quarta-feira, 25 de maio de 2016

A trágica morte do Coronel Luis


Por Michele Calliari Marchese

O Frei Leonardo mandou que o coveiro enterrasse aquele corpo sem mais demora e que fincasse uma cruz de madeira dizendo que ali jazia o Coronel Luis. A voz do Frei rebombou naquele vazio frio do cemitério, como acontece em todas as mortes e mesmo sendo o verão mais quente de que se tem notícia; todas as mortes são frias, gélidas. Não havia ninguém por lá a não ser o Frei e o coveiro que sozinhos rezaram, acenderam algumas velas e não tinha gentes a chorar e tampouco carpideiras fazendo seu trabalho.
O corpo havia sido largado na porta da igreja. Assim, sem mais nem menos e a posição em que caíra, por ter sido jogado de alguma carroça, fazia daquele defunto uma coisa assustadora e não adiantava olhar para os lados ou tentar vislumbrar alguma poeira de fumaça que pudesse delatar a frieza da atitude de quem fizera aquilo. Não havia nada. Mandou umas crianças que estavam brincando por ali para chamarem o marceneiro, o coveiro e o Júnior – o tabelião.
Ficou de cócoras ao lado do corpo esperando que os chamados fossem atendidos e não teve nenhuma vontade de dar a extrema unção, pois reconheceu, depois de virar aquele jazido, que se tratava do Coronel Luis. 
Sem nenhum sentimento, vistoriou as roupas daquele homem findo e tirou o revólver da cinta, pois pensou que decerto para onde iria não precisaria de armas e resolveu que a daria ao delegado para que esse usasse em benefício justo e de salvaguarda. Procurou ferimentos pelo corpo porque não lhe aprazia olhar nos olhos daquele homem mau. 
Encontrou um ferimento na cabeça e teve que olhar infinitamente para aqueles olhos abertos que viram o seu assassino e que não pôde sequer abrir a boca para gritar de dor ou desferir seus costumeiros impropérios e uma visão se lhe colocou na mente quando se lembrou das inúmeras vezes em que a esposa daquele vilão vinha ter em confissão e chorava muito a pobre coitada, dizendo não aguentar mais. E se odiou quando lembrou as palavras que disse para ela, de que o casamento é sagrado e que deveríamos perdoar. 
Fez um esforço incomum para fechar os olhos daquele infame, mas a dureza do cadáver era nítida; fechou as suas pálpebras, não deveria pensar bobagens, também aquele ali era um filho de Deus, e finalmente conseguiu com as mãos trêmulas fechar para sempre aqueles olhos de cão. A ternura daquele olhar morto não condizia com o caráter rude e grosseiro.
Muitas gentes se aproximavam para ver quem era aquele deitado na porta da igreja e quando lhe reconheciam a face, suspiravam aliviados e não lhe dirigiam nenhum sinal da cruz, muito pelo contrário e teve uma moça que lhe cuspiu no rosto frio e hirsuto.
O Júnior chegou primeiro, esbaforido pela corrida e quando deu com o morto, disse ao Frei achar-se que era qualquer pessoa menos aquele ali, e que bem poderia ter esperado, e que “jagunço” era uma palavra para bandido com nome e sobrenome, aquele ali jogado na porta da igreja era disfarçado, a pior espécie de ser humano que existe, tinha-lhe asco. Mas faria os papéis com muito gosto, mais ainda por vê-lo morto e o Frei lhe chamou a atenção para que respeitasse aquele Coronel que estava ali sem defesas. “Ainda bem!” disse o Júnior e saiu para avisar a família e preparar os papéis.
Em seguida chegou o marceneiro que teve o mesmo sentimento do tabelião e disse ao Frei que faria o esquife da tábua mais grossa que pudesse encontrar para não haver surpresas depois de enterrado e que não pudesse quebrar o caixão para assombrar a vida do povo mesmo depois de morto. E o Frei pediu-lhe ajuda para levar o corpo para dentro da igreja porque provavelmente a família não tardaria em chegar.
O coveiro nem se achegou do Coronel, simplesmente entendeu o silêncio do Frei Leonardo, deu meia volta e partiu com seus apetrechos em direção ao cemitério; também ele teve uma sensação de alívio ao ver o fim das muitas maldades que eram cometidas na Campina da Cascavel, todas na surdina, todas sem provas, tudo a seu mando.
O delegado Jurandir apareceu de uma ronda que fazia e avistou o Frei Leonardo que olhava a estrada da porta da igreja, como a esperar por alguém, em seguida notou também que o marceneiro apareceu numa carroça com um caixão e ajudou-lhe a carrega-lo para dentro e depois colocar o corpo do Coronel Luis dentro. Não perguntou nada a ninguém, não precisava de respostas, já as tinha na cabeça, lamentou o fato de nunca ter tido provas suficientes para coloca-lo na cadeia do Paraná, aquela onde o bandido nunca chega.
Pediu ao Frei o que fazia ali na porta ao invés de rezar a missa e o Frei lhe respondeu que esperava os familiares que nunca chegaram e que foram vistos pelo menos mais uma meia dúzia de vezes pela Campina e depois sumiram com o horizonte e ninguém soube precisar quando.
Os bens do Coronel foram divididos entre a família, assim informou o tabelião e quando a viúva teve que assinar os papéis lhe confessou que nenhum dinheiro pagava a quantidade de sofrimento que havia passado na mão daquele diabo e que sempre temera pelos filhos. Agora estavam livres, livres e em paz.
O delegado Jurandir nunca investigou o caso para alívio da população.

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