Por Osmar Pedro Calliari*
Nos idos de 1920, Anacleto Piemont possuía um sítio às margens do riacho que hoje conhecemos por Rio Xanxerê. Fazia roças e criava galinhas e porcos, que lhe davam uma renda extra, já que sua principal ocupação era agrimensura. Uma ou duas vezes por mês, em dias marcados, fazia escambo de seus produtos com outros na vila sem nome, junto ao destacamento militar, que depois passou a chamar-se Xanxerê, por conta da exclamação de um roceiro indígena ao avistar uma “senhora” cobra, que nem cascavel era, era jararaca. Organizado, Piemont notava que seu plantel de galinhas diminuía dia a dia, juntamente com a produção de ovos, sem uma causa explicável. Cada vez mais preocupado, ficou atento, e mantinha sua “trabuzana” 28, dois canos, trazida da Itália, sempre à mão. Certo dia, puxando água do córrego para suas criações, viu um enorme lagarto na beira do riacho, que, com muita agilidade, pulou na água e desapareceu. Matutou consigo mesmo que talvez fosse esse bicho a causa do sumiço de suas galinhas e ovos. A situação piorava e Piemont resolveu tomar atitudes mais drásticas e, entre uma tarefa e outra, permanecia de vigia com sua 28 ao ombro. Alguns dias depois, ao alvorecer, foi fazer sua ronda de costume e percebeu, por entre o capim, o que parecia ser um anão nu, espreitando para dentro do cercado das galinhas.
–Ei!– gritou –Parado!
Correu
ao encontro do estranho, de arma em punho, disposto a tirar a limpo aquela
situação. Num relance, o vulto de anão pôs-se a correr, e Piemont foi atrás. Pareceu-lhe
que aquilo, que ele julgara ser um anão, foi se transformando num enorme
lagarto. Seus olhos estariam a lhe pregar uma peça? Ou era a folhagem das
capoeiras? Ou era porque o lusco-fusco da alvorada lhe toldava a visão? Não perdeu
tempo em raciocinar. E só pensava em dar um fim àquele larápio. Não vacilou, e
assim que teve o lagartão enquadrado na mira de sua arma, puxou o gatilho, mas
na correria, o disparo não foi preciso, e o chumbo atingiu apenas a parte
posterior do bicho, que, mesmo assim, não perdeu a rapidez e indo em direção ao
rio jogou-se de pronto na água. O perseguidor parou na beirada e ficou
observando o animal vadear o rio, submerso. Atirar ali seria desperdício, pois
a água deforma a visão, como também reduz o impacto. Esperou ele sair do outro
lado da corrente para agir, mas o que ele viu, deixou-o estarrecido, pois assim
que o lagarto reapareceu do outro lado, transformou-se novamente em um anão,
que foi aumentando de tamanho vagarosamente. Piemont não esperou para saber
quanto ainda cresceria e, alarmado, num
décimo de segundo levantou a arma, fez pontaria e disparou. Quando a fumaça se
dissipou e ele pôde firmar a vista, nada mais viu, e nada mais se mexeu à sua
frente. Mesmo tendo procurado por um bom tempo não encontrou vestígios nem do
lagartão, nem do anão. Constatou dias depois, muito contente, que o sumiço da
criação havia cessado, e concluiu que tinha resolvido o problema, e não mais se
preocupou com o ocorrido. Passado algum tempo, e estando na época de novos
negócios junto ao destacamento militar, Piemont para lá se dirigiu como de
costume. Encontrou-se com um velho amigo de nome Hizet, que curiosamente
apresentava grande mancha no lado esquerdo da face, e mancava levemente da
perna direita. Inquirido sobre aqueles ferimentos, alegou ter caído quando
consertava seu paiol, nada mais dizendo, e trocando de assunto se afastou
rapidamente. De volta a sua casa, Piemont ficou matutando até tarde da noite
sobre aquele encontro, e num lampejo, ligou aqueles ferimentos de Hizet, com os
ferimentos a tiro que tinha causado naquele larápio de suas galinhas. Seria
possível tal ligação? E definitivamente perdeu o sono o resto da noite. Cedo,
no dia seguinte, selou o cavalo, carregou sua 28 dois canos, e foi até o sítio
de Hizet, disposto a resolver aquele enigma. Porém, para sua surpresa, o lugar parecia
abandonado e deserto, e nem sinal do seu vizinho, apesar de tê-lo procurado e
chamado insistentemente. Então as suspeitas começaram a martelar seus
neurônios. O lagarto, o anão, e Hizet seriam o mesmo ser? Como seria isso
possível? Seria um ente de outro mundo? –Pensou estar ficando louco. Obcecado
com aqueles acontecimentos, inquiriu sobre Hizet a todos que encontrava. Não,
ninguém o tinha visto nos últimos dias, nem sabido nada sobre seu destino. Piemont,
mesmo tendo vivido por muitos anos ainda, jamais esqueceu aqueles fatos, como
jamais obteve uma resposta convincente para os mesmos.
*Este e os demais contos da série "Histórias para sempre lembrar" foram escritos por Osmar Pedro Calliari, pai da nossa querida Michele Calliari Marchese. Ele partiu ainda muito cedo, deixando um vazio que jamais poderá ser preenchido. Publicar aqui alguns dos textos que ele deixou escritos é uma forma de homenageá-lo e tê-lo sempre presente, porque enquanto houver memória haverá vida, História e histórias para contar.
© 2017 Blog Sem Vergonha de Contar - Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do(a) autor(a).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Caro(a) Leitor(a), comentários são responsabilidade do(a) comentarista e serão respondidos no local em que foram postados. Adotamos esta política para melhor gerenciar informações. Grata pela compreensão, muito grata por seu comentário. Um abraço fraterno, volte sempre!