terça-feira, 4 de março de 2014

Di-Menor




Por Heitor Herculano Dias

Conto integrante de ACONTECE TODOS OS DIAS (publicado na Amazon)



Rua transversal à Avenida Paris, Bonsucesso. Vinte e uma horas e trinta e cinco minutos. A velha kombi acaba de estacionar em frente a uma banca de jornais, fechada a estas horas. Desembarcam do veículo Pestinha Um e Pestinha Dois, enquanto Pestinha Três prefere ficar ao volante queimando pedra. 

A cinco metros adiante, Shung-Su e sua mulher Mi-Su se preparam para encerrar o movimento do dia da Pastelaria Oriente. 

Ele, de tamancos, camiseta e calças arregaçadas até a metade das canelas, esfrega o piso de ladrilhos cinza e negro com um pano úmido preso a um rodo. Ela, por trás do balcão de alumínio, arruma em duas caixas de plástico os instrumentos de corte e amassamento da massa de pastéis.

— Três pastel de queijo e três caldo, mano — mais ordena do que pede Pestinha Dois, que entra meio curvado sob a porta metálica do estabelecimento comercial, arriada quase até a metade.

Shung-Su olha para ele, descansa a palma das mãos na ponta do cabo do rodo, e fala.

— Za feçado.

Mi-Su pára de mexer com os talheres de fazer pastel e olha alternadamente para Pestinha Dois e Shung-Su.
Pestinha Um acaba de entrar também.

— Que qui foi? — é Pestinha Um quem quer saber.

— Pastel e caldo, amizade! Vô pagá, porra! — Pestinha Dois fala alto.

— Feçado. Pastelalia feçado za — diz em voz sumida Shung-Su, sua redonda face oriental transtornada diante do que sabe ser agora inevitável.

Mi-Su é o medo recortado contra um fundo azul e amarelo de azulejos brilhantes.

— Fechado o caralho, chinês filho-da-puta! — a agressão verbal é concomitante à agressão física feita pelo disparo da arma de Pestinha Um.

Mi-Su não grita, não move um músculo, um nervo sequer.
Colada na fria parede, tem medo até de chorar.


Shung-Su caiu com a leveza de um mandarim de subúrbio, o cabo do rodo cruzado sobre o peito como um cetro vagabundo.




Nota: Assumimos que este texto trata-se de ficção, ou seja: assemelha-se à realidade mas não se refere concretamente a pessoas e/ou fatos da vida real. Ele nos foi enviado para publicação pelo(a) próprio(a) autor(a), sendo aqui reproduzido conforme o original recebido, sem alterações. É de autoria e inteira responsabilidade do(a) autor(a), que detém sobre o mesmo todos os direitos autorais. Este texto não representa, necessariamente, a opinião das editoras e de outros autores deste site.

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4 comentários:

  1. Obrigado, caras Helena e Michele, pela publicacao. Retifico o nome do livro onde este episodio estah inserido, pois o mudei para ACONTECE TODOS OS DIAS, publicado pela Amazon. Abracos.

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  2. Eu que agradeço, Heitor, você ter prestigiado o nosso blog enviando-nos outro de seus contos, indiscutivelmente bons pois sempre nos levam à confrontação com uma dura realidade, o que eu acho muito válido e necessário. Gostaria de oferecer aos nossos convidados a atenção de um público maior, mas quanto a isso, a única coisa que podemos fazer é deixar a sementinha nos hectares da rede e esperar que dê algum fruto no futuro, em algum lugar. Vamos seguindo então, pois há tempo para tudo: tempo de semear e tempo de colher. Um abraço e sinta-se sempre convidado a participar outras vezes. Sucesso, tudo de bom!

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    1. Obrigado, cara Helena, por suas gentis palavras. Saiba que, sendo meus trabalhos recebidos com tantos elogios neste admiravel blog, sinto-me no tempo de colher e a um so tempo incentivado a seguir semeando. Abracos.

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  3. Esse pequeno conto, possui um grande impacto, um choque até. muito bom. Além de possuir, uma verdadeira, realidade.

    Abraço,Heitor Herculano Dias.

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