quarta-feira, 27 de julho de 2016

As chuvas de fevereiro


Por Michele Calliari Marchese

Caros leitores, esse texto não reflete os acontecimentos das últimas chuvas que caíram intempestivamente na Campina da Cascavel. Não! Não é de hoje que os aguaceiros infelizmente dão as molhadas caras por aqui; inclusive em idas épocas, levou o marido bígamo da Dona Silvia, para alegria dela e comoção do povo.
Os dilúvios acontecem por algum efeito premonitório das brisas e ciclones desconhecidos que assolam nossa pacata cidade. E é uma pena que hoje em dia não temos mais a presença do coveiro que sabia interpretar tão bem o que os ventos diziam.
Aconteceu em 1942. Nessa época, o então presidente do Brasil, Getulio Vargas acabou participando da Segunda Grande Guerra Mundial e num apelo ao patriotismo exacerbado e incitando com sua voz autoritária e simpática, o povo brasileiro para lutar contra a Alemanha nazista e a Itália fascista.
No rádio do Seu Aderbal da vendinha, inúmeros homens paravam para escutar as notícias e a convocação. Muitos sentiram aquele ímpeto de lutar e empunhar armas, porém mal chegavam em casa eram impedidos cruelmente pelas esposas histéricas ante a notícia da partida do marido amado. A maioria não pôde sequer alistar-se de maneira adequada, pois era grande a choradeira das mulheres e das crianças da Campina.
Porém, cinco bravos homens xanxereenses conseguiram realizar o alistamento às escondidas, na calada da noite. Na manhã seguinte ameaçou chover, e esses cinco soldados receberam fardamento e passagens para chegar até o nordeste do Brasil. Seria uma grande aventura não fosse o dilúvio que desabou assim que eles terminaram de se vestir. 
Saíram debaixo de uma chuva torrencial e medonha, o rio já estava acima do seu leito normal e se via somente aquele bando de milicos andando com pressa, parando de pouco em pouco para verem por onde pisavam. Na saída da cidade havia um caminhão esperando-os e tão logo subiram na carroceria, partiram para o tão sonhado destino bélico.
Mas, por uma das tão conhecidas agruras que acontecem aqui e não acontecem em nenhum outro lugar, o caminhão ficou ilhado em Cruzeiro do Sul, não sendo possível seu prosseguimento até a capital, de onde partiriam para o nordeste. Pois bem, aquele quinteto que nunca negou suas raízes, pegou um barco para seguir seu curso o mais longe que poderiam. De lá tomariam outro transporte.
Como as águas das chuvas inundavam pouco a pouco, a vazão não permitiu que eles chegassem às margens de qualquer lugar, indo parar na foz, no Rio Uruguai, e chovia tanto que eles resolveram deixar a embarcação seguir o curso.
Do Rio Uruguai para o Rio da Prata foi alguns dias e não parava nunca de chover e eles contaram mais de vinte dias de chuvas ininterruptas, ou assim lhes parecia.  A comida parca e o corpo sempre molhado fizeram com que adoecessem, mas seguiram adiante e conseguiram desembocar finalmente no Oceano Atlântico, só que do outro lado do país.
Foi um desespero. Conseguiram sair do barco estropiados, sem muita esperança de vida e sem entender patavina do que diziam, pois quem os recolhera falava em espanhol.
Aquela gente uruguaia acolheu os pobres soldados brasileiros com muito esmero, dando água, comida, remédios e roupas secas. Não permitiram que aqueles homens saíssem até que não se restabelecessem e em agosto daquele ano o Brasil declarou guerra e os xanxereenses não tinham chegado nem em seu destino de partida para a Itália. Tudo em vão. Imaginavam que os parentes tinham dado eles como mortos naquela que foi a pior inundação do mundo.
Em setembro conseguiram transporte para voltar ao Brasil e quando entraram num ônibus, desatou outro toró, pior do que aquele que tinham passado na travessia aquática. Foram mais de 1.300 quilômetros percorridos debaixo de água. Não pretendiam retornar da mesma forma.
Mas foi o que aconteceu.
Chegaram à Campina da Cascavel para presenciar outra enchente — três meses depois — e foram recebidos pelos familiares naufragados que os tinham como mortos e fizeram uma festa em honra àqueles intrépidos que saíram num dilúvio e retornaram em outro.

Especulações de toda sorte deram conta de que quando um filho da Campina parte para nunca mais voltar, sua terra sente uma dor igual ao de uma mãe quando perde um filho e fica chorando inesgotavelmente até que o coração se acalme. No dia seguinte do retorno dos soldados o sol raiou e iluminou a vida daquelas almas e foi tanta felicidade de nossa cidade que aconteceu a pior seca que se teve notícia. Mas essa é outra história.


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quarta-feira, 20 de julho de 2016

A dolorosa morte do Padre Dimas


Por Michele Calliari Marchese

Foi no inverno seguinte ao seu sequestro e oito meses depois da nomeação do novo delegado da Campina da Cascavel. Toda a população quando acordou, percebeu a brisa gélida a entrar pelas portas das casas e um silêncio incomum adentrava impunemente em todos os corações. Pois que muitas mulheres choravam de tristeza sem saber exatamente o porquê, e as crianças queriam ficar deitadas em suas camas, apáticas, sem ânimo para as brincadeiras ou para o estudo. As pás jaziam encostadas nos galpões, pois que não se tinha vontade do trabalho e um abatimento geral assolou a cidade. O comércio não abriu naquele dia, porque todos os comerciantes assim o resolveram sem se conversar, sem darem os costumeiros “bons dias” e sem varrerem suas calçadas. Nenhum rádio foi ligado para que a música não alegrasse as almas dos que ainda viviam, nenhuma criança nasceu, nenhuma semente brotou e as árvores não balouçavam ao sabor do vento. Os animais não saíram de seus abrigos mesmo sendo livres e não havia passarinho no céu.
Todos ouviram o que não queriam ouvir jamais: o badalar mais fúnebre do sino da igreja. E conforme ele virava em seu soar, as lágrimas caíam de todos os habitantes de nossa cidade e o som daquele dia lúgubre foi ouvido muito além do que se possa imaginar porque já havia gentes de outras cidades chegando para a última homenagem ao Padre Dimas. Autoridades da capital tiveram que sair um dia antes da morte porque todos sabiam que a bondade e a justeza partiriam da Campina da Cascavel no dia seguinte. Tropas de cavaleiros aguardavam do lado de fora da igreja, todos desconhecidos e bem vestidos para as exéquias, toda a cidade estava tomada por pessoas de outros lugares, muitas carroças cheias de gentes e se podia ouvir a lástima da população muito longe, muito além dos montes que cercam nossas casas e não houve muro intransponível que não fosse sobreposto pela chegada de mais e mais pessoas. 
O Frei Leonardo não conseguia conter a emoção daquele momento, pois sabia em seu íntimo que jamais teria o brio, a coragem e o amor do Padre Dimas pelos seus amigos crentes e descrentes. Chorava carregando uma vela e o marceneiro quase não conseguia colocar o corpo do padre dentro daquele caixão; o mais bonito que fizera na vida, fazia três meses que trabalhava naquela empreitada e deixara muitos mortos sem esquife para poder dedicar-se exclusivamente ao último descanso do amigo. Terminara naquele dia e espanara o pó do caixão exatamente quando o Padre Dimas dera o último suspiro de vida. Todos sabiam.
O velório foi rezado interminavelmente pelo bispo de Chapecó, porque Frei Leonardo não tinha nenhuma condição psicológica de fazê-lo e tampouco as beatas que não rezavam a ladainha porque ela não era dita e sim sentida pelas lágrimas das almas que sofrem a perda de um ente muito amado. Assim o foi Padre Dimas, no seu incansável altruísmo, na busca do perfeito sentido de se viver, consolando, dando palavras de ajuda e de apoio incondicional a quem viesse pedir-lhe e a quem não viesse, tinha a aura dos santos, pois que convivia diariamente com as assombrações que assolam nossa pacata cidade e não houve jagunço sem perdão, doente sem oração, criança sem batismo e bicho sem proteção. 
As estradas se fecharam porque não cabia mais ninguém na cidade e o sermão de despedida foi ouvido até o Rio Uruguai, numa transmissão etérea e sagrada, pois que tudo era transmitido de boca em boca, numa singela oração em honra ao passamento do Padre Dimas.
Mesmo com a forte comoção que todos sentiam ninguém adoeceu e o sol não apareceu, pois que o brilho dos auspícios havia partido para todo o sempre.
Frei Leonardo que encabeçou a fila da despedida. Chegou muito transtornado, olhou demoradamente para aquele rosto plácido, beijou a fronte, pegou em suas mãos que estavam enroladas no terço de todo o sempre e chorou tão amargurado que lhe doíam os músculos, a garganta, e sentiu que ali se ia um ser da maior importância, da maior cultura e de bom caráter, sempre apaziguador e que nunca desacreditou uma pessoa sequer. Aquilo lhe doía tão profundamente que não queria separar-se jamais daquele homem que fora seu pai por algum tempo e lhe dera guarida nos momentos mais tenebrosos de sua existência. Foi o Júnior que tirou o Padre Dimas do abraço apertado. Ninguém queria separar-se dele.
Inevitavelmente todas as pessoas choraram em cima do caixão. E as flores que enfeitavam o esquife abriram-se o mais que podiam, porque eram lágrimas de amor a lhe banharem os caules secos. 
Muitas cartas foram deixadas em seu colo inerte e as crianças cantavam cantigas de ninar, para que ninguém ousasse conspurcar sono tão sagrado.

Foram necessários três dias para que a última pessoa pudesse chegar até o corpo do Padre Dimas para dar-lhe comovidamente, o seu amoroso adeus.

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quarta-feira, 13 de julho de 2016

O novo delegado


Por Michele Calliari Marchese

O Jurandir ficou assustado quando recebeu uma carta, nunca tinha recebido cartas, de modo que o susto não foi infundado. A missiva vinha da capital, cheia de selos e seu nome escrito à máquina o fez cheirar o envelope. Demorou pelo menos uma hora até que a sua mulher tomou a carta de suas mãos e abriu com um rasgo impiedoso, fazendo saltar de dentro um documento coberto de assinaturas e carimbos; tratava-se da nomeação dele como Delegado da Campina da Cascavel e no verso daquela folha havia as indicações e os feitos dele como cidadão exemplar.
Fez a mulher ler inúmeras vezes, pois não acreditava no que ouvia, e procurava o seu nome no envelope e tantas vezes fez isso que fatigou de tal forma que teve que deitar no sofá, sendo assistido pelos vizinhos que já sabiam de tudo, dada a gritaria da esposa na janela, dizendo o que havia acontecido.
Muitos parabéns, apertos de mãos, beijos das mocinhas mais atrevidas e a visita incólume do Padre Dimas, acompanhado do Frei Leonardo – aquele que veio em substituição a este – que abraçou o Jurandir num agradecimento eterno pelo salvamento de sua vida. Nunca iria esquecer. E pediu que lesse aquela outra página onde havia assinado a próprio punho seu nome como pároco oficial da Campina da Cascavel e encontrou também a assinatura do Júnior, seu companheiro corajoso naquela madrugada de desespero.
Chorou reconfortado pelos companheiros e ofereceu chá e bolachas de manteiga que a esposa tinha recém tirado do forno. Os convivas ficaram na casa do Jurandir muito tempo depois. A conversa girava em torno do abandono em que se encontrava nossa linda cidade e a chegada do Frei Leonardo, jovem ainda e com disposição suficiente para as lidas sagradas.
O Jurandir, já refeito da surpresa, pegou um papel e foi anotando todas as ideias que tinha com relação à cidade e de como iria – junto com a população – empreender a segurança geral e psicológica daquela gente tão acolhedora e pacata. Comprovou que por uma sorte enviesada, naquele período que não teve delegado na cidade, nenhum jagunço apareceu, nenhuma tocaia fora feita e a única desgraça que ocorreu havia sido por causa daquele falso messias que sequestrara o Padre Dimas, sem sucesso é claro, por conta da coragem dele e do Júnior. Jurou descobrir o assassino do antigo delegado, e mesmo após a sua morte, muitas décadas depois, esse mistério nunca foi solucionado.
Olhou com enlevo para o Júnior e este ficou meio sem jeito, porque não entendia aquele olhar de piedade para com a sua pessoa e tampouco sabia o que se passava na cabeça do Jurandir.
Todos fizeram colocações a respeito da segurança e o Jurandir cansou a mão de tanto escrever, tendo como primeira atitude enviar o falso padre que estava preso na despensa da delegacia para o presídio de Curitiba e chamou o filho mais velho para que continuasse com o projeto, porém, com a letra praticamente ilegível, não foi possível ao novo delegado lembrar-se – mais tarde – do que estava escrito a partir do número cento e dezesseis.
O delegado Jurandir não via a hora de chegar à delegacia; faria arranjos, limpezas, empunharia as armas do antigo delegado com orgulho e determinação e contaria com a ajuda dos muitos amigos seus e dos defensores da lei. 
Sabia em seu íntimo que teria desafetos, como os teve o antigo delegado, mas enfrentaria com a energia moral necessária para a sobrevivência e a esse pensamento lhe doeu a bexiga e uma vontade doentia de urinar lhe fez soltar um gemido, impróprio para a pessoa do delegado – como ele pensara naquele momento de dor – mas impossível de ser contido.
Naquela época já tinha um médico na cidade e ele veio às pressas, trazido pelo vizinho do Jurandir, que achou que o homem morreria sem mesmo ter ocupado por um dia a cadeira da delegacia. O médico tratou Jurandir com as beberagens comuns naquela época e a doença urinária foi contida e em momentos de paz e harmonia social nunca incomodou, porém jamais foi curada em sua plenitude e isso o delegado Jurandir somente descobriria quando acontecesse alguma coisa insólita na Campina da Cascavel.

E então, a partir de 1939, o delegado Jurandir, Frei Leonardo e o Júnior – o filho do tabelião – juraram em praça pública, perante uma multidão, “que estariam ali para assegurar o povo e trazer tranquilidade às casas de família, aos sozinhos e abandonados e a todos os que fizeram dessa nossa terra, seu chão permanente de vida, crescimento e amor.” Trecho do discurso de posse do delegado Jurandir naquele dia primaveril. 


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quarta-feira, 6 de julho de 2016

O Messias


Por Michele Calliari Marchese

Esse causo aconteceu quando o padre Dimas já estava bem velhinho e aguardava a vinda de um novo pároco para substituí-lo na lida divina. Esperava aposentar-se ainda naquele ano –faria 95 anos em setembro–, tinha planos de somente atender a população que precisasse de palavras de consolo. 
No começo de uma tarde qualquer, bateu na sacristia um homem que trajava roupas pretas desbotadas, uma barba de semanas a esconder-lhe o sorriso sem alguns dentes e um olhar sem viço, sem brilho; o olhar dos maus. O padre Dimas teve uma péssima impressão da visita e mais ainda quando aquele homem respondeu que estava ali a mando do serviço de Deus e que vinha para ficar. 
Convidado a entrar, o barbudo que atendia pelo nome de Izaldo, comentou que tinha que começar os serviços religiosos naquela paragem e pediu onde ficava o seu quarto para guardar os poucos pertences que trazia e que tinha fome e ansiava por um banho. Pediu ao padre que desse aquele cavalo amarrado lá fora, desse para algum vivente necessitado que fizesse bom uso do animal.
O padre acostumado com todo o tipo de embuste que assola a cidade resolveu guardar o animal em local escondido, pois que poderia ser fruto de roubo e escreveu uma longa carta para a prelazia de Palmas, onde, naquela época funcionava o bispado da região. Além dos diversos assuntos de batizados e casamentos, quis certificar-se de que o dito do Izaldo era mesmo aquele que viria a substituí-lo.
Mandou a primeira pessoa que passou por ali entregar a carta ao caixeiro viajante do Paraná que se hospedava no hotel, para que fosse entregue sem mais demora em mãos e que voltasse com a resposta.
Enquanto a carta viajava a passos lentíssimos, o Izaldo resolveu rezar a missa daquele dia da chegada, mas o padre não permitiu. Explicou que não tinha os documentos comprovando que era ele de fato seu sucessor, não que desconfiasse, mas era preciso assinar folhas e reconhecimentos. O Izaldo se ofendeu e num assomo de maldade, deu um empurrão no padre Dimas que o fez cair de costas no chão, machucando-o com severidade e impossibilitando-o de pedir ajuda a quem quer que fosse. Arrumou o padre acidentado em cima da cama, tirou-lhe os sapatos e cobriu com a coberta que trouxera de viagem, e que cheirava a suor. Ao padre Dimas somente restou-lhe chorar as dores que sentia e rezar para que alguém entrasse na igreja e solicitasse a sua presença.
Porém um entra e sai de gentes aconteceu durante muito tempo e todos pediam do padre Dimas, ao que o novo padre respondia que tinha se aposentado e ido viver no lar dos padres, no Paraná, que não se condoessem, pois ele –padre Izaldo– estava lá para livrar as almas do inferno e que se o padre Dimas não havia se despedido, era porque ele queria que fosse assim, sem despedidas, sem comoções por parte do povo.
Rezava as missas com um arrepio de felicidade.
Quem desconfiou de toda a coisa foi o dono do lugar onde estava escondido o cavalo do Izaldo. Ele sabia de tudo porque o padre Dimas havia confiado nele todas as suas dúvidas, inclusive relatou todo o teor daquela carta enviada a Pato Branco. Como a situação da Campina da Cascavel era deveras assustadora, pois com a morte do delegado, os outros que vinham para trabalhar aqui não tinham a frieza para aguentar tantos assombros e calamidades e partiam à noite como jagunços foragidos e a cidade estava à mercê de tudo e então ele decidiu chamar o filho do tabelião –já morto– e contar as coisas e interceptar aquele caixeiro viajante do Paraná que decerto traria a resposta para todas as perguntas e mais: que eles fossem, ao frio da madrugada, espreitar a sacristia para ver mais sobre aquele homem, o Izaldo.
O filho do tabelião aceitou na hora, pediu um tempo para que fosse à casa pegar a arma do pai e que logo voltaria para resolverem o imbróglio. 
De madrugada, tiritando de frio e de medo, Júnior – o filho do tabelião –e o Jurandir, aquele que escondeu o cavalo do Izaldo– foram pé ante pé espiar na janelinha da sacristia, porém estava muito escuro e não viram nada somente o breu e os vidros embaçados do calor do quarto. Já estavam assustados e ficaram ainda mais quando escutaram gemidos baixinhos. 
Não sabiam o que fazer e tomaram a resolução que acabou salvando a vida do padre Dimas; com a força que o medo embute nos músculos, Jurandir deu um pontapé e arrombou a porta destrancada. Encontraram o padre Dimas suando as dores da queda e o Júnior num ímpeto carregou-o para fora e levou-o sem mais demora à sua, onde a mulher cuidaria dos ferimentos e mandaria buscar o médico; e o Jurandir com um pedaço de pau na mão foi atrás do Izaldo que dormia placidamente em cima da mesa de altar, vestindo as roupas do padre Dimas e tinha os terços enrolados em seu rosto de doente e aquela visão quase fez Jurandir vomitar de aversão. O Izaldo acordou assustado e começou a falar coisas sem nexo, sobre a vinda de sabe-se lá quem, que ele era o Messias e outras tantas que deixaram o Jurandir estupefato.
Amarrou as mãos daquele meliante com a corda das vestes do padre e o dia raiou. Justamente quando o Júnior chegara para ajudar o Jurandir, apareceu também aquele caixeiro viajante com a carta resposta do Bispado de Palmas onde dizia não reconhecer nenhum pároco chamado Izaldo e que mandariam frei Leonardo no mês seguinte para dar sequencia ao excelente serviço prestado pelo padre Dimas à população da Campina da Cascavel.
O Izaldo ficou preso na despensa da delegacia, cuidado pelo revezamento feito entre os homens da cidade até que um novo delegado fosse nomeado e então seria encaminhado ao presídio de Curitiba, aquele, aonde o preso nunca chega. 


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