segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Causo da Ritinha


Por Michele Calliari Marchese

Esse causo aconteceu na Campina da Cascavel, deveras distante de tudo, poderia dizer que é um Universo único, dada a quantidade de causos sem explicação e misteriosos que acontecem por essas bandas.


Aconteceu na quaresma, e todo mundo sabe que durante a quaresma o diabo anda solto por aí arrebatando almas para o inferno e é prudente que não se saia de casa nesse período que é dedicado às orações. O padre Dimas vinha falando nisso todo dia durante a novena.
Só que o pessoal lá do interior do Pesqueiro se atrapalhou com as datas e promoveu um baile para o dia 18 de março – bem na quaresma. O baile ia ser dedicado ao carnaval que eles não sabiam bem certo em que data já tinha caído ou que iria cair e demorava muito alguém disposto ir até a igreja da cidade para saber do calendário das festas. De qualquer forma resolveram pedir para a Ritinha escrever uma carta ao padre, solicitando a presença para uma missa e para o baile. Mandaram a carta seguir com a carroça do leite, tudo bem explicadinho e tinha que entregar a missiva na mão do padre e esperar a resposta.
O carroceiro guardou a carta no bolso, calçou os tamancos e subiu na carroça, olhou para trás para ver se a esposa estava olhando e parou na casa da dona Amália, que subiu às pressas com um véu cobrindo o rosto. A mulher do carroceiro que espiava pela janela, viu tudo. Correu na casa do compadre e pediu ajuda para ir atrás do marido dali uns quinze minutos, que, calculou ela, era o tempo para encostar a carroça em algum mato e pegar os dois com a boca na botija.
Dito e feito.
Naquela semana houve muitos rumores, inclusive na cidade, de que o carroceiro havia sofrido um acidente e perdido todo o leite da entrega. Da dona Amália não se soube muita coisa, só que havia fugido do marido e se encontrava em lugar incerto.
Acontece que a carta se perdeu no entrevero e todo mundo esqueceu da dita, preparando a capela para a missa e o galpão para o baile. Os músicos ensaiavam as marchinhas e as mulheres faziam galinha assada para ser servida depois da missa. Foi escolhido o melhor vinho da vizinhança e os barris foram sendo transportados para o galpão. As mocinhas casadoiras passaram o dia penteando e perfumando os cabelos, lustrando tamancos e costurando as saias. Era um dia muito feliz e o único que não participaria era o carroceiro, devido ao seu delicado estado de saúde.
Quando chegou perto do horário da missa, a capelinha ficou lotada e nada do padre Dimas aparecer. Depois de duas horas, o povo resolveu desistir da missa, pois devia ter acontecido alguma coisa para o padre não aparecer. Mas o que importava mesmo era o baile. Um primor de beleza naquele galpão todo colorido com os músicos dando os acordes iniciais para o começo do Baile de Carnaval.
Era quaresma, não esqueçam.
Depois de muita música, vinho e comilança, apareceu no baile um rapaz muito lindo, vestido com o que havia de novidade na capital – assim pensavam as mocinhas – uma elegância sem tamanho. “Deve estar perdido, o coitado”, disse a Ritinha com os olhos grudados no moço. Seus olhares não passaram despercebidos pelo rapaz, que logo a tirou para dançar.
Ritinha estava atordoada. “Eu! Ele me escolheu!” pensava ela sem pedir nada para o dançarino que tampouco falou alguma coisa. Rodopiaram, beberam, dançaram, suaram. Ritinha era a mais feliz de todas.
A mulher do carroceiro foi quem percebeu o cheiro de enxofre, cutucando as comadres a fazerem cochichos. Tanto falaram que começaram a fazer as contas. “Peraí”, disse uma, “que vou buscar as minhas tabelinhas lá em casa”.
Quando voltou, pálida e esbaforida, contou às demais que nas contas dela e das tabelinhas, aquele período era de quaresma e que, portanto, o cheiro do enxofre era do belzebu. Para ligarem o cheiro ao moçoilo elegante foi um estalar de dedos e a balbúrdia teve início.
Homens, mulheres e crianças correram para suas casas a rezar e acender velas na capelinha; foi uma confusão dos diabos, já que o próprio estava por lá.
“Mas e cadê a Ritinha?” Lembrou alguém.
A Ritinha tinha sumido.
“E o rapaz, quero dizer, o demo?” Lembrou outro.
O rapaz - quero dizer - o demo, também tinha sumido.
Demorou quase um mês, até a sexta-feira santa, para que os homens fossem ao galpão fazer as averiguações e lá, além da bagunça da escapada em massa, encontraram o piso de madeira queimado no formato de patas de bode, o cheiro do enxofre que ainda persistia e o sumiço da Ritinha.
Cruz Credo.


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