terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Papai Noel


Por Henrique Mendes

Alguém de espírito previdente me enviou um cartão de Natal que já chegou. Por dentro há uma meia dúzia de linhas, com os melhores votos de “boas festas” de um antigo amigo. Por fora, uma imagem deliciosa dumas casinhas cobertas de neve muito branca, com meninos brincando na rua e fumaça saindo pela chaminé.
Sorrio, tocado pelo gesto desse amigo de sempre. Depois de tantos Natais em silêncio, e de tantos outros cumprimentando-me apenas por telefone, resolveu enviar-me um cartão à moda antiga, pelos correios. Reli o texto, e depois voltei à imagem.
Toda a paisagem por trás das casas é uma mata em verde escuro, onde todas as árvores são árvores de Natal, enfeitadas com bolas multicolores, estrelas e luzinhas acrescentando brilhos. Nos céus, lá ao longe, muito pequenino, vem um trenó puxado por renas, com um Papai Noel bem gordinho de braços abertos, como se quisesse, num gesto de plena alegria, abraçar o mundo.
Claro que este é um cartão igual a tantos outros, baratinho, que se pode comprar em qualquer lojinha da cidade. Mas, para mim, recebê-lo foi uma coisa muito especial, que me fez lembrar do tempo em que eu e precisamente aquele amigo que mo enviou brincávamos na porta de casa fazendo bonecos de neve e construindo trenós, que queríamos velozes —tão velozes como imaginávamos que era o trenó de Papai Noel.
Brincávamos na neve, rindo sem parar, até que os nossos dedinhos de criança ficassem roxos de frio, numa espécie de licenciosidade que mães e avós reservam a esses dias, em que a natureza se veste de branco para, mais uma vez, nos conseguir deslumbrar e surpreender.
E dentro de casa havia a lareira acesa, com a meia pendurada, a árvore de Natal cheia de luzinhas e enfeites de todas as cores, as guirlandas nas portas, com as bagas vermelhas de azevinho, as caixas dos presentes dos adultos, ricamente embrulhados, música da época, enfim, todos os detalhes que compõem a mística do Natal.
Havia aquela expectativa imensa, quase palpável, para ver se as cartas que tínhamos escrito para Papai Noel muito tempo antes, com as listas dos presentes que mais desejávamos, tinham sido atendidas —e se os presentes eram aqueles que tínhamos pedido.
De tudo isto me lembrei ao receber este cartão do meu amigo. E agora estou aqui pensando que eu mesmo ainda não fiz nada. Nem lhe mandei um cartão, nem lhe escrevi, nem lhe telefonei, enfim: nada.
Na verdade, custei a arranjar tempo para montar uma árvore de Natal em casa, para que a época não passe despercebida. Mas ainda bem que o fiz, pois este cartãozinho tão simples, que o meu amigo me mandou, veio mostrar-me como é importante cuidar destes pequenos detalhes.
É preciso mantê-los vivos para que a tradição não se perca, e perdure o costume de um dia no ano —pelo menos um dia, no ano —as pessoas olharem o mundo com mais alegria, com mais carinho, serem mais atentas aos detalhes da vida e aos outros, e desejarem-se mutuamente felicidades por se quererem bem. E, por se quererem bem, partilharem mais, dividirem melhor, não apenas os bens materiais, as coisas palpáveis, mas também a ternura e o afeto, bem como a atenção e a alegria. E se, para isso, for necessária alguma imaginação —tanto melhor.
E se ao cuidar dos detalhes e de tudo o que é necessário para conservá-los, fizermos nascer, ou até aumentarmos, o folclore que rodeia a quadra Natalina, isso será excelente. Porque isso é a verdadeira cultura, perpetuando-se, levando-nos a ser capazes de conviver com valores que, apesar de se apoiarem em sonho e fantasia, não podemos deixar nunca que sejam menos reais.
Olho novamente o pequeno cartão que recebi, meio anacrônico nos dias de hoje, meio fora de moda, mas desta vez olho-o com um novo respeito.
Talvez tenhamos de fazer algumas concessões, algumas adaptações, não sei bem.
Talvez seja difícil imaginar Papai Noel descendo pela chaminé para entregar os presentes, quando hoje moramos em apartamentos onde não há chaminés.
Talvez os meninos daqui da cidade estejam certos, quando falam das renas como sendo veadinhos. E é claro que não sentem o menor entusiasmo com o trenó, que não tem rodas e só é capaz de escorregar numa tal de neve, que nunca ninguém viu.
Talvez Papai Noel tenha de vir de charrete. De carroção puxado por bois dourados... e de bermuda, por causa do calor...
Mas, ainda assim, valerá a pena !


Nota: este texto faz parte do ebook natalino a ser lançado muito em breve no site do Projeto Quintextos.


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4 comentários:

  1. Adorei! Quanta leveza, quanta delicadeza nesse texto! Trouxe-me até uma gostosa nostalgia.

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  2. Verdade, Marco Aurélio, tive a mesma sensação ao ler este texto do Henrique, e exatamente por isso comecei as publicações natalinas deste ano do SVC por ele. Sim, uma deliciosa nostalgia. Obrigada pela companhia, Boas Festas para você e sua família!

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  3. Henrique, parabéns pelo texto suave e de leitura envolvente! Um feliz Natal para você e sua família.

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    1. Obrigado Michele Marchese. Muito Feliz Natal também, para si e para todos os seus. Parabéns pelo seu conto

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