segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O DISCO DE VINIL


Certa vez lá em Jacaraípe, no Espírito Santo, o rio que deságua na praia trazia muito lixo e trouxe um disco, desses antigos LPs só pela metade. Ele veio descendo na água e agarrou num barranco, de forma que a água ia batendo por baixo lhe fazendo rodar. Então, no dia do acontecido houve uma chuva e caiu um graveto bem ao lado como se fosse um braço de agulha de uma vitrola e ficou riscando o disco. A beira do rio ficava cheia de gente com suas varinhas de pescar e proseando enquanto aguardava uma beliscada de algum peixe distraído ou faminto por uma minhoca.  Eu ia sempre lá jogar a minha varinha nem que fosse só para lavar as iscas, pois de pesca não sou lá muito bom. Então, quando se fez aquele silêncio misericordioso que os pescadores se impõem nos seus rituais, havia um som estranho. Repetitivo, chiado e muito estranho. Eu fui caminhando em direção àquele ruído, até que avistei o pedaço de disco rodando com o graveto lhe riscando os sulcos. Você não acredita que dava para a gente ouvir um trechinho da música? Ficava só repetindo assim: "...você não dorme mais no meu colchão, você não dorme mais no meu colchão, você não dorme mais no meu colchão...”  Só não deu para ler o nome do autor. Acho que a água havia apagado aquele miolo do disco aonde vinham escritos os nomes das músicas. Depois de um tempo, para não perder a credibilidade, voltei lá na cidade, fiz um relatório, colhi as assinaturas das testemunhas presentes no dia do acontecido e entreguei ao prefeito para que ficasse registrado. Só não sei se ainda está guardado nos arquivos do município.



Muito obrigada, José Cláudio. E na próxima segunda-feira teremos outra convidada especial. Não perca!


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3 comentários:

  1. Muito bom! Aliás, como toda a produção textual do José Claudio Adão! Mas, ainda bem que o relatório está lá, devidamente registrado, nas mãos do prefeito, para comprovar o tal "você não dorme mais no meu colchão"!Rsrsrsrs

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  2. Todo bom escritor e especialmente aquele que se dedica aos contos, sabe usar e abusar da ficção e talvez por tanto usá-la, nunca se sabe quando o conto é baseado em fatos reais ou não. Aliás, eis a magia de encantar o leitor. Paralelamente, as famosas histórias de pescador, já são cunhadas como fantasiosas e neste texto o José Cláudio, brilhantemente como sempre faz, juntou os dois aspectos e ficaremos a ver navios, pois nunca saberemos se esta é ou não uma história de pescador. Só sei dizer que é mais um dos seus excelentes contos. Um grande abraço, meu amigo Zé, sempre prazeroso desfrutar de seus escritos.

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  3. Dizem que um bom conto é assim: se for real deve ser contado como se não fosse, e se for ficção deve ser contado de forma que o leitor não duvide de que pudesse ser real. Esse seu conto, José Cláudio, eu diria que se encaixa bem nesta descrição. Obrigada por enriquecer o nosso espaço. Um abraço fraterno, até!

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