Por Michele Calliari Marchese
Esse causo aconteceu na
Campina da Cascavel, deveras distante de tudo, poderia dizer que é um Universo
único, dada a quantidade de causos sem explicação e misteriosos que acontecem
por essas bandas.
Aconteceu na quaresma, e todo
mundo sabe que durante a quaresma o diabo anda solto por aí arrebatando almas
para o inferno e é prudente que não se saia de casa nesse período que é
dedicado às orações. O padre Dimas vinha falando nisso todo dia durante a
novena.
Só que o pessoal lá do
interior do Pesqueiro se atrapalhou com as datas e promoveu um baile para o dia
18 de março – bem na quaresma. O baile ia ser dedicado ao carnaval que eles não
sabiam bem certo em que data já tinha caído ou que iria cair e demorava muito
alguém disposto ir até a igreja da cidade para saber do calendário das festas.
De qualquer forma resolveram pedir para a Ritinha escrever uma carta ao padre,
solicitando a presença para uma missa e para o baile. Mandaram a carta seguir
com a carroça do leite, tudo bem explicadinho e tinha que entregar a missiva na
mão do padre e esperar a resposta.
O carroceiro guardou a carta
no bolso, calçou os tamancos e subiu na carroça, olhou para trás para ver se a
esposa estava olhando e parou na casa da dona Amália, que subiu às pressas com
um véu cobrindo o rosto. A mulher do carroceiro que espiava pela janela, viu
tudo. Correu na casa do compadre e pediu ajuda para ir atrás do marido dali uns
quinze minutos, que, calculou ela, era o tempo para encostar a carroça em algum
mato e pegar os dois com a boca na botija.
Dito e feito.
Naquela semana houve muitos
rumores, inclusive na cidade, de que o carroceiro havia sofrido um acidente e
perdido todo o leite da entrega. Da dona Amália não se soube muita coisa, só
que havia fugido do marido e se encontrava em lugar incerto.
Acontece que a carta se perdeu
no entrevero e todo mundo esqueceu da dita, preparando a capela para a missa e
o galpão para o baile. Os músicos ensaiavam as marchinhas e as mulheres faziam
galinha assada para ser servida depois da missa. Foi escolhido o melhor vinho
da vizinhança e os barris foram sendo transportados para o galpão. As mocinhas
casadoiras passaram o dia penteando e perfumando os cabelos, lustrando tamancos
e costurando as saias. Era um dia muito feliz e o único que não participaria
era o carroceiro, devido ao seu delicado estado de saúde.
Quando chegou perto do horário
da missa, a capelinha ficou lotada e nada do padre Dimas aparecer. Depois de
duas horas, o povo resolveu desistir da missa, pois devia ter acontecido alguma
coisa para o padre não aparecer. Mas o que importava mesmo era o baile. Um
primor de beleza naquele galpão todo colorido com os músicos dando os acordes
iniciais para o começo do Baile de Carnaval.
Era quaresma, não esqueçam.
Depois de muita música, vinho
e comilança, apareceu no baile um rapaz muito lindo, vestido com o que havia de
novidade na capital – assim pensavam as mocinhas – uma elegância sem tamanho.
“Deve estar perdido, o coitado”, disse a Ritinha com os olhos grudados no moço.
Seus olhares não passaram despercebidos pelo rapaz, que logo a tirou para
dançar.
Ritinha estava atordoada. “Eu!
Ele me escolheu!” pensava ela sem pedir nada para o dançarino que tampouco
falou alguma coisa. Rodopiaram, beberam, dançaram, suaram. Ritinha era a mais
feliz de todas.
A mulher do carroceiro foi
quem percebeu o cheiro de enxofre, cutucando as comadres a fazerem cochichos.
Tanto falaram que começaram a fazer as contas. “Peraí”, disse uma, “que vou
buscar as minhas tabelinhas lá em casa”.
Quando voltou, pálida e
esbaforida, contou às demais que nas contas dela e das tabelinhas, aquele
período era de quaresma e que, portanto, o cheiro do enxofre era do belzebu.
Para ligarem o cheiro ao moçoilo elegante foi um estalar de dedos e a balbúrdia
teve início.
Homens, mulheres e crianças
correram para suas casas a rezar e acender velas na capelinha; foi uma confusão
dos diabos, já que o próprio estava por lá.
“Mas e cadê a Ritinha?”
Lembrou alguém.
A Ritinha tinha sumido.
“E o rapaz, quero dizer, o
demo?” Lembrou outro.
O rapaz - quero dizer - o
demo, também tinha sumido.
Demorou quase um mês, até a
sexta-feira santa, para que os homens fossem ao galpão fazer as averiguações e
lá, além da bagunça da escapada em massa, encontraram o piso de madeira
queimado no formato de patas de bode, o cheiro do enxofre que ainda persistia e
o sumiço da Ritinha.
Cruz Credo.
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