segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O Causo do Livro

Por Helena Frenzel

Uns causos começam na bodega, já outros nascem na Enternete. E esse causo se deu nem faz muito tempo atrás e foi lá, onde a Campina se encontra com Fufu Lalau, bem na Foz.

Pois duas comadre cheia de causos se congregaram e resolveram, com muito gosto até, criar um tal de blogue; um espaço, dizendo elas, pra contar contos e causos tanto da Campina quanto de Fufu Lalau, lugar que, pra quem não sabe, se avizinha a Mato Dentro, ali: na curva da direita à esquerda de quem vai pelo meio.

O blogue foi tomando corpo despudoramente porque as pessoas foram perdendo a vergonha de contar seus causos fictícios, e foi uma alegria só. Motivada pela semvergonhice narrativa, uma das comadres, a mais desocupada delas— só pode ser — , teve a idéia de juntar as histórias do blogue num livro que nem num é de papel, é de bitos, ou de baites, um tal de livro digital. Onde será que já se viu isso, Sô? Livro que não se pode rasgar e pode até ter cheiro, mas que não é de papel, mas é um meio, sabe, como qualquer outro e é um meio rápido, e mais em conta até, de levar os causos para quem gosta de histórias, e essa será sempre a grande razão.

Pois que o primeiro livro da Campina, pelas voltas que o mundo deu e continua dando, e pelos mistérios que só lá se explicam somente agora pôde sair, quentinho e cheirando a novo, livro gostoso de ler.


E este causo é para que o leitor fique sabendo que o e-livro já está lá no Quintextos, disponível para baixar, no meio de outros. Pois passe lá pra tomar um traguinho, quem sabe até um café com broa de milho, e não se esqueça de levar o seu exemplar, ler e distribuir por aí. É de graça, vice? E é mió do que muitos desses que tem por aí pra vender. Eu garanto, ora se não?!





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terça-feira, 22 de outubro de 2013

O ACIDENTE



Por Lu Narbot

Saindo dos escombros, empoeirado, assustado, dolorido, Pedro olhou ao seu redor. Ainda sem saber bem onde estava nem o que havia acontecido, deu-se conta de que, apesar de tudo, estava vivo e sem nada quebrado.
À sua volta, tudo destruído. Tábuas amontoadas, chão revolto, pedras, galhos quebrados, folhas e flores espalhadas. Um caos.
Sentia todo o corpo dolorido. Percebeu que a fronte sangrava um pouco. Olhou as pernas, estavam cheias de manchas roxas. Mas não podia identificar se eram novas ou antigas, pois não era este o primeiro acidente em que se envolvia. Trazia no corpo a marca de vários outros anteriores. Parecia sina.
Mas, estava surpreso. Desta vez não esperava que nada desse errado. Não entendia como aquilo acontecera. Afinal, fora tão previdente, planejara tudo com antecedência e cuidado. Medira, calculara, observara... Foram dias e dias de estudo e planejamento, de escolha do material mais apropriado. Trabalhara bastante. Ainda assim, parece que não dera certo.
E lá ficava, triste, frustrado, matutando, a tentar descobrir em que falhara. Espremia os miolos buscando decifrar o mistério. Já havia esquecido até da dor e dos ferimentos, de tanto pensar no caso. O tempo passando e ele ali, parado, pensando. Ganhando tempo e coragem, também, para enfrentar o que viria.
Ralhos, censuras, ardor do medicamento nos machucados. Talvez, por ter-se ferido, conseguisse escapar da surra, mas nem disso tinha certeza. Porque a mãe ia ficar danada quando descobrisse o que ele havia aprontado. Com sua mania de Tarzan, ao tentar construir sua casinha na árvore, havia danificado seriamente a árvore predileta da mãe.

Vida de moleque não é fácil, não...


*  *  *


LU NARBOT: Sou uma escritora amadora. Escrevo porque amo as palavras e gosto de brincar com elas. Mantenho uma escrivaninha no Recanto das Letras e dois blogs: bonecasnomeucoracao.blogspot.com, para meus textos  e lunarbotpoltronacorderosa.blogspot.com, para publicar textos de outros autores. Sou membro do Portal do Poeta Brasileiro e da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro.





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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Um Morto na Irmandade



Por Michele Calliari Marchese

Esse causo aconteceu muito misteriosamente acerca de um assassinato na Campina da Cascavel. Encontraram o Tarcisio morto de emboscada no meio do mato. A mulher, Dona Celina, chorava muito e dizia num desespero de dar dó que era a terceira vez que ficava viúva e prometia em altos brados que não casaria jamais pelo resto de sua vida. Era muita tristeza tudo aquilo.
O delegado chamou a Dona Celina para uma conversa em particular na casa dela para tratar sobre possíveis suspeitos da morte do Tarcisio. E também porque percebeu que ela, no momento em que viu o corpo, não parecia estar tão surpresa. Abalada sim, mas surpresa, não. Decerto seria porque ela já tinha ficado viúva outras duas vezes e estava acostumada com essas coisas.
A Dona Celina esperou o delegado com um bolo de canela que ele não comeu e vestida num luto impecável. Pois o delegado deu os pêsames e apertou a mão fria da viúva e começou por perguntar pelas coisas do falecido e dentre tantas coisas que ouviu ficou admirado quando ela lhe disse bem baixinho e olhando para os lados que o falecido era integrante de uma irmandade misteriosa e que ela sabia muito bem que quem saísse daquela associação dos diabos era considerado morto, e prosseguiu com uma série de alucinações pertinentes ao estado emocional em que ela se encontrava.
E então, depois das exéquias houve uma reunião na irmandade cujo presidente era o próprio delegado. Convidou a todos que sentassem e sem mais delongas proferiu num frêmito de lhe fazerem as pernas bambas que o assassino do Tarcisio estava ali entre eles, seus pares e associados.
Todos se levantaram gritando “injustiça, injustiça” que era mentira tal provocação e que entre eles nunca haveria uma coisa desse tipo e o delegado grunhiu e percebeu que estava na hora de encerrar a reunião instigando a delação interna. Num átimo, a desconfiança pairou no local, era pesada e assustadora e todos se olhavam procurando o jagunço vestido de homem de bem que estava entre eles.
E começou que alguns associados faltaram nas reuniões e por fim, ao cabo de quinze dias não havia mais ninguém além do delegado a participar da assembleia e ele, atordoado com tantas cartas que recebera indicando o nome do homicida, ficava só, a ler e reler, a concluir e recomeçar. Estava perdido e também apaixonado. Depois daquele aperto de mão com a viúva, nunca mais pôde esquecer o cheiro de canela que exalava daquele corpo enlutado.
Resolveu que faria uma votação com os papéis que tinha em mãos e o nome que mais saísse seria considerado o culpado e automaticamente excluído do grupo e pensou de onde é que tinha saído a fofoca de que quem saísse estaria morto? Nunca tinha ouvido falar em tamanho absurdo e então se lembrou de um caso de muitos anos atrás numa cidade próxima que um participante da sociedade, conhecido de todos do grupo, havia sido morto e deram o causo como suicídio. Lembrava até o nome do homem: Carlos Luiz.
Ficou deveras preocupado e não aguentando de saudades da canela, retornou à casa de Dona Celina para externar suas preocupações e que montaria guarda lá à noite, se caso lhe aprouvesse. Disse também que estavam perto de chegar ao suspeito e então a Dona Celina teve uma ânsia de desmaio e quase caiu, não fossem os braços fortes do delegado a lhe segurar naquele momento. Ele fechou os olhos no instante em que a trouxe para si e olhou aquela boca vermelha de mulher a chamar por um beijo que quase aconteceu se não fosse uma vizinha gritando e perguntando o que havia acontecido.
O delegado então lhe disse estar apaixonado e ela de cabeça baixa e visivelmente transtornada respondeu ao despedir-se que era para ele esperar pelo ano de luto, e assim que terminasse ela iria ter com ele; avisou-lhe que havia aparecido outro pretendente, mas que era ao delegado que nutria algum sentimento. Pois o homem quase riu diante da confirmação de seu amor e esperou.
Resolveu dar o caso por encerrado e por obra de algum jagunço que estava de passagem pela cidade, reabriu as reuniões e esclareceu o fato dizendo sentir muito por toda a desconfiança que se estabeleceu naquele período de afastamentos.
O ano do luto passou e o delegado tomou a Dona Celina em quartas núpcias. Eram felizes de fato e todos acharam que aquele ajuntamento tinha sido obra do além, já que o delegado era solteiro e cinquentão e decerto que tendo a profissão que tinha nunca mais a Dona Celina seria viúva.
Pois que num dia de fastio, estava o casal a conversar e o delegado perguntou à esposa os nomes dos outros dois maridos que ela tivera e escutou com uma sobrecarga de culpa e horror que se chamavam, nessa ordem: Amâncio e Carlos Luiz, e que o Tarcisio ele conhecera.
Soube daquele momento em diante e tão certo como se faz o dia e a noite que seria assassinado assim que esquecesse o revólver na delegacia.
Se não o fosse pela esposa, o seria por algum membro da sociedade.
Só lhe restava esperar.




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terça-feira, 8 de outubro de 2013

A COTIA QUE SE PERDEU



Por Suzo Bianco

Um dia uma cotia, no bosque, se perdeu.
Como pode bicho do mato, no mato, se perder?
Porém nesse dia, não só a cotia, como todo animal na mata se estranhou. Algo que foi curiosidade em toda mata; a própria fauna que não se achou.
Ainda assim o Sol podia ser visto.
Mesmo que em forma de tímidos raios que invadiam a mata até os arbustos lá embaixo. Onde bichos de todos os tipos viram-se estranhos e chatos.
Cada abelha, cada zangão, cada inseto voador, até mesmo aqueles que seguiam compenetrados, vagando pelo chão. O cervo, o macaco, todas as lebres e coelhos, também os lobos e os gatos.
O jacaré esqueceu-se olhando para outros jacarés. A cotovia admirou outras aves. E o esquilo sorriu a outros escaladores. Todo roedor estranhou roer. Todo sapo coaxou esquisito. E a cotia continuava confusa, perdida em seu bosque esquecido.
Andava e caminhava à procura de sua casa.
Seguia a trilha em meio à mata.
Andou e não parou até chegar à margem de um riacho, que serpenteava dentro do mato, vinda cachoeira rio abaixo...
Ali parou
E na água límpida se olhou.
Viu sua imagem modificada no movimento do riacho e se aquietou.
Um sabiá assoviou e balançando as asas cantou:
— Vá, cotia, passe! Atravesse a correnteza, se não pudesse, coitada, eu não teria essa certeza!
A cotia então falou:
— Mas não tenho essa certeza e nem sei pra onde vou, fico aqui embasbacada ou sigo o rumo que cantou?
O passarinho então voou para longe da clareira, onde o riacho navegava-se, desviando-se de bobeira.
A cotia enfim suspirou convencendo-se capaz. E num pulo forte atravessou o riacho forte e mordaz.
Doutro lado admirou-se tão valente e destemida, mesmo ali no bosque, solitária, andando bem perdida ainda.
Caminhou mais um pouco, subindo um morro entre as plantas. E viu libélulas avermelhadas... E camufladas eram as antas.
Foi, foi e foi, até chegar rente ao barranco, uma parede íngreme que terminava no morro doutro lado, bem além do esperado.
Ali estancou admirada.
À sua frente bem ao longe podia ver outra montanha, tão verde e calma como aguardava, igualzinho como a Fada cantava, bem pertinho do horizonte.
— Se não é pra lá que vou, bem pertinho do céu, lá no alto da montanha, — disse a Cotia — Onde as abelhas fazem mel. Que felicidade, a minha, de insistir no meu caminho desencontrado, Levando-me ao meu destino, seguido passo a passo.
Então a cotia se reconheceu paciente de sua natureza, bicho feito e aperfeiçoado de ser, ela mesma, tão perfeita.
Foi pensando nisso que todo animal voltou a ser o que era. Sem deixar de ser, em um só momento, o que veneravam deveras... Parte nomeada do desconhecido, bicho entre bichos. O que lhes cercava era a mata, pois eram, todos juntos, só um animal sorrindo, mas que às vezes se perdia na floresta, ora correndo ora dormindo. A estranheza apenas estava no reconhecer-se desconhecido. Seria sempre tão bem admirada, essa, a ignorância do esclarecido?



Ilustração do próprio autor


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Texto publicado com a devida autorização do autor.

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