sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O Desaparecimento do Marido da Salete


Por Michele Calliari Marchese

A Salete e a família estavam voltando de um final de semana nos parentes do interior. Estavam na metade do caminho quando escureceu de repente e assustadoramente. Acreditavam que não chegariam à casa a tempo de não se molharem naquela chuva que ameaçava cair a qualquer momento.
Raios estrondosos, e trovões mais ainda, deixaram todos pesarosos e atentos na estrada. Ficou noite e nada mais foi visto a um palmo do nariz. O marido da Salete teve que parar os cavalos e todos eles procuraram algum lugar onde se abrigar daquele temporal medonho. O menor dos filhos ficou com frio e começou a chorar, pois que todos estavam silenciosos e muito duros em seus bancos. A Salete providenciou uma roupa para aquele que chorava e tirou uma coberta para protegerem-se, mesmo que parcamente, da água que não tardaria em cair.
O marido achou uma árvore perto da estrada e para lá se dirigiu, a Salete meteu a coberta por cima da cabeça dos filhos e começou a rezar e a benzer a tormenta, mas sem sucesso. Raios e trovões estouravam perto da carroça e nenhuma gota de chuva caiu.
Foi quando o filho mais velho viu uma luz mais adiante. E o pai tratou de levar todos em direção daquilo, pois que poderia ser uma casa, ou algum comércio. Quanto mais andavam, mais distante a luz ficava. Não esmoreceram, foram em frente, fora da estrada, mato adentro.
Andaram bastante, pois que de carroça era impossível penetrar mato tão denso e cheio de árvores. Não conseguiram saber e muito menos localizar onde estavam. Iam com a confiança no marido da Salete, que tudo sabia e de nada tinha medo. Os filhos enrolados naquele cobertor, que mais tarde serviu somente para atrasá-los na dura empreitada que tinham até chegar naquela luz.
Aconteceu que a luz começou a ficar mais próxima e conseguiram distinguir que ela estava num nível elevado do chão, de modo que não poderia ser casa nem comércio e era muito afastado da estrada. Ficaram atentos e parados, viram que não era uma luz qualquer, era uma bola de fogo.
Aquela visagem ardia em chamas e tinha o tamanho de uma bola de capotão, dessas de jogar futebol, e estava parada e parecia apontar para o chão abaixo dela.
O susto foi tão grande que não conseguiam dar nenhum passo, nem para frente e nem para trás. Baixaram-se, como a protegerem-se de algo que nunca viram em suas vidas. Estavam abraçados e logo uma comoção fez com que os filhos chorassem desesperados, esperando alguma atitude daquele pai tão corajoso.
O marido teve um vislumbre – que nunca soube dizer se foi de coragem ou de curiosidade – em sua cabeça e foi ver o que era aquilo, e a Salete, agarrada nos filhos disse que tomasse cuidado, que esperaria ele voltar e então, esconder-se-iam em algum lugar por ali. Que era para ele marcar o caminho para não perder-se deles, pois que naquele breu, não os veria debaixo do cobertor.
Ele foi. Foi com um galho de árvore arrastando em seus pés para marcar o caminho e não pensava em nada, somente naquela bola de fogo e de como acalmaria os filhos na sua volta. Fez várias vezes o sinal da cruz em todo o seu corpo e ficou olhando para aquela coisa chamejante, brilhante e que lhe cegava os olhos cansados pela escuridão. Não hesitou em falar, mas o som de sua voz apenas assustou-o ainda mais.
Havia um silêncio fora do normal ao seu redor, era como se tudo tivesse parado, podia ouvir as árvores rangendo com o vento, porém, ali, debaixo daquela luminosidade toda não existia nada, nem capim, nem pedras, nem terra naquele chão duro e frio e ele não soube discernir se o que vivia naquele momento era um sonho ou se era realidade, mas uma realidade diferente daquela a que estava acostumado.
Viu aos seus pés uma grande arca de tesouro. Havia tanta riqueza que se ajoelhou de supetão e esfregou as mãos inconscientemente e olhou para trás e para todos os lados e percebeu que sozinho não conseguiria carregar aquilo, mas que com a ajuda dos filhos, e com o cobertor, conseguiria e eles teriam uma vida melhor e os filhos finalmente estudariam para ser gente grande.
Pegou um lindo colar de pérolas para mostrar à esposa e virou-se para seguir o caminho de volta naquele trajeto que tinha feito com o galho de árvore. Ia como um louco, e quando chegou perto da família, estava ofegante e a ansiedade trancava a sua garganta. Mostrou o colar para todos e gritava para voltarem, arrancou a coberta de cima dos filhos e foi quando o sol ardeu em seus olhos que ele olhou para onde estava aquela bola de fogo e não viu mais nada.
Ficou abobalhado com toda aquela situação. Os braços pendendo, as costas arqueadas numa estafa emocional, os pés ardendo de dor. Não soube explicar nada, apenas entregou o colar para a Salete e sentiu que perdera todo aquele tesouro que estava ao alcance de suas mãos. Arrependeu-se de não ter pegado mais coisas e sua raiva assustou a todos. Os filhos choravam escondidos atrás da mãe e ela pediu-lhe paciência. Aquele colar decerto faria um bem maior do que tudo aquilo que o marido tinha visto.
O homem não se convenceu, embrenhou-se mata adentro, enquanto a mulher fez o caminho inverso para pegarem a carroça e voltarem para casa.
Conta-se que, até hoje, o marido da Salete está em busca do tesouro da bola de fogo e ela, após a venda do colar, pôde dar aos filhos um pouco mais de conforto, porém não pôde aplacar as saudades que sentiam do pai desaparecido.


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