sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A Procissão dos Vivos



Por Michele Calliari Marchese

Já fazia uma semana que o Padre Dimas vinha falando na organização da Procissão de Corpus Christi para a quinta feira santa. As mulheres da Campina seguiam de casa em casa para pegarem tudo o que podiam para fazerem os tapetes por onde passaria a procissão.
Estavam todos empenhados e esperando a vinda do Bispo Dom Joaquim da capital, que prometera a visita uns dez anos antes e que tinha confirmado por carta no Natal do ano passado, deixando a população em polvorosa.
A Dona Lídia que era auxiliar na catequese dos pequenos sabia que em dia de quinta feira santa o Bispo, ou seja, nenhum Bispo podia sair de sua Diocese, e aqui na Campina e na região, mesmo em Palmas, não tinha nenhuma Prelazia autorizada pela Igreja. A Dona Lídia insistia que o Bispo não poderia vir, pois poderia acontecer alguma desgraça. Aqui ou lá.
O Padre Dimas não deu atenção, mas deveria ter dado.
Na quarta-feira, dia 18 de junho, o Padre verificou se os tapetes estavam prontos e viu a coisa mais linda que nunca tinha visto em dias de procissões, pois estava tudo muito colorido, muito vivo e de uma criatividade sem tamanho e chamou o fotógrafo para bater algumas chapas. As mulheres que estavam por ali abriam e fechavam as bocas diante de tão belo espetáculo que seria pisado no dia seguinte.
Todos ficaram esperando o Bispo chegar, mas como a noite ia avançando e estavam todos cansados, desistiram da recepção e foram dormir.
No dia seguinte, o Padre badalou para a Santa Missa e ficou um pouco decepcionado com a ausência da visita ilustre, mas mesmo assim continuou. Quando saíram para dar início à procissão, encontraram o Bispo em cima do tapete, vestindo as vestes propícias, com seu manto escarlate e seu turbante branco; rezava de cabeça baixa com as mãos cruzadas em seu peito.
O Padre Dimas ficou felicíssimo e foi lá dar as boas vindas ao Bispo que dizia chamar-se Dom José Joaquim e vinha em substituição àquele que viria, mas que não veio porque nenhum Bispo podia ausentar-se de sua Diocese.
E assim, seguidos de toda a população da Campina teve início as estações da procissão. A Dona Lídia ficou bem para trás porque tinha um pressentimento dentro de si que não soube explicar às comadres. Um pressentimento ruim.
Foi quando acendeu a sua vela na do marido e o vento fez com que o véu que usava caísse no chão. Estava pisando no tapete, mas assim que trocava o passo todo aquele colorido que ficava para trás transformava-se num pó escuro que se misturava com a estrada de chão batido. Mostrou ao marido e resolveram andar mais rápido e ver a coisa de lado. E viram que o tapete ia sumindo assim que a última pessoa passava por ele e ficaram muito assustados e sem coragem de contar às pessoas o que viam e resolveram comunicar ao Padre Dimas e ao Bispo o que estava acontecendo.
Quando conseguiram chegar lá na frente e ficar perto do Padre foi num momento de oração e tiveram que ajoelhar para acompanhar a procissão e não assustarem os outros. O Padre ouviu atento sob os olhos curiosos das beatas prostradas atrás dele e pediu que esperassem o Bispo terminar a última estação. Estavam quase apavorados, porque viam o tapete desaparecer diante de seus olhos e o cheiro das velas era insuportável.
O Bispo, visivelmente emocionado, encerrou a procissão. A população que queria beijar a mão do Bispo logo se aglomerou em torno do Padre e pediam onde estava o Bispo e o Padre dizia que ele estava por ali e a Dona Lídia pediu que Bispo era aquele que não tinha participado da Missa, ao que o Padre respondeu que era o Dom José Joaquim, mas aí um susto perpassou pelos seus olhos e percebeu o que deveria ter lembrado antes, que a visita ilustre estava morta há mais de cem anos.
E todos ouviram isso e em seguida viram que o padre olhava para o chão a procurar alguma coisa e também olharam para o chão e então perceberam assustados que não havia tapete algum por ali.
Havia só a terra batida. As mulheres compreenderam tudo, porque quando foram preparar os tapetes deram de cara com eles prontos e todas achavam que as outras tinham feito. E o Padre pediu ao fotógrafo que revelasse as fotos imediatamente.
Um mês depois aparecia um fotógrafo assustado na igreja a mostrar as fotos tiradas na quarta-feira que antecedera a procissão.
Apareciam nelas o Padre Dimas, algumas crianças que não estavam lá na hora das fotos, e o Bispo ajoelhado na estrada, com a mão estendida como a colocar alguma coisa ali.



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