Se continuar esse calor do cão, hoje ainda chove. Pode ser, lá na minha
rua, quando chove, é aquela sujeira pra não acabar mais, sabia? Não deve ser
pior do que pras bandas lá de Belford Roxo! Pergunta aí pro Bragança. Aquilo
não é lugar de se viver! Santa mãe! Sei como é, já tive lotado ali perto. A
última vez que fui praqueles lados foi pra resolver aquela parada do doutor
Xavier. Que Xavier? O substituto da trinta-e-nove! Conheceu ele não? Ah, sei,
sei, mas ali não é Coelho da Rocha? Tudo a mesma porcaria, mermão, não vejo a
hora de dar o pinote de lá. E por que tu fica? Causa da patroa, você sabe como
é a Letícia, mãe, o irmão, um cunhado, tudo morando perto, e ainda por cima a
escola dos garotos. É, sei como é que é. Olha só, olha só, o bicho aqui tá
suando que nem cavalo, cumpádi! Fica nervoso não, cara, fica tranquilo que isso
acaba logo. Churrascaria Assunção! Que é que tem essa churrascaria, Nanico? Viu
não? Passamos por ela indagorinha! Claro que vi, mas se ficar olhando pra tudo
que é letreiro que tem por aqui, motel, restaurante, posto de gasolina, acabo
bobeando, não dá pra descuidar com tanto farol alto na cara da gente! Sei que
não dá, mas é que me lembrei da Heloísa. Que Heloisa? Aquela capixaba que te
contei, fiquei com os quatro pneus arriados por causa dela, ô menina da legal,
gente fina mesmo. Olha só o Nanico aí, gente, gamadão! Quis casar não, cara?
Casar? Casar como, rapaz, se a pensão da falecida me come quase metade do
salário! Xiiii!!! Que fedor é esse? Olha, olha só, o infeliz aqui se sujou nas
calças, olha só! Vê aí, Cardoso! Vê aí o quê? Tá me achando com cara de cheirar
rabo de vagabundo? Gozado esses pilantras, na hora de aprontar, eles são
machões de primeira, mas quando a gente grampeia o vagabundo é isso aí, só
falta chorar e chamar mamãe. Ô meu camarada, fica assim não, falta pouquinho,
um tiquinho de nada pra gente deixá você bater um papo com São Pedro! Relaxa
aí. Mas a catinga tá demais, não tá dando pra aturar não, vamos encostar logo
esse carro e resolver a parada, assim vou perder até o apetite, ainda não
jantei, sabia? Deixa passar o trevo, lá é beleza, garanto. Ouvi dizer que no
quilômetro vinte tem um boteco que serve uma tripa no capricho. E eu sou lá
homem de comer tripa? Não, não, hoje vou levar vocês numa pizzaria que não está
no mapa, garanto, tem lá uma garçonete com uns peitos que vou te contar, rapaz!
Ha! Mas você tá a fim de comer pizza ou a garçonete, hein? Olha, é por aqui
mesmo, reduz, reduz, Mariozinho, arma a seta, encosta, cuidado com a
buraqueira! Beleza! Vem cá, ô seu moleque filho de uma égua, você sabe rezar,
sabe? O bicho tem mais cara é de macumbeiro. Dá aqui a coisa, Nanico, assim,
passa a ponta menor pra trás. Epa! Güenta firme agora, Cardoso, deixa o homem
te chutar não. Vambora, gente. Força, isso, vai torcendo, pára não. O que foi,
moleque? Hein? Tou ouvindo nada não. Fala mais alto! Olha a língua do infeliz
só! Mais, mais um pouco, você aí, Nanico, sustenta desse jeito, isso!!! Mais um
pouquinho só. Parou de tremer? É, já está dando boa-noite aos anjinhos o
vagabundo. Mas que catinga, gente, o carro vai precisar de uma geral, vou te
contar. Beleza pura, minha gente, agora é só desovar. Abre a porta aí, Nanico,
e sai você primeiro. Deixa que eu puxo pelas pernas. Pronto, assim é que se
fala, agora dá pra gente pegar aquela pizza, ô Cardoso! Estou com a boca seca,
doido por uma loura geladíssima. Posso beber hoje não, gente. Por quê? Virou
crente? Nada, é que tomei uns antibióticos prum dente que tá me dando uma dor
de cabeça danada, e o doutor mandou não facilitar. Falou! Pronto, o presunto está
entregue, quando chegar em casa bato um fio pro doutor Esperidião. Quem? O
delegado da décima, conhece não? Ah, sei, foi ele que encomendou? Gente fina
ele. Vambora, quem é que paga hoje?
QUEM É
QUE PAGA HOJE? publicado com outros contos em Contos Suburbanos, 2010, pela CBJE, edição independente.
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Heitor Herculano! Parabéns pela classificação honrosa - 1º Lugar - não é pra qualquer um não, meu amigo! Mas você merece posto que, de escrever você entende como ninguém e é muito bom nisso. Talento e competência não lhe faltam. Sou até suspeita pra falar. Você sabe que sou sua fã de carteirinha! O conto ficou pra lá de espetacular. Que venham mais outros primeiros lugares. /// Em tempo: Já sou seguidora deste blog. :)
ResponderExcluirObrigada, Ysolda! Muito me alegro em saber que você acompanha agora também este espaço, volte sempre e, querendo, não se acanhe em participar. Um abraço fraterno, inté!
ResponderExcluirParabens para voce Herculano . Um final condizente com a realidade que sabemos ser presente neste mundo policial.Conceição Gomes
ResponderExcluirObrigada, Heitor, por ter enriquecido este nosso canto com este texto dinâmico e bem escrito. Será sempre muito bem-vindo por aqui. Um abraço fraterno, até!
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