sexta-feira, 31 de maio de 2013

Leituras ‘juninas’ no SVC




Queridos Leitores,

O próximo mês de junho, época de festas juninas no Brasil, será dedicado aqui no blog a duas ações de incentivo à leitura e à escrita; a primeira, voltada para crianças e a segunda, para um público mais geral, adulto e/ou juvenil.
Todo projeto que incentiva a leitura e a escrita tem o meu total apoio porque sou um fruto disso:  da iniciativa de pessoas que ao invés de ficarem de braços cruzados só reclamando de que não há leitores, de que o ensino está ruim, de que Educação não é prioridade no Brasil (os fatos estão aí para provar, infelizmente), ignoram tudo isso e começam a trabalhar. Também acredito que se algo está incomodando, só há um caminho: agir. Sem ação não há mudança.
E para que vocês conheçam um pouquinho da minha história e do quanto acredito no poder do esforço e iniciativa individuais, reproduzo aqui um texto-homenagem que escrevi em abril de 2009 para uma ex-professora que mudou minha relação com as Letras e talvez não faça idéia do quanto me influenciou. Com vocês, então: a homenageada.

Jaciara
Por Helena Frenzel

Não cito aqui seu sobrenome, pois dele não lembro mais. É que já faz muito, muito tempo. Além do mais, brasileiro parece não ligar muito pra isso, pelo menos não no dia-a-dia. Quem gosta de sobrenome é alemão. Frau Frenzel, Herr Silva. Para nós, brasileiros, basta o primeiro nome e tudo bem! E é por isso mesmo que só consigo lembrar de você assim, como Jaciara. Jaciara, professora de Língua Portuguesa numa das menores capitais do Brasil, escola pública, segundo grau — acho que essa designação nem se usa mais... Que seja: Ensino Médio!
Bom, lembro-me — muito bem aliás — dos longos cabelos negros marcando o contorno de sua figura baixinha. Pequenina, mas danada que só! Aliás, como toda boa nordestina. Nem sei se você era nordestina. O importante é que estava lá, ensinando outros a seguirem seu bom exemplo. Tanto faz onde (no Brasil) você nasceu.
Sempre que escrevo um texto e o leio em voz alta depois, para mim mesma, lembro de você e seu jeito peculiar de nos apresentar o Português, através de uma perspectiva, creio eu, pouco adotada na época: leitura e produção textual. É que naquela época já reinavam soberanos os currículos. O que importava não era a qualidade do conhecimento transmitido, e sim a quantidade de conteúdo registrado na caderneta.

Mesmo sob a ditadura das cadernetas você conseguia ser diferente. Era mágico como nossos textos mal escritos transformavam-se em boa literatura em sua boca, quando os lia para nós, sentados em círculos ao seu redor, na sala de aula. Digo textos cer.ta.men.te mal escritos pois éramos ainda muito verdes, carentes de conhecimento e do domínio dos mecanismos da Língua. E do seu jeito singular, o quê de mais importante ficou, pelo menos para mim, foi o amor e o respeito à Leitura e à Escrita que nos transmitiu.
Lembro que via nos olhos de alunos excluídos, colegas sem esperança, rotulados escória da sociedade, o brilho da descoberta de que nosso futuro não TINHA mesmo que ser tão ruim assim, como muitos previam. Conhecimento é poder. Palavra é poder. Você nos deu chaves para entender isso naquela ocasião, nos ensinou a brincar com, seduzir e (Por que não dizer?) — DOMINAR as palavras... E isso a todos nós, até mesmo àqueles que não quiseram crer na sua mensagem e foram ficando (creio) à beira do caminho. Jaciara, você nos ensinou a sonhar e correr atrás da realização.
Jamais pude lhe agradecer pelo imenso bem que me fez. Por isso agora este texto, que como uma mensagem em uma garrafa, jogada num mar de bytes, um dia talvez chegue ao destinatário certo. Eu sei das privações que você, como professora, passava. Ganhando muito pouco, tendo que trabalhar em vários lugares, todos os dias, em todos os turnos, vivendo com sua família num apertado quarto-e-cozinha, num tipo de pombal, sem lugar adequado para preparar suas aulas e com um mínimo de recursos. Muitos diriam que você tinha até sorte, pois infelizmente, no Brasil e em muitos lugares do mundo, DIGNIDADE virou termo sem significado prático real. Você nem tinha os recursos necessários para trabalhar conosco, para conseguir os livros que precisávamos. Vai ver por isso suas aulas eram tão criativas, transformando o material que nós mesmos produzíamos em obra literária, ponto de partida para fomentar um pensamento crítico, libertador e, ao mesmo tempo, desvendar os segredos da Língua, ferramenta prática da vida diária.
Para você, Jaciara, tiro o meu chapéu. Por causa de gente assim, como você, ainda conservo a estranha mania de ter fé na vida, num mundo mais justo e melhor. Minha melhor homenagem é tentar seguir e propagar seu exemplo.
Com todo o meu carinho,
Muito obrigada.
* * *

O meu mais sincero reconhecimento também a todos aqueles que se identificarem com esta minha antiga professora, pessoa fora-de-série, muito especial.
* * *

Publicado originalmente no Recanto das Letras sob o titulo A Uma Mulher Especial, em 29/04/2009. Código: T1566488


Pois é, este texto é antigo, achei por bem deixá-lo como nasceu: simples e verdadeiro, de letras 'verdes' que talvez agora tenham um outro tom. 
Acompanhem as postagens de junho, comentem e participem. O que muda o mundo são os indivíduos e as pequenas ações.

Helena Frenzel.


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segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Causo do Homem




Por Michele Calliari Marchese

O homem entrou no pátio da casa e por ali ficou. Foi a Dona Anja quem viu e ficou aguardando os acontecimentos. Estranhou o fato porque ali, naquela casa velha, ninguém entrava havia muitos anos e o mato tomava conta de tudo. Era um completo abandono.
A casa tinha sido do jagunço Angelin e após a morte dele naquele fatídico dia no cemitério a esposa tinha pegado os filhos e deixado tudo para trás. Saiu só com a roupa do corpo, para destino incerto. Ninguém nunca soube dela e das crianças.
Fazia muito tempo que a casa fora abandonada e as trancas enferrujaram, a pintura descascou e ninguém tinha coragem de por os pés ali. Talvez porque fosse do Angelin, ou talvez porque fosse que a esposa tinha sumido, enfim, ela tinha uma aura assustadora.
Provavelmente aquele homem, que agora lá estava, não sabia de nada. Nem de jagunço, nem de abandono, nem de nada. Usava uma capa preta, por causa do frio cortante e um chapéu que lhe cobria o rosto. Deixou o cavalo amarrado na cerca e entrou no pátio como se fosse o próprio dono.
Para a Dona Anja pareceu-lhe o Angelin e um arrepio percorreu sua espinha. Lembrou-se do tempo que ele vinha ver a mulher a cada 15 dias, e nesses dias a vida se renovava naquele lugar. Flores abriam-se, frutas amadureciam, os dias eram ensolarados e as crianças brincavam no pátio mais que nos outros dias. A vinda do Angelin era o próprio amor chegando.
O homem abriu uma pequena sacola que estava debaixo da capa e pegou uma chave grande, antiga, gasta. Foi para a porta de entrada e lá ficou um bom tempo até que enfim conseguiu abrir e entrou.
A vizinha, que nada perdia e cujo hálito embaciava o vidro, ficou tensa com a invasão. Chamou o marido para que este fosse buscar o delegado e para que tirassem a história a limpo, mas o marido ficou tão arrepiado quanto a Dona Anja. Dizia que se não tivesse visto o Angelin morto, tinha certeza que era o próprio que estava ali, de volta.
Foi quando aconteceu que as flores se abriram em pleno inverno, nas árvores secas e sem cuidados daquela casa havia frutos maduros e então um enlevo de amor fez a Dona Anja e o seu marido escutarem os gritos das crianças de tantos anos atrás. E eles apertaram os olhos, porque foram capazes de vê-las em seus folguedos infantis. E viram também a esposa do Angelin de braços abertos na porta agora aberta por aquele homem.
Tomados de urgente amor juvenil, Dona Anja e o marido fizeram amor ali mesmo e lembraram que quando o jagunço chegava, eles se amavam mais que nos dias que ele não estava. E o verão brotou depois de tantos anos.
Quando terminaram e se abraçaram e se beijaram, lembraram também tudo o que tinha sido deixado para trás. Foram interrompidos pelos soluços que vinham da casa velha, um choro tão doído e sofrido que se ressentiram do que tinham feito e foram para fora ver quem era, conhecer o homem que havia aberto todas as portas e janelas da vida e que reacendeu o amor.
Mas não havia cavalo amarrado na cerca, tampouco as flores abertas e frutas maduras.
Havia um grande vazio e a tranca continuava intacta sem marcas recentes e nem pegadas no pó da varanda.
Não havia nada, como nunca houve.





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quinta-feira, 23 de maio de 2013

A Escritora



Por Helena Frenzel

Cento e sessenta quilômetros, cem páginas de um manual. O letreiro acima da porta avisava: aproxima-se o destino e o local. Estava preparado. “O cliente tem sempre razão”. Alberto torceu o pescoço pensando nisso e guardou os papéis; a esquerda arrumou a gravata, a direita buscou o paletó. Já vestido, sentiu o peito vibrando e pensou em taquicardia, mas não passou do celular fino anunciando nova mensagem. “Desculpe a rudeza do meio”, dizia o email, “buscamos outras formas de contato, sem efeito. A Senhora Matoso Pedreiro faleceu esta manhã.” seguidos de uns “sinceros pêsames, favor entrar em contato de imediato para acertos finais”. Pela forma do texto nem precisava ter assinado Ester Loureiro para que ele soubesse que se tratava de uma mulher a serviço da agência funerária. Eram profissionais, como ele. A morte era o negócio e nessas horas eles bem deveriam saber o que fazer. Por isso ele não entendeu. “Que acertos finais? Tudo já não tinha sido pago?”, perguntou-se aborrecido preparando-se para o desembarque. Os trens eram rápidos nas estações não-terminais, teve que apressar-se.

* * *

Nunca! Só sobre o meu cadáver! Nem dinheiro nem ações!”. Alberto lembrou-se da discussão que tivera com a mãe já no conforto do táxi, apartado do frio e serpenteando nas ruas vazias de gente a caminho do hotel. Pegou o celular e buscou o site. Certa vez, passando por uma crise, recebera via email o convite de uma amiga da família, Gilda, para visitar um blog. Poemas e narrativas não preenchiam sua lista de preferências, mas o que ele ali encontrou tanto o incomodou que sem se dar conta tornou-se leitor o mais assíduo. A profundeza na simplicidade dos escritos daquela mulher era para ele um enigma que tentou primeiro entender e, depois, ignorar; mas sempre nos momentos mais críticos, sentia-se compelido a voltar e ler sem pausas, e o mais estranho era o alívio que sentia no final, senão pelo escrito, pelo prazer rasteiro de ter cedido à tentação. Certa feita, sentiu um forte desejo de tomar a escritora nos braços e dar-lhe um sincero beijo de tanto que o texto o comoveu, mas nunca teve coragem de manifestá-lo. A escritora sabia que era lida por muitos, ele pensava, e a ele apetecia saber-se um ponto só nas estatísticas, anonimato total.
* * *

Num misto de impaciência e cansaço não sentiu segurança ao dizer que azul era a cor preferida da mãe, mas achou que tons escuros e opacos bem combinavam com a ocasião. Ester Loureiro tinha uma voz firme porém macia, num tom ameno feminino que poderia interessá-lo, mas Alberto desistiu de compor a cena ao lembrar-se que sua vida em nada casava com o rol de exigências sentimentais, e lhe disse: “Façamos assim, obrigado.” Não maldizia as tantas viagens, gostava muito até. Era uma forma de estar em vários lugares sem pertencer a lugar nenhum. “Ela seria cremada mesmo e no fim: tudo cinza”, ele pensou e “escuro” respondeu desligando, pois a conversa havia terminado bem antes dispensando a praxe social. Resignado pagou a corrida, pegou a bagagem e entrou no hotel.

* * *

Você não conhece sua mãe.” — disse-lhe Gilda ao saber da discussão que tiveram — “Não faz idéia de quem ela é”.
Fala das ações?” — perguntou Alberto.
Sim, das ações” — ela disse, friamente.

* * *

Lembrou-se da escritora e das tantas vezes que ela, com suas palavras universais havia conseguido distrair-lhe a dor. Quando a encontrou, na internet, ficou com nítida sensação de papéis invertidos: ela, escritora; ele, leitor, porém: “Eu não leio seus escritos; é ela quem me lê antecipando o que eu digo e sonho em poder dizer, exatamente”.

* * *


Vendidas.” — Alberto recebeu o anúncio e não soube o que dizer a Gilda. A mãe tinha aquele jeito sorumbático, pouco compartia de suas decisões. Naturalmente ele não a deixaria desamparada, se bem que ela lhe garantira ter mais que o suficiente para viver. Concluiu o curso, abriu a firma. “Certas idéias persegue-se ou elas para sempre perseguirão”. A mãe não o questionou por isso. Simplesmente disse: “Você é capaz”. Com dezoito anos ele havia deixado a casa dos pais para estudar em outro país. A mãe, viúva há um bom tempo, era ainda muito jovem quando ele partiu e não pouco alardeava amar o provinciano e a solidão, que “não é o mesmo que estar só e nada tem de melancólico, é escolha consciente pessoal”, ela dizia. O pai morrera deixando Alberto ainda bebê e em suas lembranças não havia nada da vida com ele, apenas um rosto pintado de fotos e um perfil colado de lembranças alheias.

* * *

Há vários anos Alberto dividia a vida entre clientes, acionistas e reuniões, sobrava tempo apenas no Natal e sonhava com a aposentadoria, quando a vida, de fato, prometia começar. Soube da doença da mãe só quando esta já estava no hospital. Certas moléstias nos pegam desprevenidos, no caso dela nem a genética poderia antecipar. E em menos de um mês estava tudo concluído. Os serviços funerários ela própria havia contratado muito antes, em tempos de lucidez. Sessenta e um anos completaria num próximo maio, morreu em abril.

* * *

Em penumbras e quartos de hotéis Alberto chorou muitas vezes, chorou como um menino que criou corpo e não cresceu, incomodado. De tanto choro, nunca soube a razão. Depois das cinzas e do espólio, Alberto lamentou nunca ter se sentido à vontade para falar de sentimentos com a mãe. Lembrou que quando criança ela perguntava vez em quando: “Você me ama?”, ao que ele sempre negava ou mantinha o silêncio com prazer só para contrariá-la, coisas que as crianças sabem tão bem fazer. Um dia as perguntas cessaram e calaram-se todas as declarações. Ele nunca quis que ela vendesse as ações para ajudá-lo em seus negócios, a essa idéia ele opusera-se feroz. Porém, diante do feito, aceitou de bom grado. Fazer o quê? Conforto material ela sempre teve; como prometera: ele nunca a desamparou.

* * *

O incômodo só crescia quando ele recorria ao site buscando uma palavra de auxílio, um sentido qualquer e nada; há meses, nenhuma publicação. Na falta de novos escritos burilou antigos, mas nada conseguia lhe acalmar. Alí ficara um hiato, uma pausa nas postagens sem qualquer explicação e esse não saber o inquietava e fazia-o checar neuroticamente atualizações. Pela primeira vez sentiu-se órfão, sozinho. Teve certeza. Mas, desta vez, não chorou. “Quatsch!”, a disciplina falou mais alto e a ordem foi trabalhar. A noite foi-se com o sono evadido levando o temor de perder o trem, que sairia a poucas horas, e de perder-se na conta dos cordeiros: centenas de clientes, quilômetros de trilhos, milhões em ações, cem manuais...



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segunda-feira, 20 de maio de 2013

As rosas



Por Michele Calliari Marchese

O Eusébio era o homem mais rico da Campina da Cascavel. General reformado da Guerra do Contestado; tinha a maior casa da cidade, construída com esmero e a próprio punho, possuía cinco quartos na esperança de preenchê-los com os filhos que não vieram. Sua esposa, a Dona Adelaide que engravidava, mas não paria, fez das roseiras suas filhas e do coração, um inverno rigoroso.
Conseguia uma mudinha de rosa aqui, outra ali e foi plantando conforme que ia perdendo as esperanças e as crianças em seu ventre. E conforme que essas coisas tristes aconteciam, o Eusébio ficava mais e mais avarento.
Ele tinha dentro de si uma tristeza atroz, e por nada tomava amor, a não ser pelo dinheiro e por Dona Adelaide. Tinha que guardar tudo, como a esperar as crianças que um dia usufruiriam do capital.
Com o passar dos anos e da fertilidade, Eusébio foi ficando cada vez mais intratável e mesquinho e da sua avareza não escapavam nem as roseiras de Dona Adelaide. E quando ele via que as rosas ameaçavam murchar, mandava tirar tudo e guardar nos quartos dos pequenos.
Mas como tudo na vida, a Dona Adelaide passou desta vida para outra e o vazio fez companhia duradoura no peito do Eusébio.
Aconteceu no inverno mais rigoroso que se teve notícia. As roseiras em flor exalando um último perfume para as exéquias da Adelaide e depois disso, congelaram-se em botões e flores.
E continuaram assim, mesmo na entrada da primavera e depois com o verão. Não descongelaram e tampouco nasceram mais flores e o povo começou a estranhar que as rosas do jardim da falecida eram sempre iguais e cheiravam a plástico.
O fato chegou aos ouvidos do Padre Dimas, e para acalmar o povo, resolveu fazer uma visita ao Eusébio, que passava os dias trancado em casa, metido num laboratório a preparar unguentos. No auge do conforto que a visita do padre proporcionou, declarou entre soluços que ele podia fazer um remédio que trouxesse a vida eterna, sem as dores da morte. E trabalhava num frenesi, andando de um lado para o outro, chorando e misturando águas coloridas em potes transparentes, deixando o padre muito comovido que disse numa voz entrecortada pela emoção que tudo o que ele fizesse não traria Dona Adelaide de volta.
E o Eusébio então sentou, colocou as duas mãos no rosto para esconder as grossas lágrimas que corriam pela face e com os cotovelos no joelho ele respondeu com a lástima dos que sofrem a vida inteira que a Dona Adelaide ele não podia mais ter, mas as rosas sim, porque eram fragmentos do amor dos dois. Em cada rosa, dizia ele, ele via um pedaço da vida que eles passaram juntos, pois elas foram plantadas em meio às lágrimas e ao sofrimento da perda.
Iria continuar com os unguentos e ameaçou por meio do padre que quem tirasse uma folha sequer das roseiras, iria se ver com ele e com toda a raiva que sentia.
O padre deu o recado numa missa de sábado e então por muitos e muitos anos ninguém mais viu o Eusébio, e todo mundo via as rosas iguais, como no dia do enterro de Dona Adelaide. Já não passavam mais em frente a casa, atravessando a rua para não sentir e não ver tão dolorida imagem.
Foi quando apareceram alguns homens da capital para confiscar os bens de Eusébio que o povo descobriu que ele estava morto e falido. Tiveram muita dificuldade em encontrar o corpo no meio de tantas rosas e espinhos.
Chamaram o delegado, o Padre Dimas e o barbeiro para dar início ao velório, e conforme iam andando com o caixão pela casa, as rosas iam morrendo, uma a uma como numa passagem magnífica de despedida.
Percorreram o lindo jardim de rosas de plásticos que iam se transformando em rosas verdadeiras, seus botões antes fechados há anos, foram se abrindo e perfumando o caminho que seu dono fazia dentro do ataúde e foram se extinguindo também uma a uma na visão mais triste e desoladora que alguém poderia presenciar.
Foi enterrado ao lado de Dona Adelaide, debaixo de um jardinzinho de rosas que se transformaram em plástico assim que o caixão baixou à terra.



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sexta-feira, 17 de maio de 2013

Pelo Nexo e Meio Sem Fim



Por Helena Frenzel

E de volta ao show:
Começo pelo meio, exatamente como nos relacionamentos da mulher do cabelo verde. Ela que quando conhecia um novo pretendente — toda vez! — ia logo pensando que chegara ao final da busca: “É ELE!”. Ô Coitada... A dona do cabelo verde passou por muitos momentos ‘blues’. E com ela aprendi a começar pelo meio. Não está entendendo nada? Eita gente mais sem paciência... Paciência, sim? Vou te contar, peralá...
E o filho da Puta, o que me dá de comer... Até agora nada dele! Por que será está demorando tanto? Teria acontecido alguma coisa, um castigo, uma blitz na escola? O que será que aconteceu hoje?
Não, ‘Puta’ não é palavrão. Como não sei o nome dele — porque ninguém jamais pronunciou desde que estou aqui — uso o nome da mãe. Sim, ela se chama Puta. Não, não é palavrão, eu já disse. Essa história já estou ‘careca’ de ouvir, pois é a que ela conta toda vez que se apresenta a alguém.
O pai da Puta era crédulo fervoroso, membro de uma seita ortodoxa, igreja do “Resíduo Digital”... Nunca ouviu falar nesta igreja? Pois é, dizem que existe. Eu só sei que existe, nada mais... Pois é, e nessa igreja as cerimônias eram em Latim, e ‘putare’ — em Latim — significa também “acreditar”. Imagine a cara de um visitante na hora do credo:
— Você crê?
— Ego puto! (Eu creio!) — He He He ...
E o nome da Puta vem daí, do ‘putare’ latino. E aí, “me putas?” (“Me crês?”).
Se bem que a vizinhança comenta muito o entra-e-sai de homens aqui na casa da dona Puta. Ela diz que dá aulas de francês e sempre está às voltas com umas tabelas — quase sempre pelas tabelas! — Bom, especulo então que ela ganhe a vida usando um sistema de tabelas parecidíssimo com aquele que Victor Hugo costumava usar... Quanto será que custa uma meia hora de ‘francês’ ou um “i-pisilone duplo”? He He He ... Tenho que oB-servar, oB-servar!
Sim, o filho da Puta chegou! Já era tempo... Ah, não! ‘A Caixa’ não! ‘A Caixa’ não! Scheiße, tarde demais... É hoje que eu passo mal...
— Fome! Fome! — gritava eu de cá e ele nem ‘tschuns’...  — Hungry! Hungry! — e ele nem se mexia — Hunger! Hunger! — Aí sim, o filho da Puta moveu o traseiro gordo da frente da ‘caixa’. Alemão. Pra desviar o filho da Puta da 'caixa' só mesmo usando a língua mãe... Abriu a porta do armário e me veio com um punhado — um pu.NHA.do só — de ração! É hoje que eu passo mal ...
Tomara que o dono do restaurante não demore a me apanhar. Estou aqui já há quase duas semanas. O dono e a mulher estão de férias. Parece que foram para uma ilha espanhola, Palma de Mallorca. Se eu tirasse férias iria para um lugar onde houvesse muito poucos iguais a mim... Ouvi o vizinho do 318 — o velho tarado — dizendo que em Mallorca tem muito mais “alumão” do que espanhol. Eita que os “alumão” adoram essa ilha, viu?! Por isso mesmo é que não iria para lá nas férias! He He He ...
(Trim-Blon)
Chegou o amigo do cabelo vermelho, o do 206. Do cabelo, só metade era longa e vermelha. A outra metade era branca e cortado bem curtinho, como o rabo da “Sururina de Brasí”. Se "danaram" a jogar na frente da ‘caixa’...
Não entendo — Nitendo — esses dois. Eles não querem continuar obesos, mas passam todo o tempo livre na frente da ‘caixa’. Tudo é simulado: do jogo de Tênis ao Futebol... de Botão. Até a ‘Rayuela’! Vai ver esses dois nem sabem o cheiro que tem um punhado de grama ou terra. Eu, hein? Da ‘caixa’?! Tô fora! Tô fora!
(Trim-Blon)
Ah, tomara que seja o dono! O dono!
O filho da Puta foi atender.
Era a vizinha do 201, a cínica — digo, Síndica! Síndica!
— Meu filho, está sua mãe? — perguntou a síndica.
— Não.
— E a que horas vai chegar?
— Sei não ... Disse que vai fazer um serão, com o patrão.
— Serão? Trabalho extraordinário... NOTURNO? Como pode deixar o filho assim, sozinho em casa?!
— Sei não, dona, e a senhora diz isso só porque não tem filhos ...
E eu, lá do meu poleiro, só de butuca na conversa, repetia o coro do condomínio:
— Ela não PODE! Não PODE! Não tem porque não PODE!
Só pra contrariar me prenderam neste corpo de papagaio. Pois é, de uma forma ou de outra eu tinha que aprender a observar... Ah se eu pudesse escrever!
“É a vida! E é bonita e é bonita.”

*  *  *
Segunda narrativa da série Piroco Paio, também de 2009.




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segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Preferido



Por Michele Calliari Marchese

Esse causo aconteceu quando as primeiras famílias apareceram para desbravar a Campina da Cascavel, vinham de lugares distantes e também de outros países. Uma dessas famílias era oriunda da Itália e veio o casal com três filhas pequenas.
A mama fazia comidas espetaculares e usava um ingrediente que não existia na região e todos que provavam do petisco queriam saber da receita e do dito “manjericão roxo” que ela usava para deixar tudo mais apetitoso. O condimento acabou virando contrabando e renda principal para a família da mama que enriqueceu de uma hora para outra.
Com o tempo as filhas casaram; a mais nova com o João, a do meio com o José e a mais velha com o Ademir. Nessa ordem, porque a mais nova casou muito cedo em função de uma gravidez de susto. O João que foi o primeiro a entrar para a família ganhou o posto suado de “o preferido”.
Pois que a mama reunia a família todo o domingo para um grande almoço e o preferido ganhava a honra de ter a comida predileta à sua frente. O João comia o que mais gostava e lambia os beiços de satisfação gerando uma espécie de ciumeira entre os concunhados.
O José pouco falava e a mama chamava o pobre de “povereto” e o Ademir, bom, o Ademir questionava se já não era hora de uma troca de genros no posto da predileção da matriarca, ao que ela respondia num vozeirão de poucos amigos que “no! Aspettare il tuo turno” e bem baixinho para o nono escutar: “bruta bestia”. E o Ademir que não entendia italiano, mas entendia muito bem a língua escaldada da sogra, comia numa ponta da mesa a remexer-se na cadeira de madeira.
E os domingos eram de festa e de muitos gritos, a cada almoço o nono aparecia com uma cadeira nova para acrescentar à mesa que já estava com uns bons remendos para ficar maior, pois os netos não paravam de chegar — dezoito ao todo. A mama e o nono nunca sabiam que filho era de quem e quando iam chamar algum diziam: “Quello altre ali”, ou então diziam todos os nomes — quando lembravam — até acertar o nome da criança que queria chamar. E era um tal de empurra filho daqui e dali que os dezoito apareciam na frente da mama para atender-lhe o pedido.
“Polpetta” de novo nona? E a mama respondia que “si, era il cibo preferito di João, mangia i cala a boca impertinente”.
Todos comiam, mas não calados e então aconteceu que uma vizinha apareceu pedindo do dito manjericão roxo, só um tantinho para que ela pudesse fazer a receita de pastel que a mama tinha lhe passado. E a mama foi até a cozinha e trouxe um naquinho de nada do condimento e cobrou a queima roupa na frente de todo mundo: “ Il costo è di trenta mil réis”. A outra quase caiu de costas, mas diante daquele espetáculo minúsculo apertado entre os dedos, resolveu ceder e pagou sem pestanejar com o brilho da cobiça em seus olhos.
Os genros não respiraram quando esticaram o pescoço para ver onde a mama guardava tão rico alimento pois que era escondido à sete chaves e ninguém nem o nono, sabia onde era. Todos aqueles anos eles passaram procurando o manjericão, sem sucesso.
Foi quando aconteceu que o nono apareceu com uma cadeira a mais na mesa e a mama gritou num português gelado que era a hora de parar com os netos, que estavam todos velhos e para que tanta criança se não tinha mais panela para fazer tanta comida e notou que muitas cadeiras estavam vazias e faltavam muitos netos à mesa e que a gritaria havia encerrado. Todos explicaram que muitas delas estavam já em faculdades nas capitais e o José, aquele “povereto” disse numa voz que ninguém até então conhecia que foram estudar para serem gente de bem e graças à mama que tinha parido as filhas... e a mama não deixou o “povereto” terminar gritando que “Da ora avanti, il mio preferito è Bepin, mio povereto”.
O João se engasgou, mas ao mesmo tempo ficou aliviado porque não teria mais as polpettas no domingo e o Ademir, bom, o Ademir deu uma fungada entre uma garfada e outra e fez as contas que dali uns 20 anos ele poderia ser o preferido se tudo fosse bem. Ficou pensando e lamentando o fato de nunca ter descoberto o esconderijo do manjericão, aquele condimento que lhe abriria muitas portas e janelas e também a independência familiar e lembrou que o José nunca falava e ninguém sabia que comida ele gostava e pediu em voz alta mesmo — já que com toda aquela gritaria dificilmente alguém iria escutá-lo — o que ele faria agora com o posto de preferido e o José respondeu depois de limpar a boca no guardanapo bordado que a hierarquia lhe conferia que era para o Ademir se acalmar que logo tudo se arranjaria pois que tinha visto onde a mama escondia o manjericão roxo.





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quinta-feira, 9 de maio de 2013

No Restaurante - O Show da Vida



Por Helena Frenzel

É bem capaz de você não acreditar se eu disser logo quem sou, portanto nem vou me dar ao trabalho de me apresentar. Começo logo contando a minha história, isso sim, que é bem mais interessante.
Veja bem: este é meu primeiro dia no restaurante. Estou curioso, curioso... Se tem uma coisa que aprendi num dos tantos lugares por onde passei foi sempre antes de começar uma história dizer: “Meninos, eu vi!”. E vi mesmo! Sim, já vivi com gente culta (e louca) por aí... Aprendi muita coisa interessante, interessante...
“Meninos, eu vi!”... “Meninos, eu vi!”
De meu canto cativo me pus a observar as pessoas sentadas às mesas próximas a mim. Na primeira delas, logo à minha esquerda, rente à parede, uma família com uma criança pequena, ainda de colo, sentada numa dessas cadeirinhas de bebê. Pelas roupas, bem podia ser um menino. Se bem que hoje em dia... Sei não, sei não... tudo é mais difícil nos dias atuais. Procurei um brinquinho que fosse... Hum, mais complicado ainda! Tinha um negócio brilhando num dos lados do nariz... O que seria aquilo, meu Deus? Um pier... pier... piercing! Ah, sim! Parece que é assim que chamam essas bolinhas. Aproximei um de meus ouvidos para captar um pouco do que diziam:
A mulher resmungava:
— ... sozinhos não podem, mas se os menores estiverem acompanhados dos pais então é permitido, oras!
E o homem, que devia ser o marido, tentava interpelar:
— Mas querida, você não acha que ELE — Ah, eu sabia! Era um menino! Era um menino!, pensava eu — ainda é muito “verdinho” para essas coisas?
E a mulher devolveu:
— Que verde que nada! Certas coisas quanto mais cedo se aprende na vida melhor! — e virando-se para a criança, falou com voz esganiçada: — ô meu Bilu-Bilu... olha e aprende direitinho, viu? Nada de ficar dando ouvidos ao seu pai — e olhando cinicamente de volta para o marido, acrescentou: — ... que sobre esses assuntos ainda tem mais é muito o que aprender, viu?!
— Ah-ah! Ta-ka, Ta-ka! Dá-dá-dá... — contribuiu o pequeno.
Lá vinha o maître acompanhando um casal de idosos para ocupar a mesa ao lado desta família, que até agora estava vazia:
— Por aqui, por favor — dizia o maître com um sorriso “de plástico” (moldado na cara dura caiada de pó branco) ao mesmo tempo em que puxava a cadeira para a senhora fina e elegante sentar-se.
— Oh, obrigada! Mas que gentileza... Essas coisas não se vêem mais com freqüência nos dias de hoje, não é mesmo, Harry? — falou para o acompanhante, fazendo biquinho e piscando os olhinhos de boneca.
— Querida, não exagere... — disse o homem com cara de “bundão”.
— O que vai ser para beber? — perguntou solícito o maître caiado.
— Água mineral para a senhora e para mim a carta de vinhos, por favor — solicitou o tal do Harry.
— Como assim “água para a senhora e vinho para mim”, Harry? — foi logo atalhando a velhinha.
— Eh... Hum...senão vejamos... um de nós dois tem que dirigir, minha querida... — falou o bundão, entre dentes, sorrindo para o maître, que conservava ainda no rosto o inabalável sorriso de plástico, ao mesmo tempo em que apertava a ponta do sapato da mulher por baixo da mesa, ao que ela fez um: — “Oh!” — e continuou com cara de boneca de vidro:
— É isso mesmo... você tem razão, querido. — e olhando para o maître caiado, completou: — A carta de vinhos, por favor...
— Oui, Madame! — respondeu o afetado maître, retirando-se discretamente. Outros clientes aguardavam para serem atendidos, e com aquela mesma atenção.
Foi só o tempo do maître se retirar e os finos velhinhos começaram a vociferar, baixinho, um pro outro, palavras de baixo calão. Xingavam-se (discretamente) em Bananês, imaginando que ninguém estaria por ventura entendendo o que diziam. He he he he... Eles estavam bem equivocados se pensavam que eu não entendia os “velha filha da piii...” e “velho pinguço” dentre as mais leves das expressões que ali pipocaram.
Então as luzes foram se apagando devagar. Parece que haveria um show.
Oba! Ia ter show, ia  ter show!!
Daí iluminaram uma cama quadrada, coberta de lençóis pastel, e colocada bem no centro do salão. Entrou um casal. Deviam estar usando uma dessas roupas coladas, mas tão coladas, do tipo que apelidam de “segunda-pele”. Devia ser isso, pois olhei para o “bush” da mulher e não vi nada, nadinha... Aí olhei para o do homem: também não vi nada balançando... Acho que tinha que ser mesmo essas roupas de bailarinos para encobrir “o bush” e "os balangandãs", e deixar o resto à mostra. Sim, os outros músculos e detalhes dos dois corpos dava para ver muito bem. Quando eles entraram ouvi uma "falsa" salva de palmas e uma voz dessas do tipo que comanda programa de auditório classe B, vinda não sei de onde, enchendo o lugar com a frase de apresentação:
 “We love to entertain YOU!!”
Aí os dois atores começaram a atuar.
Na mesa à minha direita estava um casal jovem. Eles riam e aplaudiam. Pouco depois que o show começou, a jovem disse:
— Ha-ha-ha! Mas o que é isso mesmo que eles estão apresentando?
— Pssit! — atalhou o jovem, simulando um pedido de silêncio — Não está vendo que estão fazendo “Arte”?
— Tem certeza? — perguntou a jovem ingenuamente — Eu achava que isso aí tinha outro nome...
— Quieta, quieta! Vamos assistir...
É, esse mundo nosso é cheio dessas coisas assim, insólitas...
Nisto, chegaram novos clientes. Desta vez, duas mulheres. Ocuparam a mesa no centro, bem à minha frente. Eu e uma das mulheres então fizemos contato visual. Ela me olhou, ela me olhou... e eu olhei para ela e eu olhei pra ela... Ela falou para a companheira:
— Olha, Teresa, que surpresa legal! Veja só o que temos por aqui. — E começou a conversar comigo numa das línguas que eu compreendia muito bem. Estranhamente era a minha língua nativa.
— Ah, você vem do Brasil, não é mesmo? Eu também. Prazer em conhecê-lo, meu nome é Mariana. Eu tenho medo de cobras. Quanto a outros bichos... tenho nada contra não! E você?
Ainda deu tempo de eu virar meu ouvido para a mesa dos velhos e ouvi-los cochichar:
— Harry, porque será que a mulher da mesa ao lado está fazendo “Loro, currupaco, papaco, paco, paco, loro, loro...” ?
— Ah, vai ver ela está imitando o papagaio...
— A troco de quê alguém se propõe a imitar um pássaro, e num restaurante?
— Sei lá, querida... Cada louco com a sua mania, não é mesmo? Vai ver eles se entendem... O papagaio parece até que está respondendo...
— Se entendem?! O que é isto, Harry, onde já se viu animal falar com gente? Eu, hein, que coisa mais sem-pé-nem-cabeça... E o que dizer de toda essa história de Evolução, hein, hein?
E o velho disse, em Bananês:
— Cala a boca, Harriet, presta atenção no SHOW...

E eu, de lá do meu poleiro, cumprindo a minha função:
— Presta atenção no show!! Presta atenção no show!! We love to entertain YOU!!



*  *  *



Para el loro del doctor Urbino.


Esta narrativa é de dois mil e nove e faz parte de uma série que há tempos vinha tentando revisitar. Quatro anos se passaram e esses velhos textos resistiram à reedição, o que muito me incomodou aliás pois não costumo ter pudores com meus escritos no que tange a revisões. Talvez exista neles alguma coisa, por isso deixo como estão. Não que sejam jóias literárias, nada disso, estão cheios de falhas até, mas para mim eles são um registro de primeiras experimentações. Como Rosa Montero, também pienso que uno no debe alterar las novelas que escribió en el pasado: deben ser exactamente lo que fueron.” Por isso resisti à tentação de modificá-los. Com vocês então a série do Piroco Paio, de quando ainda estava perdendo a vergonha de contar.


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