terça-feira, 8 de outubro de 2013

A COTIA QUE SE PERDEU



Por Suzo Bianco

Um dia uma cotia, no bosque, se perdeu.
Como pode bicho do mato, no mato, se perder?
Porém nesse dia, não só a cotia, como todo animal na mata se estranhou. Algo que foi curiosidade em toda mata; a própria fauna que não se achou.
Ainda assim o Sol podia ser visto.
Mesmo que em forma de tímidos raios que invadiam a mata até os arbustos lá embaixo. Onde bichos de todos os tipos viram-se estranhos e chatos.
Cada abelha, cada zangão, cada inseto voador, até mesmo aqueles que seguiam compenetrados, vagando pelo chão. O cervo, o macaco, todas as lebres e coelhos, também os lobos e os gatos.
O jacaré esqueceu-se olhando para outros jacarés. A cotovia admirou outras aves. E o esquilo sorriu a outros escaladores. Todo roedor estranhou roer. Todo sapo coaxou esquisito. E a cotia continuava confusa, perdida em seu bosque esquecido.
Andava e caminhava à procura de sua casa.
Seguia a trilha em meio à mata.
Andou e não parou até chegar à margem de um riacho, que serpenteava dentro do mato, vinda cachoeira rio abaixo...
Ali parou
E na água límpida se olhou.
Viu sua imagem modificada no movimento do riacho e se aquietou.
Um sabiá assoviou e balançando as asas cantou:
— Vá, cotia, passe! Atravesse a correnteza, se não pudesse, coitada, eu não teria essa certeza!
A cotia então falou:
— Mas não tenho essa certeza e nem sei pra onde vou, fico aqui embasbacada ou sigo o rumo que cantou?
O passarinho então voou para longe da clareira, onde o riacho navegava-se, desviando-se de bobeira.
A cotia enfim suspirou convencendo-se capaz. E num pulo forte atravessou o riacho forte e mordaz.
Doutro lado admirou-se tão valente e destemida, mesmo ali no bosque, solitária, andando bem perdida ainda.
Caminhou mais um pouco, subindo um morro entre as plantas. E viu libélulas avermelhadas... E camufladas eram as antas.
Foi, foi e foi, até chegar rente ao barranco, uma parede íngreme que terminava no morro doutro lado, bem além do esperado.
Ali estancou admirada.
À sua frente bem ao longe podia ver outra montanha, tão verde e calma como aguardava, igualzinho como a Fada cantava, bem pertinho do horizonte.
— Se não é pra lá que vou, bem pertinho do céu, lá no alto da montanha, — disse a Cotia — Onde as abelhas fazem mel. Que felicidade, a minha, de insistir no meu caminho desencontrado, Levando-me ao meu destino, seguido passo a passo.
Então a cotia se reconheceu paciente de sua natureza, bicho feito e aperfeiçoado de ser, ela mesma, tão perfeita.
Foi pensando nisso que todo animal voltou a ser o que era. Sem deixar de ser, em um só momento, o que veneravam deveras... Parte nomeada do desconhecido, bicho entre bichos. O que lhes cercava era a mata, pois eram, todos juntos, só um animal sorrindo, mas que às vezes se perdia na floresta, ora correndo ora dormindo. A estranheza apenas estava no reconhecer-se desconhecido. Seria sempre tão bem admirada, essa, a ignorância do esclarecido?



Ilustração do próprio autor


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Um comentário:

  1. Um prosa tão poética e que nos provoca tantas reflexões. A Cotia somos todos nós...Parabéns ao autor.

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