Por Helena Frenzel
Olhe que o peso
nunca deu dor de cabeça a Seu Chico e a boa forma nunca o abandonou. Corria,
nadava, fazia ciclismo, sempre comeu de tudo sem moderação por ter bom
metabolismo nem tendência a engordar; não bebia nem fumava, era um homem
quieto, era um homem bom; há anos mantinha um físico invejável, até mesmo
quando parou de se exercitar, depois de casado.
A esposa, essa
sim, vivia em contenda com as balanças, tudo fazia para manter o corpo de
ex-miss.
Belo dia, porém,
chega em casa Seu Chico relatando à mulher: tinha que fazer algo urgente para
emagrecer, a balança de sua firma acusara-lhe seis quilos a mais. Seis quilos
onde?, perguntou-lhe admirada, sobrepeso nele não se deixava ver, nem ao menos
um ‘pneu’. Se a balança mentira, perguntaram a outras várias e de todas, a
mesma conclusão: seis quilos mesmo! Um para cada ano de casado, tempo que ele
passou sem se pesar, podia-se dizer.
Procurar um
médico foi o próximo passo e internado o Chico ficou. Sendo homem rico, sendo
homem bom, os médicos até se esforçaram mas minuciosos exames nada acusaram de
anormal. Monitoraram-lhe o peso e notando que em nada se alterara, mandaram-no
pra casa seguir a vida normal.
Pouco tempo
depois, porém, no sétimo aniversário de casamento, à tardinha, às seis, Chico
sentou-se em frente a um aparelho de tevê para assistir a não sei o quê e lá
ficou até que o levantaram: do sofá para o necrotério e de lá para o caixão.
No dia do enterro,
choravam muito os filhos, a viúva — com um vestido preto revelador — e os
amigos mais íntimos, que durante o cortejo, sete vezes deixaram escapar as
alças do caixão e suavam tanto, curvados, como se estivessem carregando um peso
do além.
De todo modo,
legistas tiveram que examinar o corpo antes de liberá-lo para o enterro,
precisavam saber como Seu Chico morreu. Se decifraram a causa real da morte,
isso ninguém soube; certo é o burburinho que deu: no crânio do falecido, de
dentro pra fora, duas perfurações se abriram e, aos pouquinhos, saliências
ósseas começaram a tomar lugar, até que do cadáver não saiu mais nada, nem
inchaço nem odor.
Por tratar-se de
fenômeno jamais visto, pediram o corpo para estudos. “Homem santo como Chico tem que ir todo pro caixão!”, disse a
mulher, determinada. E na funerária, até que tentaram arrumá-lo ‘inteiro’, mas
não houve jeito de acomodá-lo num caixão normal. Daí a família concordou que o
mutilassem, desde que as partes fossem junto, no caixão. Foi como descobriam o mistério do
sobrepeso, pois que em quilos, cada chifre pesava três.
Que a viúva não
era santa, todo mundo já sabia, mas que Seu Chico era o diabo souberam só
depois, ao abrirem o testamento — o chifrudo entre os mortais! Em disputa pela
herança — e ele tinha o mundo pra deixar, diziam — surgiram bastardos,
mulheres, falcatruas e muita corrupção. "É que o diabo se esconde nos detalhes", disse o advogado,
"e também nos homens bons ".
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