terça-feira, 15 de outubro de 2013

Um Morto na Irmandade



Por Michele Calliari Marchese

Esse causo aconteceu muito misteriosamente acerca de um assassinato na Campina da Cascavel. Encontraram o Tarcisio morto de emboscada no meio do mato. A mulher, Dona Celina, chorava muito e dizia num desespero de dar dó que era a terceira vez que ficava viúva e prometia em altos brados que não casaria jamais pelo resto de sua vida. Era muita tristeza tudo aquilo.
O delegado chamou a Dona Celina para uma conversa em particular na casa dela para tratar sobre possíveis suspeitos da morte do Tarcisio. E também porque percebeu que ela, no momento em que viu o corpo, não parecia estar tão surpresa. Abalada sim, mas surpresa, não. Decerto seria porque ela já tinha ficado viúva outras duas vezes e estava acostumada com essas coisas.
A Dona Celina esperou o delegado com um bolo de canela que ele não comeu e vestida num luto impecável. Pois o delegado deu os pêsames e apertou a mão fria da viúva e começou por perguntar pelas coisas do falecido e dentre tantas coisas que ouviu ficou admirado quando ela lhe disse bem baixinho e olhando para os lados que o falecido era integrante de uma irmandade misteriosa e que ela sabia muito bem que quem saísse daquela associação dos diabos era considerado morto, e prosseguiu com uma série de alucinações pertinentes ao estado emocional em que ela se encontrava.
E então, depois das exéquias houve uma reunião na irmandade cujo presidente era o próprio delegado. Convidou a todos que sentassem e sem mais delongas proferiu num frêmito de lhe fazerem as pernas bambas que o assassino do Tarcisio estava ali entre eles, seus pares e associados.
Todos se levantaram gritando “injustiça, injustiça” que era mentira tal provocação e que entre eles nunca haveria uma coisa desse tipo e o delegado grunhiu e percebeu que estava na hora de encerrar a reunião instigando a delação interna. Num átimo, a desconfiança pairou no local, era pesada e assustadora e todos se olhavam procurando o jagunço vestido de homem de bem que estava entre eles.
E começou que alguns associados faltaram nas reuniões e por fim, ao cabo de quinze dias não havia mais ninguém além do delegado a participar da assembleia e ele, atordoado com tantas cartas que recebera indicando o nome do homicida, ficava só, a ler e reler, a concluir e recomeçar. Estava perdido e também apaixonado. Depois daquele aperto de mão com a viúva, nunca mais pôde esquecer o cheiro de canela que exalava daquele corpo enlutado.
Resolveu que faria uma votação com os papéis que tinha em mãos e o nome que mais saísse seria considerado o culpado e automaticamente excluído do grupo e pensou de onde é que tinha saído a fofoca de que quem saísse estaria morto? Nunca tinha ouvido falar em tamanho absurdo e então se lembrou de um caso de muitos anos atrás numa cidade próxima que um participante da sociedade, conhecido de todos do grupo, havia sido morto e deram o causo como suicídio. Lembrava até o nome do homem: Carlos Luiz.
Ficou deveras preocupado e não aguentando de saudades da canela, retornou à casa de Dona Celina para externar suas preocupações e que montaria guarda lá à noite, se caso lhe aprouvesse. Disse também que estavam perto de chegar ao suspeito e então a Dona Celina teve uma ânsia de desmaio e quase caiu, não fossem os braços fortes do delegado a lhe segurar naquele momento. Ele fechou os olhos no instante em que a trouxe para si e olhou aquela boca vermelha de mulher a chamar por um beijo que quase aconteceu se não fosse uma vizinha gritando e perguntando o que havia acontecido.
O delegado então lhe disse estar apaixonado e ela de cabeça baixa e visivelmente transtornada respondeu ao despedir-se que era para ele esperar pelo ano de luto, e assim que terminasse ela iria ter com ele; avisou-lhe que havia aparecido outro pretendente, mas que era ao delegado que nutria algum sentimento. Pois o homem quase riu diante da confirmação de seu amor e esperou.
Resolveu dar o caso por encerrado e por obra de algum jagunço que estava de passagem pela cidade, reabriu as reuniões e esclareceu o fato dizendo sentir muito por toda a desconfiança que se estabeleceu naquele período de afastamentos.
O ano do luto passou e o delegado tomou a Dona Celina em quartas núpcias. Eram felizes de fato e todos acharam que aquele ajuntamento tinha sido obra do além, já que o delegado era solteiro e cinquentão e decerto que tendo a profissão que tinha nunca mais a Dona Celina seria viúva.
Pois que num dia de fastio, estava o casal a conversar e o delegado perguntou à esposa os nomes dos outros dois maridos que ela tivera e escutou com uma sobrecarga de culpa e horror que se chamavam, nessa ordem: Amâncio e Carlos Luiz, e que o Tarcisio ele conhecera.
Soube daquele momento em diante e tão certo como se faz o dia e a noite que seria assassinado assim que esquecesse o revólver na delegacia.
Se não o fosse pela esposa, o seria por algum membro da sociedade.
Só lhe restava esperar.




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2 comentários:

  1. Pobre delegado! Michele, seus contos de Campina Grande estão ficando cada vez melhores. Parabéns.

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    1. Obrigada Lu! O mérito é dele! O delegado é o cara! Beijão!
      Michele C.Marchese

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