domingo, 22 de dezembro de 2013

Nesse Natal...


Por Michele Calliari Marchese

“Vai ser a maior festança!” Disse o Coronel Vitório no almoço daquele dia. E tratou de contratar peões, comprar lâmpadas e fios para puxar a rede elétrica do seu gerador até a Igreja. Fez tudo com um esmero lindo de se ver. Mandou trazer da sua fazenda, a maior árvore de natal que alguém jamais viu em sua vida.

Quando o caminhão chegou à Campina da Cascavel, teve que parar na entrada, pois aquela árvore gigantesca iria destruir as casas da cidade. Todos os homens correram para ajudar e conseguiram leva-la até a frente da Igreja, onde já havia sido construído um pedestal de cimento que suportasse todo aquele peso.

A esposa do Coronel tratou de convidar as comadres e as crianças para enfeitar a árvore com os mais incríveis enfeites que trouxe de São Paulo para aquela ocasião. Tudo lindo e maravilhoso, como devem ser todos os Natais.

O presépio era em escala natural e muitos levaram sustos ao se deparar com aquelas estátuas que mais pareciam gentes. Inclusive a Dona Jadi tratou de correr até a manjedoura porque jurava que era um bebê de verdade que lá dormia.

O Padre Dimas estava muito ansiado com o evento e tratou de transferir a Missa do Galo que aconteceria à meia-noite para às oito horas, para que depois todos fossem até a árvore para receber o Papai Noel, que viria a mando da esposa do Coronel e distribuiria balas, confeitos e abraços. Nenhuma criança da Campina havia visto um Papai Noel, de modo que a euforia era contagiante.

O delegado foi o único a prever que alguma desgraça aconteceria, fosse pela sua profissão ou fosse pelo seu sexto sentido, o certo é que ele estava certo. Mandou seu imediato ficar de tocaia e de revólver na cinta para o caso de algum inconveniente.

O Padre finalmente badalou para a Missa do Galo das oito e disse sem muitas delongas - já que todos estavam olhando para fora à espera que as luzes se acendessem – que o Natal é o nascimento do Menino Jesus, que se preparassem para recebê-lo naquele dia tão seu. Que Ele vinha distribuir o amor, a paz e a esperança, mas que todos deveriam oferecer a Ele o que tinham de melhor: seus corações. E pediu a todos que fizessem uma reflexão antes da ceia de Natal.

Dispensados com o habitual amém, todos correram para fora a esperar o grandioso evento. As luzes acenderam quando o Coronel deu pela falta da sua esposa; numa rápida corrida de olhos a viu saindo pela porta da sacristia arrumando o cinto do vestido azul celeste. O Padre badalou o sino no mesmo instante e fez com que o Coronel pensasse bobagem, já que andava meio desconfiado da mulher, e quando olhou novamente para a porta da sacristia, viu o Papai Noel ajeitando o cinto preto de sua roupa vermelha, e essa cena o fez ver em sua cabeça a mulher ajeitando o cinto dela e ele ajeitando o cinto dele e o Padre a badalar e aquele inferno de luzes piscando e crianças gritando sem parar. Isso o deixou louco.

Louco de indecisões, pelo orgulho ferido, por tudo o que gastou naquele Natal mais lindo do mundo e tinha que tomar providências, mesmo que fosse contra o Papai Noel. Olhou se o revólver estava engatilhado e lembrou-se que por um pedido da esposa, havia deixado o companheiro em casa; restavam-lhe os punhos e uma raiva abateu-se sobre ele, e não viu nada e nem ninguém quando atravessou a multidão, fazendo pessoas e crianças caírem no chão, indo em direção àquele crápula do Papai Noel. A primeira coisa que fez quando chegou perto do homem foi espantar as crianças que estavam ali e disse num assomo de fúria que fez estremecer até o sino da Igreja: “Seu fedepê duma figa, você me paga!” E avançou com o punho em riste, mas nesse instante as crianças que escutaram os impropérios, começaram a gritar que o Coronel era malvado, que o Coronel tinha chamado o Papai Noel de nomes feios, que o Coronel era isso e aquilo outro.

A mulher do Coronel tratou de ficar entre as comadres, pedindo o que estava acontecendo, pois de onde estava ela não enxergava nada.

Os pais das crianças acorreram em direção da balbúrdia e outra ainda maior teve início, porque os pais foram para cima do Coronel que não conseguia dizer nada, e até sua cegueira de louco havia passado, pois já se encontrava alto do chão, carregado por muitos homens e por fim, o delegado apareceu.

Deu ordens de levar o arruaceiro até a delegacia e o deixou trancado lá até que as festividades terminassem. Sozinho, o traído pôs os pensamentos em ordem.

Quando tudo terminou e o delegado liberou o Vitório, a população ficou extasiada com o espocar dos foguetes vindo da casa do benfeitor de Natal. Todos saíram de suas casas e não viram nenhuma luz no céu, como é para acontecer quando soltam foguetes, e o delegado resolveu contar os estouros – seis – e ficou apavorado. Disse ao imediato que corresse, pois que o Coronel havia descarregado sua arma em alguém, provavelmente no Papai Noel.


Chegaram lá cansadíssimos e encontraram o Coronel do lado de fora da casa. Pediram-lhe de sua esposa e ele respondeu que ela ainda não havia voltado das festividades e pediram também do Papai Noel – já que todo mundo sabia que a esposa do Coronel o havia contratado – e o homem respondeu com um sorriso benevolente nos lábios que o dito cujo deveria estar entregando presentes em outra freguesia.




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4 comentários:

  1. Comadre Michele, não fugindo à regra este é outro belo exemplar dos 'causos' da Campina, um Natal muito agitado tanto para o Vitório quando para o papai noel, e eu me pergunto onde terá ido parar o saco… de presentes, pois papai-noel sem saco não é papai-noel he he he… Taí, uma boa idéia para um causo. Feliz Ano Novo, Comadre, até!

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    1. Obrigada Helena, mas como sempre acontece coisas inexplicáveis até mesmo em datas memoráveis, devemos prever o triste fim do Papai Noel da Campina da Cascavel! Atualmente ele chega de helicóptero devidamente escoltado... hahahahahah Beijos querida

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  2. Eita, que natal movimentado. rs.
    E o coronel Vitório vendo coisas que não devia. rs.
    muito bom, Michele.
    Feliz ano novo. Abraço.

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    1. Rodrigo, obrigada pelas palavras! O Coronel Vitório foi o único que não aproveitou o Natal, mas ficou feliz com o desfecho e isso faz toda a diferença, e claro, não podemos deixar de enaltecer a incrível perspicácia do delegado da Campina da Cascavel, sempre pronto a prever desgraças e afins! Abraços

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