segunda-feira, 20 de maio de 2013

As rosas



Por Michele Calliari Marchese

O Eusébio era o homem mais rico da Campina da Cascavel. General reformado da Guerra do Contestado; tinha a maior casa da cidade, construída com esmero e a próprio punho, possuía cinco quartos na esperança de preenchê-los com os filhos que não vieram. Sua esposa, a Dona Adelaide que engravidava, mas não paria, fez das roseiras suas filhas e do coração, um inverno rigoroso.
Conseguia uma mudinha de rosa aqui, outra ali e foi plantando conforme que ia perdendo as esperanças e as crianças em seu ventre. E conforme que essas coisas tristes aconteciam, o Eusébio ficava mais e mais avarento.
Ele tinha dentro de si uma tristeza atroz, e por nada tomava amor, a não ser pelo dinheiro e por Dona Adelaide. Tinha que guardar tudo, como a esperar as crianças que um dia usufruiriam do capital.
Com o passar dos anos e da fertilidade, Eusébio foi ficando cada vez mais intratável e mesquinho e da sua avareza não escapavam nem as roseiras de Dona Adelaide. E quando ele via que as rosas ameaçavam murchar, mandava tirar tudo e guardar nos quartos dos pequenos.
Mas como tudo na vida, a Dona Adelaide passou desta vida para outra e o vazio fez companhia duradoura no peito do Eusébio.
Aconteceu no inverno mais rigoroso que se teve notícia. As roseiras em flor exalando um último perfume para as exéquias da Adelaide e depois disso, congelaram-se em botões e flores.
E continuaram assim, mesmo na entrada da primavera e depois com o verão. Não descongelaram e tampouco nasceram mais flores e o povo começou a estranhar que as rosas do jardim da falecida eram sempre iguais e cheiravam a plástico.
O fato chegou aos ouvidos do Padre Dimas, e para acalmar o povo, resolveu fazer uma visita ao Eusébio, que passava os dias trancado em casa, metido num laboratório a preparar unguentos. No auge do conforto que a visita do padre proporcionou, declarou entre soluços que ele podia fazer um remédio que trouxesse a vida eterna, sem as dores da morte. E trabalhava num frenesi, andando de um lado para o outro, chorando e misturando águas coloridas em potes transparentes, deixando o padre muito comovido que disse numa voz entrecortada pela emoção que tudo o que ele fizesse não traria Dona Adelaide de volta.
E o Eusébio então sentou, colocou as duas mãos no rosto para esconder as grossas lágrimas que corriam pela face e com os cotovelos no joelho ele respondeu com a lástima dos que sofrem a vida inteira que a Dona Adelaide ele não podia mais ter, mas as rosas sim, porque eram fragmentos do amor dos dois. Em cada rosa, dizia ele, ele via um pedaço da vida que eles passaram juntos, pois elas foram plantadas em meio às lágrimas e ao sofrimento da perda.
Iria continuar com os unguentos e ameaçou por meio do padre que quem tirasse uma folha sequer das roseiras, iria se ver com ele e com toda a raiva que sentia.
O padre deu o recado numa missa de sábado e então por muitos e muitos anos ninguém mais viu o Eusébio, e todo mundo via as rosas iguais, como no dia do enterro de Dona Adelaide. Já não passavam mais em frente a casa, atravessando a rua para não sentir e não ver tão dolorida imagem.
Foi quando apareceram alguns homens da capital para confiscar os bens de Eusébio que o povo descobriu que ele estava morto e falido. Tiveram muita dificuldade em encontrar o corpo no meio de tantas rosas e espinhos.
Chamaram o delegado, o Padre Dimas e o barbeiro para dar início ao velório, e conforme iam andando com o caixão pela casa, as rosas iam morrendo, uma a uma como numa passagem magnífica de despedida.
Percorreram o lindo jardim de rosas de plásticos que iam se transformando em rosas verdadeiras, seus botões antes fechados há anos, foram se abrindo e perfumando o caminho que seu dono fazia dentro do ataúde e foram se extinguindo também uma a uma na visão mais triste e desoladora que alguém poderia presenciar.
Foi enterrado ao lado de Dona Adelaide, debaixo de um jardinzinho de rosas que se transformaram em plástico assim que o caixão baixou à terra.



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