quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

E o Natal Chegou...

Por Michele Calliari Marchese

E o Natal chegou...


... ao fim!

“Ufa!”, pensou a Dona Marta. Finalmente chegara ao fim aquela festança familiar que por um lado é bom, mas por outro lado ela não entendia muito bem o significado daquela data que com o passar dos anos acabou tornando-se um fastio. Quanta louça; olhou para a pia entupida e suspirou com as mãos no rosto. Ouvia ao longe aquela conversa ininteligível e fora interrompida de seus pensamentos quando um dos netos postou-se ao seu lado “para ajudar a lavar a louça vó”, e ela respondeu-lhe que sim bastava pegar o banquinho no banheiro que iriam começar.
Vestiu aquele ajudante com um avental que teve que ser dobrado três vezes na cintura para que o pequeno não tropicasse nele. Os pais daquela criança sentados lá fora conversando uma conversa universal enquanto a mais velha e o mais jovem trabalhando para que o dia seguinte fosse mais limpo, mais claro e mais harmônico. “Você gostou dos presentes?”, entabulou uma conversa com o neto e ele respondeu-lhe que sim apenas com um aceno de cabeça, estava muito compenetrado fazendo espuma com o detergente e apertando repetidas vezes a esponjinha sem lavar nada. E a Marta lembrou-se de seus anos primórdios e de como eram diferentes os natais de sua infância quando via a mãe trazer de dentro do quarto uma caixa com as bolas que enfeitariam uma árvore de verdade, plantada numa lata de banha e essas bolas quebravam com o mínimo esforço e novamente ouvira a voz da mãe ali enxugando as colheres da sobremesa: “cuidado com as bolas de natal, elas são frágeis e caras”, e tinham que cuidar porque quando quebravam cortavam os dedos.
Ouviu um barulho de alguma coisa caindo e correu para a sala —de onde viera o barulho —para ver o que tinha caído e sem pensamento de nada viu que o gato finalmente havia saído de seu esconderijo derrubando aquela árvore artificial sem quebrar as bolinhas inquebráveis —quanta diferença —e estava se lambendo sentado um pouco a frente da bagunça que fizera. “Alguém decerto que arrumará”, ela pensou e voltou para os afazeres com o neto que ria e perguntava por que o gato havia derrubado a árvore e ainda bem que não o fizera enquanto o papai Noel estava lá.
“A vovó acredita em Papai Noel?”, perguntou aquele inclemente perguntador de coisas e diante do recuo da avó em responder, disse na sabedoria infantil que ele também não acreditava, mas tinha que acreditar porque o irmão era um bebê. E também porque o Papai Noel trazia presentes. A avó suspirou; também acreditara em algum momento de sua vida naquele velhinho vestido com roupas de inverno e que trazia presentes, porém num Natal que não fez muita questão de lembrar, mas lembrou, quando apareceu muito tarde da noite um homem vestido de vermelho, muito suado e com uma máscara; a máscara era tão assustadora que daquele Natal em diante os natais nunca mais foram os mesmos. Se for para divertir as crianças bastava que dessem uma bola e não um homem com uma máscara. Nunca descobrira quem era aquele falso bom velhinho.
Tropicou num embrulho que apareceu quando o cachorro o trouxe para perto deles e ela deixou cair os braços para afagar o pobrezinho que tinha medo de foguetes e então o neto cheio de espuma também resolveu acarinhar o bicho. A Dona Marta nada disse, pois já pedido inúmeras vezes que fossem prender o cachorro na coleira para que não saísse em disparada quando das espoucadas dos fogos de artifício. “Se quiser uma coisa bem feita, faça-a você mesma”, pensou naquele momento e viu o neto pegar uma faca para lavar e tirou-a imediatamente das mãos do menino e deu os pratinhos de sobremesa para que ele lavasse e lembrou quando queria lavar a louça e sua mãe não deixava porque muitas tias e primas faziam o serviço; pensou em quanta diferença de hoje em dia, tinha errado na educação? Foi prender o cachorro e voltou para terminar a louça quando viu o pequeno lavando as paredes com a esponjinha.
Ela e o neto, sozinhos os dois no meio de tanta gente que conversava conversas que se deturpavam conforme as horas avançavam inexoráveis em direção ao outro dia, o dia seguinte, o dia da clareza, do silêncio e da falta das risadas e das máscaras de papais-noéis.
Ajuntou todos os embrulhos do chão enquanto o neto segurava o saco de lixo, rindo em sua inocência e fazendo perguntas intermináveis, cujas respostas eram imediatamente feitas por ele. Pensou que aquele Natal tinha sido o Natal mais prazeroso de sua vida, aquele cujas festas foram resumidas à companhia de um neto de 5 anos e pensou no bebê que começou a chorar no quarto, assustado pelos fogos de artifício; pegou-o no colo e afagou aquela cabeça cheirosa e os três ficaram a conversar no quarto enquanto ouviam ao longe, como se fosse num outro mundo os desejos de felicitações de outras pessoas —que eram a sua família —bem ao longe, num lugar inacessível, no agora do outro dia.

Ela abraçou aqueles dois netos e desejou que continuassem pequenos e que não crescessem nunca para que no Natal do ano seguinte eles pudessem ter outro igual àquele que tiveram de conversas amenas, risadas e comunhão amorosa, sem presentes e sem máscaras, com o sentido concreto em seus corações de que o Natal não precisa ser uma festa descomunal, apenas uma esponjinha cheia de espuma para lavar as paredes vazias de uma casa cheia.




Nota: este texto faz parte do ebook natalino 
E Que Viva o Natal (baixar aqui).


© 2014 Blog Sem Vergonha de Contar - Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão da autora. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro(a) Leitor(a), comentários são responsabilidade do(a) comentarista e serão respondidos no local em que foram postados. Adotamos esta política para melhor gerenciar informações. Grata pela compreensão, muito grata por seu comentário. Um abraço fraterno, volte sempre!