-nos à aldeia.
É isso. E é esse triste presságio secular que nos tirou dos mapas múndis
em 1400 e onde antevejo em sonho e em letras góticas, pontuando na cartografia
o que jamais aconteceria: “Ultimum
Refugium Venenata”, referindo-se à nossa gloriosa Campina da Cascavel.
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