sábado, 21 de dezembro de 2013

Distração


Por Rodrigo Arcadia

Saiu para comprar cigarros e…

Entrou nesses botecos com porta igual aos filmes de faroeste. Lembrança velha, no comercial, a propaganda de cigarros, olhos admirados e bobos. O pai, doido de fumar, um atrás do outro, o cheiro, a voz, cigarro humano, tomou apreço, um lado libertário, fumar era ato de macho, melhor que enfrentar valentões, a mulherada extasiada pra beijar os carinhas que fumavam, só charme, pra mostrar de bonito.

Saiu pra comprar cigarros e…

Calor, boteco abafado, música, música calma, de término de expediente. Pouca gente, animação zero. No balcão, prateleira de bebidas, outra prateleira, encontrou o que queria. A cara do velho que atendia era letargia pura. Que vai querer? Sem jeito falou da cachaça do alambique. É muito boa. O velho com ar malicioso.

Trouxe a garrafa e o copo, dobrou a dose. Conta da casa, a metade você paga. Beberia de uma vez. Uma loira, despercebida, o encarou, lábios destacados, batom vermelho, mulher clichê, saia curta, pernas brancas em meia calça preta de renda, bebia cerveja, garrafa cheia e gelada.

Bebeu a cachaça. Se arrependeu. A cerveja era mais tranquila. Só levaria tempo pra beber. É policial? A moça arriscou perguntar. Embriagada não estava. Olhos sóbrios, gestos sóbrios. Enxergou beleza, decote bonito, seios médios na blusinha. Não. Não sou policial. Tenho cara? Tem jeitão de tira. Que bom que errei. Oras, cometeu algum crime? Tenho medo de polícia, cometi porcaria nenhuma. Libertou um sorriso pra ele. Voltou a beber a bendita bebida, bebeu  metade. Disfarçou, calor estranho agitou o corpo, quase perdeu o fôlego.

Nunca te vi, falou a loira, a cerveja tinha ido embora. Encheu, deu um belo gole. Saí pra… Interrompeu. Ela nem deveria saber. Curiosidade mata. Entrei hoje. Bom lugar. Desculpa qualquer. Arranjou coragem pra terminar a dose, que sensação terrível, que sofrimento! O velho saiu, foi ver o que o cidadão queria, estava bêbado, na mesa: vodca e porção de calabresa. É um bom lugar, de gente feia. A moça sorriu. As mesmas pessoas, os mesmos pedidos. Cair na rotineira é chato pra caramba. Que pena, né? Pena? Querendo soar engraçado? Ficou sem graça. Pediria o maço de cigarros e cairia fora. Infelizmente o velho se escafedeu no fundo do boteco. Ela bebeu outro copo da cerveja, levantou do banquinho. Disse no ouvido dele. Estarei no banheiro. Deu leve mordida na orelha, andou. O velho retornou, nem perguntou da mulher. Engoliu o restante da cachaça. Desta vez não teve nenhum mal-estar. Limpou a boca com o papel. Olhou na direção do banheiro, a loira esperando, a prateleira, o maço ainda lá. Vou ao banheiro. O velho balançou a cabeça positivamente. Abriu a porta. Pensei que havia desistido, ou fugido. Puxou-o para si, enlaçou-o. Era delicioso escutar a respiração dela, envolvente, sedutora. A voz excitante, provocativa. Faz programa? A moça riu. É engraçado, moço. Sem perguntas. Saiba que sou casado. Quieto! Começaram o beijo e os movimentos aos poucos aumentando no calor abafado.


Ela saiu primeiro. Pagou, deu um até amanhã e foi embora. Ele veio em seguida, o velho encarou, temeu que perguntasse. Pagou, disse até mais. O boteco vazio, sem graça, monotonia pintada. Deu calafrio, andou mais rápido pra sair. De fora, ar agradável. Saiu pra comprar cigarros e… distraiu. Perdeu-se na multidão sem fim.








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9 comentários:

  1. Parabéns pelo conto, Rodrigo Arcadia! A distração que fez o personagem esquecer dos cigarros foi bastante envolvente e não é qualquer um que escreve sobre isso de modo tão refinado. Parabéns!

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    1. Aliás, Helena e Michele, parabéns a vocês também pela manutenção deste espaço e pela acolhida carinhosa dispensada aos textos dos cigarros. Abraços!

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    2. Brigado, Ailton Augusto.
      que bom, é dessa forma que eu quis dar ao texto.
      Obrigado. abraços.

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  2. Parabéns Rodrigo, li de um fôlego. As frases curtas e o ponto final dão um toque de que acontece a coisa e pronto, sem mais delongas. Amei! Abraços

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    1. brigado, Michele.
      sinto receio nesse meu modo de escrever, mas quando releio, o resultado sai melhor do que esperava.
      Feliz natal e Abraços.

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  3. Pois é, Rodrigo, faço minhas as palavras de Ailton Augusto: textos deste tipo são difíceis de escrever. Os ingredientes devem ser misturados com elegância e sutileza, caso contrário ameaça desandar, queimar ou levar demasiado tempero. Escrever contos e saber preparar um prato são habilidades muito parecidas, a meu ver. É preciso saber dosar, dizer não dizendo, insinuar. Taí, gostei! Parabéns.

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  4. Tem razão, Helena. qualquer deslize o texto desanda ladeira a baixo.
    é como uma receita, se passar do ponto, apague e comesse tudo de novo.
    Abraço, querida.

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  5. Muito bom mesmo o conto, como já disseram os outros há requinte na narrativa, o que torna o texto agradável e leve. Gostei muito, Rodrigo.
    Um abraço

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  6. Brigado Celêdian. fico feliz por conseguir realizar um bom resuldado no conto.
    Feliz 2014 pra ti.
    Abraço

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